
Intervenção direta no mercado de arrendamento, com a mobilização das casas devolutas, subsídios e isenções fiscais são as linhas gerais do Governo para acelerar a entrada de mais alojamentos no mercado
Intervenção direta no mercado de arrendamento, com a mobilização das casas devolutas, subsídios e isenções fiscais são as linhas gerais do Governo para acelerar a entrada de mais alojamentos no mercado
Transformar o Estado em inquilino para poder subarrendar habitações e garantir o pagamento das rendas, mobilização das casas devolutas, descontos fiscais para contratos de longa duração, isenções de impostos para os alojamentos locais que se transfiram para o arrendamento e subsídios às famílias que ultrapassem a taxa de esforço. No conjunto são 11 as propostas do Governo, que incluem ainda o combate ao arrendamento informal e maior celeridade na cobrança de rendas em atraso.
Governo quer mobilizar as 723 215 casas devolutas
O Estado pode mobilizar património devoluto através do arrendamento obrigatório por entidades publicas, com o respetivo pagamento de renda, para posterior subarrendamento. Tiago Mota Saraiva, arquiteto e investigador em políticas de habitação, alerta, contudo, que esta “ideia ainda é vaga, é um conceito que precisa de uma estrutura jurídica”. O investigador lembra a mobilização dos fogos devolutos é “uma boa medida, resta saber como vai ser legislada”.
Contratos de Desenvolvimento para a Habitação
O Governo quer disponibilizar os imóveis do Estado, em regime de Contrato de Desenvolvimento para Habitação, solos ou edifícios públicos para construção, reconversão ou reabilitação de imóveis para arrendamento acessível. Os terrenos públicos poderão ser entregues a promotores privados ou cooperativas, desde que sejam utilizados para a construção de imóveis destinados ao arrendamento acessível.
Balcão único de arrendamento com novas valências
O atual Balcão Nacional do Arrendamento vai ganhar competências de injunção, um procedimento que permite que o credor de uma renda obtenha, de forma célere e simplificada, um título executivo.
Estado garante pagamento de três rendas em atraso
O Estado vai promover um modelo de pagamento da renda, uma garantia que será dada pela Segurança Social, em situações de carência de meios, até ser encontrada solução alternativa.
Estado arrenda para subarrendar
O objetivo é arrendar imóveis, “nomeadamente devolutos, subarrendando com uma taxa de esforço máxima de 35% do agregado familiar”. O Estado assume o pagamento da renda após o terceiro mês de incumprimento, ficando sub-rogado na posição do senhorio para recuperação das quantias em dívida, mediante execução fiscal, ou promoção do despejo, garantindo as necessidades sociais ou o realojamento.
Benefícios fiscais para alojamentos locais transferidos para o mercado de arrendamento
A majoração fiscal para os proprietários de alojamento local, registados até ao final de 2022, passa pela isenção para rendimentos prediais auferidos até final de 2030, desde que estes imóveis sejam afetos ao arrendamento habitacional e cujo contrato seja celebrado até dezembro de 2024.
Incentivos fiscais ao arrendamento acessível
A construção nova destinada ao arrendamento acessível passa a pagar uma taxa de IVA de 6%, num processo semelhante à reabilitação urbana. Estes imóveis ficam ainda isentos do pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis, até um máximo de 8 anos.
Combate ao arrendamento informal
A comunicação da existência de um contrato de arrendamento passa a poder ser feita pelo inquilino, nos casos em que não seja feita pelo senhorio no prazo legal.
Fomento do arrendamento de longa duração
Os contratos de arrendamento habitacional de longa duração passam a ter uma redução fiscal no pagamento da taxa liberatória. Para contratos até cinco anos, passam a pagar 25%; sendo 15% a taxa para contratos até dez anos de 15% e até 20 de 10%. A partir daqui a taxa liberatória é de 5%.
Apoio extraordinário ao pagamento das rendas
O novo programa propõe subsidiar o pagamento das rendas que excedam 35% da taxa de esforço às famílias que estejam no sexto escalão de rendimento. A “diferença entre a taxa de esforço real e a taxa de esforço final de 35%, com um limite de prestação mensal de €200 para contratos celebrados até final de 2022”. Uma família monoparental com um filho e um rendimento mensal de €1400 e uma renda de €900 passa a receber €200 euros de apoio. No caso de um casal com dois filhos e rendimento de €2500 para uma renda de €1200, o apoio também são €200.
Contratos anteriores a 1990
Isentar de IRS e de IMI os senhorios com estes contratos. O Governo quer ainda compensar o não aumento de rendas, cujos contratos não podem transitar para o regime livre, mas não esclarece o modelo.
O programa ‘Mais habitação’ proposto pelo Governo deixa muitas questões por responder aos especialistas contactados pelo Expresso, e levanta várias inquietações, a começar pela falta de legislação para tornar as propostas efetivas. Por exemplo, os proprietários que mantiveram as rendas em valores baixos nos últimos anos, poderáo acabar por ser penalizados pelo novo pacote de incentivo à habitação, apresentado pelo Governo.
