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Arroz, borra de café e casca de maçã também servem para fazer sapatos? A indústria portuguesa de calçado quer provar ao mundo que sim

Arroz, borra de café e casca de maçã também servem para fazer sapatos? A indústria portuguesa de calçado quer provar ao mundo que sim
Lucília Monteiro

O ano 2022 foi um ano de recordes. E 2023 promete “ser exigente”, mas a ambição do sector de ser uma referência internacional continua a ganhar força e passa pela “inovação verde”

O número é da Wordlfootwear e parece assustador: Em 2023, os europeus vão comprar menos 56 milhões de pares de sapatos. À escala global, no entanto, o negócio deverá crescer ligeiramente, cerca de 0,3%, antecipa a última edição da World Footwear Business Conditions Survey, um projeto de avaliação das macrotendências do setor lançado há 13 anos pela APICCAPS, a associação da fileira do calçado.

É uma fatia pequena, mas cobiçada pela indústria nacional, que esta semana, entre domingo e quarta-feira, está presente com uma embaixada de 40 empresas na Micam, a maior feira mundial do sector, à procura de novos negócios e clientes, de forma a revalidar o recorde de exportações de calçado e manter o saldo positivo na balança comercial desta indústria (1,3 mil milhões em 2022).

O objetivo é bater o registo histórico de 2009 milhões de euros de 2022, o que se traduz em saltos de 20,2% e 13,8% face ao período homólogo e a 2019, respetivamente.

“Anos complexos”

Habituada a exportar mais de 95% da produção para 172 países, “a indústria do calçado vive anos complexos por via dos efeitos da pandemia, seguida de subidas na inflação, com a consequente retração do consumo, e nas taxas de juro, com reflexos no financiamento das empresas e dos clientes”, admite a direção da APICCAPS.

Quanto a 2023, espera um ano “muito exigente”, com os principais mercados europeus “em forte contração ou mesmo em recessão económica”, até porque “os fornecedores asiáticos estão a repor a capacidade produtiva que tinha sido afetada pela Covid-19 e ficarão novamente capazes de fornecer em pleno os mercados internacionais” nota o diretor de comunicação da APICCAPS, Paulo Gonçalves.

É neste contexto que Milão se impõe como uma “etapa importante” no “regresso em força aos palcos internacionais”. “Desde o início do ano, a indústria do calçado já integrou 10 iniciativas promocionais no exterior”, diz a APICCAPS, que tem em cima da mesa de trabalho, como sinal de alerta, o boletim trimestral de conjuntura, elaborado em parceria com o Centro de Estudos e Economia Aplicada da Universidade Católica do Porto, a indicar que “na indústria portuguesa de calçado há sinais de abrandamento”.

Carteira de encomendas a abrandar

“As empresas continuam a considerar o estado dos negócios positivo, mas a percentagem das que o consideram melhor do que um ano antes diminuiu” e são “as empresas de maior dimensão e com maior orientação exportadora a fazer uma apreciação da situação mais favorável”, refere o estudo.

O diagnóstico mostra que “no quarto trimestre do ano passado a produção e o emprego ainda evoluíram positivamente, mas a carteira de encomendas já teve “uma evolução menos favorável do que em trimestres anteriores” e a percentagem de industriais que afirmam debater-se com escassez de encomendas está a aumentar.

Nova geração de produtos

Para dar a volta à situação, a fileira aposta na promoção internacional, mas também numa nova geração de produtos que prometem trazer aos sapatos do futuro arroz, borras de café, cascas de maçã ou garrafas de plástico para provar que “na indústria de calçado nada se desperdiça, tudo se transforma”. Se a ambição dos sapatos made in Portugal é serem “uma referência internacional no desenvolvimento de soluções sustentáveis”, assentes numa base industrial competitiva, a resposta passa pela “inovação verde”, o que neste caso se traduz no projeto BioShoes4All.

O projeto BioShoes4All tem a ambição de promover uma mudança radical nos materiais, tecnologias, processos e produtos de calçado e marroquinaria, gerando soluções sustentáveis, valorizáveis economicamente no mercado internacional”, afirma Maria José Ferreira, coordenadora deste projeto, que junta 70 parceiros de diferentes setores, desde os recursos biológicos, materiais, produtos químicos, componentes, calçado, marroquinaria, a produtores de tecnologias de produção e softwares, valorizadores de resíduos, comerciantes e retalhistas, que em conjunto irão partilhar recursos, riscos e oportunidades.

Cofinanciado pelo PRR (medida C12 bioeconomia sustentável) para desenvolver e produzir novos biomateriais, componentes e ecoprodutos de calçado e marroquinaria, alicerçados nos princípios da bioeconomia circular, criando soluções diferenciadas, valorizadas pelos clientes e consumidores”, o projeto não esquece a descarbonização nem “a minimização e valorização dos resíduos de produção e pós-consumo, a produção ágil e ecoeficiente no contexto de uma economia verde, digital, competitiva e circular, contribuindo para o aumento do ciclo de vida dos materiais”.

O objetivo final é desenvolver, em três anos, meia centena de novos produtos “com melhor pegada ecológica" e implementar 25 linhas piloto industriais.

100 no pacto verde

Ainda sob o signo do verde, no regresso de Milão, a 24 de fevereiro, o Cluster do Calçado e Artigos de Pele em Portugal estará no Palácio de Cristal, no Porto, na assinatura pública do Portuguese Shoes Green Pact, presidida pelo Comissário Europeu do Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevičius.

É este o caminho escolhido no Plano Estratégico do Cluster do Calçado para a próxima década, com o foco na sustentabilidade e na “aliança virtuosa da sofisticação e criatividade com a eficiência produtiva assente no desenvolvimento tecnológico e na gestão da cadeia internacional de valor”.

Ao desafio lançado pela APICCAPS e pelo Centro Tecnológico do Calçado no início do ano para as empresas passarem das palavras à ação e subscreverem o “Portuguese Shoes Green Pact” e “assumirem publicamente o compromisso de trabalhar e contribuir para as metas definidas pelas Nações Unidas e Europa de um planeta com saldo nulo de emissões de carbono em 2050 e uma redução para metade em 2030” já responderam mais de 100 empresas que representam um valor de negócios próximo dos 800 milhões de euros por ano, adianta a associação.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mmcardoso@expresso.impresa.pt

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