Colocar implantes no cérebro de seres humanos pode parecer uma ideia assustadora, mas a tecnologia já tem anos de desenvolvimento e os primeiros testes em humanos podem ocorrer mais depressa do que se espera. A Neuralink, empresa detida por Elon Musk e a mais mediática a fazer investigação neste ramo, anunciou na semana passada que procura candidatos para realizar ensaios clínicos. O que se pode esperar desta tecnologia e para quando?
"Estamos a décadas de ter algum resultado. Agora, dizia-se o mesmo da Tesla…[empresa de carros elétricos também detida por Musk] Portanto, eu acredito que ele vai tentar meter isto cá para fora o mais depressa possível”, constata ao Expresso Juliana Monteiro, licenciada em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade Lusíada e mestre em Neurociência pela Universidade de Bona.
“As pessoas que sofrem de tetraplegia devido a lesões da medula espinal cervical ou esclerose lateral amiotrófica estão entre as elegíveis”, clarifica o anúncio da empresa. Desconhece-se, no entanto, o número de pacientes que poderão participar: segundo a Reuters, a empresa esperava receber a aprovação para dez pessoas, mas estaria a negociar um número inferior de doentes com a FDA, depois de terem sido levantadas questões de segurança.
Juliana Monteiro considera que o número de candidatos que a Neuralink procura é ainda muito reduzido – “Dez é brincadeira. Nunca na vida conseguem chegar a conclusões com dez sujeitos" – e explica que outras empresas ainda não se aventuraram em estudos com humanos porque o risco de lesão grave ou mesmo de morte é demasiado elevado. Caso algo corra mal, a própria atividade será colocada em sério risco: "correu mal, mas isto não foi por causa do dispositivo” não seria uma explicação suficiente, analisa a neurocientista.
Segundo a Reuters, a empresa que desenvolve chips e dispositivos para implantar no cérebro estava cotada em cerca de 4,7 mil milhões de euros em junho de 2023, apesar de especialistas consultados pela agência afirmarem que demorará vários anos até que consiga obter uma autorização de utilização comercial. A Neuralink enfrentou em dezembro de 2022 uma investigação federal aos testes que realizava em animais – após os próprios funcionários terem levantado dúvidas sobre o tema – e os testes clínicos em humanos foram então rejeitados pela FDA (a autoridade reguladora dos medicamentos e alimentos nos EUA), por razões de segurança. Porém, os mesmos foram aprovados em maio deste ano.
Problemas de expressão
A especialista ouvida pelo Expresso não estranha que a empresa tenha sido questionada por alegados maus-tratos em animais, porque tal não é inédito em laboratórios, mas estranha que a FDA tenha aprovado os testes em humanos, tendo em conta esses problemas. A empresa estava também a aguardar a aprovação por parte de um comité independente. Num comunicado publicado no seu blogue declara que recebeu essa mesma aprovação, bem como a do primeiro hospital para começarem com os testes clínicos.
A neurocientista frisa que a Neuralink tem muita concorrência, mas considera que a empresa comunica de uma forma críptica, sendo que o pouco que se vai sabendo dos progressos conseguidos surgem através de ex-trabalhadores, alguns dos quais se desvincularam por motivos éticos. "O que temos visto é uma monitorização neuronal. Ou seja, não é algo inovador na tecnologia, porque isso já existe há bastantes décadas […] Tal pode ser feito sem implantes e completamente de forma indolor e sem risco nenhum”, sublinha. Mesmo o interface cérebro-computador é feito através de tecnologias não invasivas há muito tempo – para Juliana Monteiro o que temos visto até agora da empresa não é propriamente inovador, o que é inovador é a promessa do produto.
Contudo, não haverá muitas dificuldades em encontrar sujeitos dispostos a participar, visto que ambas as doenças que a empresa procura curar são bastante debilitantes, o que torna os pacientes mais propensos a correr o risco. No entanto a escolha destas doenças gera dúvidas à especialista, visto que o cérebro, em especial a zona motora, está muito bem mapeado.
“É plausível colocar aí elétrodos que leiam em tempo real, monitorizem a atividade motora, percebam a intenção que a pessoa tem e permitam que exista um movimento. Mas ele está a pedir indivíduos com problemas motores ao nível da espinal medula (tetraplégicos e indivíduos com esclerose múltipla). São coisas distintas”. Os danos/traumatismos nestas doenças são locais e a Neuralink “não esclarece como é que vai ultrapassar a questão desse traumatismo local, porque uma coisa é o cérebro e outra coisa é o traumatismo local”.
“Apesar de parecer elegante [a tecnologia] é extremamente invasiva e fica por esclarecer até onde, ou seja, qual a profundidade dos elétrodos”, conclui.
O estudo utilizará um robô para colocar cirurgicamente o implante de interface cérebro-computador numa “região do cérebro que controla a intenção de se movimento” e tem como objetivo inicial permitir que as pessoas “controlem um cursor ou um teclado de computador utilizando apenas os seus pensamentos”. Para além do objetivo inicial, a Neuralink tem esperança de que a tecnologia facilite a rápida inserção cirúrgica dos seus chips para tratar doenças como a obesidade, o autismo, a depressão e a esquizofrenia.
Texto de João Charréu, editado por João Pedro Barros