Economia

Inflação na zona euro sobe em dezembro, mas BCE não vai travar cortes dos juros

Inflação na zona euro sobe em dezembro, mas BCE não vai travar cortes dos juros
Getty Images

A inflação na zona euro subiu ligeiramente para 2,4% em dezembro, segundo a estimativa rápida avançada esta terça-feira pelo Eurostat. O espaço da moeda única continua a revelar uma diversidade de ritmos de inflação, com a economia portuguesa, em 3,1%, na zona intermédia. O Banco Central Europeu deverá prosseguir os cortes de juros já a partir da próxima reunião a 30 de janeiro

A inflação na zona euro subiu para 2,4% em dezembro, de acordo com a estimativa rápida publicada esta terça-feira pelo Eurostat, o organismo de estatísticas da União Europeia. Em setembro, a inflação tinha baixado para um mínimo do ano, fixando-se em 1,7%, mas retomou, nos dois meses seguintes, uma trajetória ascendente para 2% e 2,2%.

Apesar desse movimento de subida desde outubro, o ano de 2024 fica marcado por um processo de desinflação, de descida da inflação, tendo arrancado o ano com um máximo de 2,8% e fechado 2023 com uma média anual de 5,4%. O pico do ciclo inflacionista registou-se em 2022, com uma inflação média anual de 8,4%.

Uma segunda estimativa será publicada pelo Eurostat a 17 de janeiro, já depois de se conhecer a primeira estimativa para a inflação em dezembro na economia norte-americana.

Desinflação aos solavancos em 2024

Taxa de inflação mensal na zona euro em %

Não obstante a trajetória ascendente da inflação desde outubro, revelando um processo de desinflação classificado por Christine Lagarde como “aos solavancos”, com altos e baixos, o Banco Central Europeu (BCE) projeta uma inflação média anual de 2,4% em 2024. Na sua última reunião do ano passado, a 12 de dezembro, os economistas do banco central avançaram com um movimento de descida para 2,1% em 2025 e abaixo do objetivo de 2% da política monetária em 2026.

Deste modo, a expetativa é que o BCE não travará o processo de corte de juros em 2025, prevendo-se a primeira descida do ano já na reunião a 30 de janeiro.

A expetativa é que o BCE não travará o processo de corte de juros em 2025, prevendo-se a primeira descida do ano já na reunião de 30 de janeiro.

A subida do ritmo da inflação em dezembro foi impulsionada pela aceleração dos preços nos serviços, que regressaram a uma variação homóloga de 4%, e na energia que, depois de uma quebra homóloga em novembro, subiram 0,1% em dezembro.

A inflação subjacente - designação para a inflação excluindo as componentes mais voláteis da alimentação e energia - estabilizou em 2,7%.

Os ritmos de inflação referidos dizem respeito à variação homóloga, em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Na variação em cadeia, de um mês para o seguinte, o índice geral subiu 0,4%, com impulsos dados pela subida de 0,8% nos serviços e de 0,6% na energia.

Recorde-se que os serviços estão a ser pressionados pela subida dos salários e que, na energia, as matérias-primas viram as cotações aumentar 1,8% nos últimos três meses. Cite-se, a título de exemplo, que, na Alemanha, os salários com impacto nos serviços subiram, em termos homólogos, de 4% em novembro para 4,1% em dezembro.

Inflação a várias velocidades

A inflação na zona euro não é homogénea. A variação para Portugal situou-se em 3,1% (em termos de índice harmonizado, usado pelo Eurostat), acima da média de 2,4% para a zona euro e de 2,8% para a economia nossa vizinha, Espanha. Na medição do Instituto Nacional de Estatística, em Portugal, subiu de 2,5% em novembro para 3% em dezembro.

A variação das taxas de inflação vai das acima de 4% para a Bélgica, Croácia e Estónia, até às inferiores a 1,5% registadas na Irlanda e Itália. Em seis economias do euro - Finlândia, França, Irlanda, Itália, Lituânia e Luxemburgo -, a inflação é já inferior ao objetivo de 2% da política monetária.

A implicação desta heterogeneidade é que as taxas reais de juro do BCE são diferentes em cada um dos 20 membros do euro. Apesar da taxa nominal de referência do BCE estar em 3%, as taxas reais, descontando a inflação, são muito diferentes, sendo mais restritivas nas economias em que a inflação está abaixo dos juros do BCE, e menos restritivas nas em que a inflação está acima dos juros do BCE. Uma inflação mais alta do que os juros do BCE (em 3% atualmente) torna o juro real negativo.

Inflação em várias velocidades

Variação do IHPC em dezembro em %

BCE deverá acelerar cortes

Na política monetária previsível para 2025, entre os sete principais bancos centrais, de que se dispõe de previsões, o BCE deverá destacar-se na aceleração do ritmo de cortes e na dimensão da descida acumulada esperada para este ano.

Nas expetativas avançadas pelo portal MacroMicro, a taxa de referência do BCE deverá descer dos atuais 3% para 1,89% no final do ano. As projeções da MacroMicro vão para além da previsão dos economistas do banco alemão Commerzbank que aponta para quatro descidas até 2% nas reuniões de 30 de janeiro (a primeira do ano), 6 de março, 17 de abril e 5 de junho e uma descida acumulada de 106 pontos-base no primeiro semestre do ano (pouco mais de 1 ponto percentual de corte acumulado).