No programa “Mais Habitação” o Governo determina para os imóveis que já se encontravam no mercado de arrendamento nos últimos 10 anos, que a renda inicial nos novos contratos “não pode ultrapassar os 2 % face à renda anterior”. Um valor que será acrescido dos “coeficientes de atualização automática dos três anos anteriores, se os mesmos ainda não tiverem sido aplicados, considerando-se que em 2023 esse valor foi de 5,43%”.
Ora nos últimos dez anos o coeficiente de atualização das rendas, divulgado pelo Portal da Habitação, nunca ultrapassou os 1,03%, tendo uma média ponderada de 1,04%.
Na prática, devido aos anos de baixa taxa de inflação, “haverá senhorios que serão prejudicados porque a proposta envolve todos os proprietários, esquecendo aqueles que ao longo dos anos mantiveram as rendas baixas”, explica Tiago Mota Saraiva, arquiteto e investigador em políticas de habitação.
Clélia Brás, especialista em direito imobiliário da Sociedade de Advogados PRA, considera que “estas medidas não vão surtir efeitos imediatos, como se poderia prever, pois, cerca de 75% dos portugueses têm casa própria e as reservas que foram canalisadas das suas poupanças também foram investidas em segundas habitações, por ser seguro o investimento no mercado imobiliário”.
Também os contratos de arrendamento anteriores a 1990 ficam impedidos de transitar para o Novo Regime Arrendamento Urbano.
O Instituto Nacional de Estatística aponta para a existência de 194 000 contratos de arrendamento anteriores a 1990, com valores que não ultrapassam os €150. Contratos que, não poderão aumentar mais que os 7,43%. Na prática, explica Mota Saraiva, “vamos continuar a ter “apartamentos de áreas idênticas com rendas de €50 e outros com €1000 ou mais”.
Isto devido às rendas “congeladas”, contratos anteriores a 1990, que vão continuar impedidos de passar para o regime livre, tal como previsto no Novo Regime do Arrendamento Urbano, que dispôs de regras específicas para a atualização destes contratos. E que o Governo volta a “congelar” ao impedir a transição nas medidas propostas.
“É preciso compensar estes proprietários, que ao longo dos anos tiveram um comportamento adequado e não subiram as rendas dos seus inquilinos”. E o atual pacote não “corrige estes desequilíbrios”, aponta aquele investigador.
Também a isenção no pagamento de mais-valias na venda de imóveis ao Estado pode, alerta aquela advogada, “criar uma situação de injustiça para quem queira e não consiga vender os seus imóveis ao Estado ou aos municípios, porquanto estes últimos não terão capacidade financeira nem interesse em adquirir todos os imóveis cujos proprietários pretendam alienar”.
Clélia Brás avisa ainda que as medidas propostas para o alojamento local “podem, muito provavelmente, incrementar uma economia paralela”.
Quanto à isenção de mais-valias na venda de imóveis ao Estado, irá “criar uma situação de injustiça para quem queira e não consiga vender os seus imóveis ao Estado ou aos municípios, porquanto estes últimos não terão capacidade financeira nem interesse em adquirir todos os imóveis cujos proprietários pretendam alienar”.
Clélia Brás lembra ainda que a isenção fiscal ao arrendamento acessível “está prevista desde 2019” e as novas propostas vão criar “um novo racional em contradição com o já existente, que é fomentar a aquisição de propriedades”.
Já o arrendamento dos imóveis devolutos a advogada alerta que “faltam consultas prévias e existe a violação de direitos constitucionalmente consagrados”. Em causa a possibilidade de o Estado “desvirtuar a livre iniciativa económica e contratual, impondo aos proprietários que arrendem os seus imóveis devolutos”.
Opinião diferente tem Tiago Mota Saraiva, relevando o direito de propriedade “em face da carência habitacional”.
Clélia Brás lembra que quer o Estado, quer as câmaras municipais, “já têm a possibilidade de adquirir imóveis, mediante a concessão das preferências que os proprietários são obrigados a conferir”.
“É preciso legislar, compreender o alcance destes conceitos, que são ainda vagos, para que se possa avaliar a bondade do programa”, resume Mota Saraiva.
Também Clélia Brás afina pelo mesmo diapasão, ao afirmar que “é preciso consultar várias entidades e efetivamente verificar a legislação para aferir se a medida terá a devida intenção que o Governo tenta passar”. Porém a advogada não esconde o “ceticismo” de que o atual pacote venha “efetivamente a disponibilizar mais casas para o mercado do arrendamento”.
Incluindo a garantia do Estado para atuar como subarrendatário, “porque ainda está por explicar com que garantias o vai fazer”.
O programa “Mais Habitação” vai ser sujeito a consulta pública e depois vertido em lei, não esclarecendo o Governo se irá ser incluído no Programa Nacional de Habitação que está em discussão na especialidade, na Assembleia da República.
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