Imobiliário

Um imobiliário sustentável: o que estão a fazer as empresas do sector pelo futuro do planeta?

Um imobiliário sustentável: o que estão a fazer as empresas do sector pelo futuro do planeta?
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Apesar da falta de literacia para a sustentabilidade em Portugal, as empresas do sector imobiliário têm vindo a traçar o seu caminho neste sentido nos últimos anos, até para responder às exigências europeias. Novos produtos, novos materiais ou novas formas de trabalhar, é assim que se prepara o futuro para um sector com uma pegada mais pequena (ou, idealmente, nula)

A sustentabilidade tem, inevitavelmente, marcado os nossos dias nos últimos anos, numa tentativa de desacelerar o aquecimento global e de reduzir os desastres naturais, consequentes do mesmo. Com várias diretivas europeias a marcarem o futuro nesta matéria, o sector imobiliário não pode ser exceção - e não é - e, por isso, a associação GRACE promoveu um conjunto de conferências onde se fala do tema (“Rumo a um setor imobiliário sustentável” foi o mote).

A União Europeia tem vindo a aprovar nos últimos anos várias diretivas que vão sendo transpostas para a legislação nacional e que obrigam as empresas a cumprir critérios mais apertados a nível do ESG (sigla inglesa para ambiente, responsabilidade social e governança) e a reportar mais informação ao mercado e aos stakeholders.

O que fazem as empresas?

O grupo de construção ACA criou um comité para avaliar o que já estava a ser feito em sustentabilidade, segundo explicou Maria João Martins, gestora de sustentabilidade da multinacional. O que verificaram foi que havia falta de literacia de sustentabilidade - aliás, um dos desafios identificados por vários agentes do setor.

Isabel Santos, fundadora da consultora Greenblab, sublinhou mesmo que há uma enorme falta de literacia para a sustentabilidade em Portugal. “Temos uma equipa preparada para apoiar a nível de imobiliário, espalhados pelo mundo fora, porque não temos know how cá dentro”, referiu.

Por isso, na ACA criaram um evento com os colaboradores de todos os países onde estão presentes - e mais umas quantas pessoas que se juntaram nas redes sociais - e, assim, “as pessoas começaram a respirar sustentabilidade”. Depois, nomearam embaixadores dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) em cada região onde estão presentes - são estes os responsáveis por trabalharem os vários pilares ESG.

Do lado da Mota-Engil, esclareceu José da Silva Almeida, diretor de sustentabilidade da construtora, começaram a debruçar-se sobre a taxonomia da sustentabilidade “há dois anos”. Esta taxonomia é um sistema de classificação de atividades “verdes” que traduz as metas climáticas e ambientais da União Europeia em critérios objetivos - são seis objetivos e importa referir que não é uma diretiva europeia, ou seja, não tem de ser transposta e já se encontra em vigor.

As empresas são, assim, obrigadas a calcular e evidenciar o efeito nas emissões de CO2 de um projeto de investimento, ou na alocação de financiamento; têm de demonstrar os efeitos não negativos sobre poluição, resíduos, água, entre outros; assim como sobre os direitos humanos fundamentais; e as empresas que são obrigadas a publicar relatório de sustentabilidade devem relatar de acordo com a taxonomia.

José Almeida contou que foi um “trabalho moroso e complexo” pois tiveram de fazer a “verificação dos requisitos em todos os projetos, em todos os países”, o que se tornou “assustador”. “Chegámos à conclusão que [apesar dos esforços] não estamos alinhados com nada”, admitiu, notando que há um certo exagero na afirmação, mas que é melhor assumir esta postura mais “conservadora”.

Do lado da SECIL o investimento na sustentabilidade já começou há vários anos. Segundo disse Vitor Vermelhudo, coordenador do departamento técnico de betão da empresa, desde que está na empresa (há 25 anos) que se faz esse caminho. Nas suas palavras, a empresa, que faz parte do grupo Semapa, já “fornece produtos e soluções para a construção sustentável” e promove a produção com economia circular. Sublinhou, inclusive, o investimento feito em 2021, de 86 milhões de euros, na fábrica da Arrábida “para uma nova linha de produção de cimento que torna o processo mais sustentável”.

A empresa continua a “trabalhar para ter cimentos com menor pegada”, nem que seja a nível de transportes, onde tentam meios com fontes de energia híbridas.

Do lado da Sonae Sierra, esta ‘luta’ já remonta ao final do século passado, conforme as declarações de Elsa Monteiro, diretora de sustentabilidade da empresa. E com esse trabalho surgiram as oportunidades, graças à “confiança ganha com os stakeholders”. E não se esqueceu dos custos: edifícios sustentáveis podem reduzir custos operacionais. Por exemplo, desde 2012 a Sonae Sierra já reduziu em 68% o consumo de eletricidade e em 41% o de água. “São poupados milhões de euros nos centros comerciais”, milhões esses que se traduziriam em maiores custos para as empresas que arrendam as lojas.

Para Manuel Collares Pereira, conselheiro científico da Vanguard, a resposta para várias empresas e promotoras imobiliárias pode estar na utilização da madeira, pois a combinação de materiais (neste caso, sendo um deles madeira), pode ajudar a reduzir a pegada carbónica. “A legislação francesa em 2021 determinou que todos os edifícios públicos passassem a ter 50% de madeira, porquê? Pegada neutra”, afirmou.

Agora, não será mais barato do que a construção ‘tradicional’. Ainda assim, também não será muito mais caro. “Feitas as contas, é equivalente”, disse o conselheiro.

“O promotor deve olhar para a reabilitação e construção nova como oportunidade para ele e não como uma oportunidade para ter uma taxa de juro bonificada”

António Fontes, responsável da área de fomento à construção do Santander Portugal

E a nível de financiamento? Para quem vai investir é importante que as certificações estejam em dia e em conformidade com o que é esperado. Segundo Florence Ricou, presidente executiva da Insula Capital, a sustentabilidade é a nova ‘localização’, no sentido em que, antigamente o imobiliário premium estava ligado à zona onde estava, agora não há problema em fugir do centro da cidade e ir para a periferia se isso significar edifícios mais sustentáveis.

A visão foi partilhada por António Fontes, responsável da área de fomento à construção do Santander Portugal. O responsável do banco referiu ainda que “hoje em dia já quase todos os novos edifícios têm de ter pelo menos um certificado energético” e as novas construções residenciais têm até de estar no patamar A ou A+. Por isso, quando questionado sobre bonificação para construção sustentável, deixou a pergunta no ar: “porque é que tem de haver bonificação para isso, se é obrigatório?”.

E avisou: “o promotor deve olhar para a reabilitação e construção nova como oportunidade para ele e não como uma oportunidade para ter uma taxa de juro bonificada”.

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