Os pressupostos desta trajetória de descida sucessiva baseiam-se na previsão de Christine Lagarde, a presidente do BCE, de que, ao longo de 2025, a inflação na zona euro atingirá o objetivo de 2%. Esta descida dos juros é crucial para a Alemanha, que vai a votos a 23 de fevereiro num clima em que 20 das 49 associações empresariais estão pessimistas sobre o crescimento, e para a França, envolta em crise política, e com dificuldade de reduzir o défice orçamental abaixo de 6,1% do PIB estimado para 2024. O atual ministro francês da Economia, Eric Lombard, nomeado para o novo governo chefiado por François Bayrou, fala de um défice para 2025 entre 5% e 5,5%.

Contudo, as decisões do BCE vão depender de quatro fatores importantes em 2025. O primeiro, a possibilidade da China “exportar” para a Europa deflação face à guerra comercial com a Administração Trump, como assinalou Klaas Knot, presidente do Banco Central dos Países Baixos. O segundo, o BCE ser forçado a travar cortes devido a um disparo dos preços da energia ou a uma depreciação mais acentuada do euro, avisou Robert Holzmann, governador do Banco Central da Áustria e considerado o mais ‘falcão’ (crítico das políticas monetárias expansionistas, nomeadamente de uma descida excessiva dos juros) da equipa atual de Lagarde. O terceiro, o impacto direto do protecionismo de Trump com consequências inflacionistas na zona euro, obrigando a uma paragem dos cortes de juros, como referiu Boris Vujcic, governador do Banco Central da Croácia.

Também poderão acelerar o ritmo de cortes o Banco Popular da China (PBOC) e o Banco de Inglaterra (BoE), Na projeção da MacroMicro, os juros do BoE poderão ser cortados em 75 pontos-base ao longo de 2025, mais do que os 2 cortes de 2024 num total acumulado de 50 pontos-base. Segundo a Bloomberg, referindo previsões da Goldman Sachs e da Morgan Sntanley, o PBOC deverá descer a taxa de referência de 3,1% para 2,7%,uma descida ligeiramente superior à de 2024, podendo implicar três cortes em vez de só dois como no ano anterior. O PBOC já avançou que, em 2025, pretende mudar de uma política monetária “prudente” (com cortes tímidos) para uma de alívio moderado. A política monetária e a política orçamental (pelo governo) chinesas vão sincronizar-se para travar a desaceleração económica e o risco de deflação (com a inflação a cair para 0,2% em novembro de 2024).

Perspetivas para a próxima reunião de politica monetária

Nos EUA, prudência no horizonte

As projeções do portal MacroMicro para a evolução da taxa de referência da Reserva Federal norte-americana (Fed) apontam para uma descida modesta em 2025 abaixo de 40 pontos-base, menos de metade do corte acumulado em 2024 (100 pontos-base). Na projeção avançada, o ponto intermédio do intervalo das taxas de juro desceria apenas para 3,9%. Atualmente está em 4,4% no intervalo em vigor entre 4,25% a 4,5%.

A Fed reúne-se já a 29 de janeiro, na semana seguinte à tomada de posse de Donald Trump,e um dia antes da primeira reunião do ano do BCE. Os futuros da taxa de referência apontam para uma probabilidade de quase 90% no sentido da equipa chefiada por Jerome Powell não mexer no intervalo dos juros. Como o próprio Powell já assinalou, a Fed vai necessitar de conhecer as políticas concretas da nova Administração para poder avaliar os seus impactos. Só na segunda reunião do ano, a 19 de março, os banqueiros centrais do dólar atualizarão as suas previsões macroeconómicas (crescimento, inflação e desemprego) e sobre a taxa de juros do banco central, já contando com três meses de presidência Trump.

O primeiro corte em 2025 pela Fed deverá ficar adiado para a reunião de 7 de maio, segundo as probabilidades implícitas nos futuros na plataforma FedWatch da CME. Aos três cortes realizados em 2024, o ritmo poderá descer abruptamente para apenas uma descida em todo o ano de 2025.

Também o Banco do Canadá deverá moderar a descida de juros. De um corte acumulado de 175 pontos-base em cinco decisões em 2024, o portal MacroMicro aponta para uma descida de pouco mais de 60 pontos-base até final de 2025.

Em sentido contrário, o Banco do Japão deverá realizar 2 a 3 subidas durante 2025, puxando os juros dos 0,25% atuais para 0,7%. O aumento acumulado deverá ser ligeiramente superior ao do ano passado. Um inquérito da CNBC apontava para uma probabilidade superior a 50% de um primeiro corte do ano já na reunião de 24 de janeiro.

Entre as economias emergentes, o Banco Central do Brasil iniciou um processo de aperto nos juros (subida da taxa Selic) no segundo semestre do ano passado. O Relatório Focus do próprio banco central aponta para uma subida da taxa dos 12,25% atuais para 14,75% no final de 2025, com um aumento de 100 pontos-base já a 29 de janeiro e uma segunda subida de mais 100 pontos-base em março, guardando o último ajustamento para final do ano.

Nota: Foi corrigida na versão inicial a data da próxima reunião do Banco Central Europeu, que não é a 5 de fevereiro, mas a 30 de janeiro, bem como o restante calendário de reuniões de política monetária do BCE no primeiro semestre de 2025.

Expetativas de juro no final de 2025

Taxa em %

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate