Automóvel: começou a guerra de preços com a China
E o português Carlos Tavares, patrão da Stellantis, parte a loiça, criticando as decisões do Parlamento Europeu em matéria de electrificação
E o português Carlos Tavares, patrão da Stellantis, parte a loiça, criticando as decisões do Parlamento Europeu em matéria de electrificação
A guerra com a China já começou. E não se irá a travar nas águas do Estreito da Formosa mas à porta dos concessionários dos automóveis. Os fabricantes europeus preparam-se para um desembarque em massa chinês a partir do Outono. Segundo o diário francês “Le Monde”, armadores franceses preveniram o patrão da Renault Luca di Meo de que fabricantes chineses reservaram muito espaço a bordo dos navios porta-viaturas até ao final do ano.
Ainda que Portugal seja pequeno, periférico e com um mercado automóvel menor, já se detectam sinais no mesmo sentido: a marca chinesa BYD (acrónimo da expressão inglesa Build your dreams/construam os vossos sonhos) passou recentemente a estar presente entre nós, sendo representada pelo grupo Salvador Caetano (Toyota, Lexus, Honda, Hyundai e brevemente Nissan); antes fora a vez da Aiways, representada pela Astara (Kia, Mitsubishi, Isuzu). Ainda não é a invasão de modelos muito baratos, como a verificada na América do Sul, mas de SUV 100% eléctricos da gama média a preços competitivos.
Na perspectiva do consumidor, uma guerra de preços pode ser positiva, sobretudo em tempos de inflação e perda de poder de compra, mas há muito mais em causa do que isso. “É a própria sobrevivência de fábricas e empregos industriais na Europa que pode estar em jogo” alertou Carlos Tavares, dirigente máximo do grupo Stellantis. O português que dirige o conglomerado constituído por Peugeot, Citroën, DS, Opel ou Fiat-Chrysler esteve recentemente entre nós para se dedicar àquilo que mais gosta de fazer nos (poucos) tempos livres: correr em circuitos, no caso a 52ª edição do Circuito Internacional de Vila Real (14 a 16 de Julho). Numa conversa com os nossos camaradas de trabalho do Autosport e da qual citamos, com a devida vénia, alguns excertos, Tavares voltou a partir a loiça, na linha de uma troca de galhardetes anterior com o ministro francês da Economia Bruno Le Maire.
Carlos Tavares acusa os responsáveis políticos europeus de estreiteza de vistas. Por um lado, amarram a indústria europeia a uma transição em marchas forçadas para o 100% eléctrico em 2035 (Parlamento Europeu), corrida para a qual os chineses, possuidores quase exclusivos de metais nobres e cujas fábricas são subvencionadas pelo Estado, partem em vantagem. Por outro, namoram norte-americanos (Tesla) e chineses para fazerem fábricas no Velho Continente (Governo francês). E, pelo meio, incitam os fabricantes a serem patriotas e a produzirem modelos 100% eléctricos de baixo custo em França. Neste último caso tratou-se de declarações do ministro Bruno Le Maire, empenhado em fazer cumprir uma promessa de Macron aos franceses de menores posses: pôr no mercado “carros do povo” a bateria, cujo encargo mensal não passasse dos € 100 para os adquirentes/utilizadores.
Na altura (7 de Junho) Tavares respondera nas páginas do “Monde” a Le Maire: “Que tal lançarem esse desafio à Tesla (onde Elon Musk, numa aposta tão arriscada como as que tem feito no ex-Twitter, mandou baixar significativamente os preços) ou à BYD de quem se diz quererem abrir fábricas em França? Ao contrário de nós, não deram um tostão para o desenvolvimento do país nos últimos cem anos, muito menos têm de suportar o encargo da reconversão das fábricas antigas. Eles que tentem fazer carros eléctricos ultra-compactos, acessíveis e produzidos localmente! Se forem capazes…”
Em declarações ao Autosport, Tavares tocou num outro ponto: a ligeireza com que o poder político decide a coberto das (justas) preocupações ambientais, sem pesar todas as consequências. “Aquilo que o Parlamento Europeu, melhor dizendo os representantes que nós todos elegemos, decidiu, põe em causa a nível dos custos, a mobilidade das classes médias. E pode ter outras consequências, nomeadamente a nível de emprego”.
Em particular, diz Tavares, “os políticos parecem ter-se esquecido que há 1400 milhões de automóveis em circulação no mundo, esmagadoramente movidos a combustão. Mesmo que metade dos 80 milhões anuais de viaturas vendidas passasse a ser 100% eléctrica, quando tempo se levaria a renovar o parque?” Como dizia o outro, é só fazer as contas: o quociente desta hipotética e optimista divisão daria 17 anos e meio. Isto partindo do princípio de que no Cairo, Bombaim, Moscovo ou Buenos Aires passasse a haver uma presença significativa de viaturas 100% eléctricas…
Para as batalhas que se adivinham para o final deste ano, Carlos Tavares (Stellantis) ou Luca di Meo (Renault) partem com algum optimismo porque aproveitaram a penúria de semicondutores para concentrarem as vendas nos modelos mais caros e com mais margem. A Stellantis vendeu mais 9% de viaturas e facturou mais 13 %. A Renault vendeu mais 13% de carros e facturou mais 27^ em dinheiro (vinha de uma situação de prejuízo).
Agora que já não é preciso esperar seis meses para comprar carro, os dados voltaram a mudar e o factor preço volta a ser importante, sobretudo nos particulares, onde a margem do fabricante é maior que para as viaturas de aluguer ou de empresas. “Se a concorrência [chinesa e americana] quiser ir para a guerra de preços vai-lhes doer mais que a nós”, disse Tavares ao “Monde”. Razão invocada: produzir em larga escala para criar stocks e vender muito também tem custos e não são pequenos. À cautela, nos Citroën, Peugeot e afins começou a apostar-se mais nos modelos de entrada nas gamas e nas motorizações menos espalhafatosas, enquanto na Renault se lançou uma subsidiária, a Ampere, com o objectivo de conseguir baixar em 40% os custos das viaturas eléctricas até 2027.
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