Na bolsa, há formas de ganhar (e perder) dinheiro para todos os gostos. A grande maioria dos investidores que aloca dinheiro no mercado de ações anseia pela valorização das empresas em que aposta, para obter mais-valias com isso. No entanto, a desvalorização de um título pode também ser sinónimo de festa para alguns e há mesmo quem faça vida a investir na queda das ações. Na linguagem do mercado chama-se short selling e, apesar de estar a abrandar, nem a bolsa nacional escapa.
Neste momento, onze das dezasseis empresas que compõem o PSI, o índice nacional, sofrem com este fenómeno. No total, estes fundos abutres, como são apelidados, têm posições equivalentes a quase 300 milhões de euros neste conjunto de cotadas, ao preço da cotação atual (o equivalente a uma média de 0,5% do capital total), esperando a sua desvalorização para lucrarem.
O tema surgiu na semana passada, quando o Jornal de Negócios deu conta da entrada de um destes fundos na construtora Mota-Engil, tendo ajudado a provocar uma queda de 18% nas ações desde a sua entrada (no dia 2 de setembro) até ao fecho desta segunda-feira. No total, o Muddy Waters Capital - nome do fundo - investiu o equivalente a 0,65% do capital da empresa e é o único com uma posição a descoberto (outro nome para o short selling) na construtora liderada por Carlos Mota dos Santos.
"Acaba por ter sempre algum peso", diz ao Expresso Henrique Tomé, analista da XTB, quando olha para a presença destas posições na bolsa nacional, mas acrescenta que a queda da Mota-Engil em bolsa se deve sobretudo aos resultados que a empresa apresentou. Mesmo que pareçam positivos, continua o analista, estão fortemente influenciados por lucros não recorrentes que "inflaram os resultados em cerca de 114 milhões de euros". O que significa que sem eles a empresa teria tido prejuízo (entre janeiro e junho registou um lucro de 49 milhões).
Steven Santos, diretor de trading do Banco BiG, explica que este valor de 0,5% "acaba por não ser expressivo" e justifica-se porque existe "menos liquidez" na bolsa nacional, apesar de o short selling estar a abrandar em toda a Europa, salienta. Um relatório da S&P Global Market, de janeiro deste ano, mostra que o investimento na queda de ações está no seu valor mais baixo da última década, devido à boa prestação dos mercados acionistas em termos globais.
Uma posição a descoberto ou uma posição curta, é uma aposta especulativa na queda de ativos que constam nos mercados financeiros e que permite aos investidores ganhar dinheiro com o declínio do seu valor. Quando se verifica uma grande percentagem de posições curtas numa empresa, por norma, a sua citação acaba por ceder.
Fundos abutres estão presentes em 11 empresas portuguesas
Valor da posição tendo em conta o fecho de sessão desta segunda-feira
As regras do short selling mudaram muito nos últimos anos, principalmente quando rebentou o caso da Gamestop. Nessa altura, a percentagem total de posições curtas chegou aos 140%, o que significa que por cada ação a favor havia 1,4 ações a apostar na sua queda. Em Portugal, os fundos têm de comunicar sempre que compram posições a descoberto equivalente a pelo menos 0,5% do capital da empresa, o que faz com que vários fundos detenham posições 0,49% em cinco empresas nacionais, cuja identificação não é obrigatória.
Quem são e de onde vêm estes fundos abutres?
São norte-americanos e britânicos, gerem milhares de milhões em todo o mundo. Alguns, são conhecidos por shortar ações, outros fazem dessa aposta apenas uma das suas estratégias de investimento. Existem pelo menos seis grandes fundos (cinco norte-americanos e um britânico) a apostarem na queda de empresas portuguesas e o exemplo da Mota-Engil é apenas um.
O Muddy Waters foi criado por Carson Block, um conhecido short seller norte-americano por revelar negócios ruinosos entre empresas chinesas, como a Sino-Forest (com sede em Pequim, mas listada no Canadá) que acabou por falir em 2012. Em Portugal, o gigante norte-americano terá apenas posição a descoberto na Mota-Engil.
"Este fundo tem apenas 300 milhões de dólares sob gestão", nota Steven Santos, continuando que "à escala norte-americana é um valor irrisório". Mas isso deve-se à sua política "focada apenas do short selling, em identificar falhas e fraudes em empresas".
Mas a empresa portuguesa com a maior posição a descoberto é a REN - Redes Energéticas Nacionais com um total de 0,88% de todo o seu capital, segundo os comunicados à CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários).E a shortar a empresa presidida por Rodrigo Costa está um outro fundo abutre chamado Arrowstreet Capital que este ano já investiu na queda de três cotadas nacionais. Aos preços do fecho de sexta-feira, esta posição na empresa elétrica portuguesa representa mais de 14 milhões de euros.
O Arrowstreet Capital nasceu em 1999, em Boston, pela mão do professor em Harvard John Y. Campbell. Atualmente tem cerca de 200 clientes espalhados pela América do Norte, Europa e Ásia e, no final de 2021, geria ativos no valor total de 152 mil milhões de dólares (o equivalente a 137 mil milhões de euros). Ao contrário do Muddy Waters, cuja grande estratégia assenta no short selling, o Arrowstreet olha para um leque muito mais alargado de estratégias.
Para além de estar presente na REN, este fundo tem posições curtas em outras duas empresas nacionais, todas do setor energético: a EDP e a Greenvolt. No caso da primeira empresa, a posição equivale a 0,57% do capital, enquanto na segunda, a percentagem ascende a 0,65%. No total, todas as posições deste fundo em Portugal equivalem a quase 100 milhões de euros.
Mas o fundo com mais exposição na bolsa portuguesa é o britânico Marshall Wace, com posições curtas na Galp, Jerónimo Martins e Sonae (presente deste 2017) avaliadas em 122 milhões de euros. Fundado em 1997 por Paul Marshall e Ian Wace gere atualmente cerca de 58 mil milhões de euros em ativos.
Depois nota-se a presença de outros fundos abutres como o Blackrock (com posições avaliadas em 33 milhões no BCP e CTT), do Citadel (posição de 4,8 milhões na Altri) e do Discerene Group (que reforçou o seu short na NOS de 0,6% para 0,69%, em agosto deste ano). Poderão existir ainda outros fundos com posições menos e cuja identificação não é obrigatória.