Filipe Nascimento, o administrador executivo da Global Media com a área financeira, apresentou também esta quinta-feira à noite a renúncia ao cargo que ocupava. Seguiu-se a Paulo Lima Carvalho, o administrador executivo com a área dos recursos humanos, que também esta noite decidiu sair.
Em carta enviada a Marco Galinha, presidente do conselho de administração do grupo - que detém o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias, a TSF e O Jogo -, e a João Paulo Fafe, presidente executivo, o gestor afirma que o pedido para sair é apresentado em todas as empresas do perímetro da Global Media, “invocando justa causa para o efeito”. Na base da demissão está também o facto de não se terem cumprido os objetivos que o levaram a aceitar o cargo, tal como afirmou Paulo Lima Carvalho.
Explica Filipe Nascimento que em agosto foi convidado para integrar a administração da Global Media “no sentido de reestruturar financeiramente a empresa e fazer crescer a sua abrangência para outros mercados e geografias, especificamente os de língua portuguesa, apostando em novas tecnologias, rentabilizando os recursos existentes e pagando melhor aos profissionais – aliviando o peso de salários mais elevados numa estrutura onde a desigualdade salarial era, e infelizmente ainda é, um grave fator de iniquidade entre trabalhadores”.
Referindo que o convite o honrou, adianta que foi “com profundo sentido de responsabilidade pelo passado de todos os títulos e marcas, que aceitou o desafio, ainda que com algum prejuízo para a vida familiar”. Na carta de demissão enviada esta quinta-feira à noite, refere que “diversas vezes esta carta esteve escrita e outras tantas foi apagada, sempre a aguardar que as condições melhorassem, na esperança de o grupo não ficasse sem solução para a sobrevivência no dia-a-dia, que os impostos fossem pagos e que – acima de tudo – os compromissos salariais fossem integralmente honrados”.
“Quem me conhece sabe que é com profunda mágoa e consternação que hoje decido pôr fim a esta colaboração que se iniciou há 4 meses, a 15 de setembro de 2023. No entanto, não posso admitir que o meu nome seja arrastado para uma batalha de oportunismos empresariais, e também políticos, bem como de egos e guerras de um mercado que está demasiado prisioneiro de interesses conflituantes, nem todos preocupados com a sobrevivência e sustentabilidade das marcas jornalísticas”, adianta.
“Esta decisão prende-se pelo facto das condições e projeto que estiveram na base do convite que me foi endereçado não estarem a ser de todo cumpridas”, explica o gestor adiantando que “não é possível gerir financeiramente uma empresa que assiste a dramas humanos diários por falta de pagamento de salários, sem conseguir articular qualquer perspetiva decente aos trabalhadores quanto à resolução dos problemas subjacentes a essa falta de pagamento”.
Filipe Nascimento diz também que “não é possível reestruturar uma dívida de cerca de 5 milhões de euros sem existir previsibilidade e sazonalidade nos fluxos de financiamento” e que também “não é possível gerir uma empresa onde negócios, perspetivados em setembro e assinados em novembro, são anulados à 25.ª hora por questiúnculas políticas e eleitorais, inviabilizando fluxos de tesouraria previstos”, ou “gerir e programar tesouraria quando as entidades bancárias cortam o financiamento sem prévio aviso”. As duas situações referidas prendem-se com a fracassada venda ao Estado da posição do grupo na agência Lusa e a suspensão da utilização de uma conta caucionada existente no Banco Atlântico Europa há cerca de 6 anos.
“Enquanto gestor, foi com muitas dificuldades que enfrentei a realidade de gerir uma estrutura onde vários profissionais, com décadas de casa, ganham 800 euros, e colegas em igualdade de circunstâncias auferem ordenados de 8 mil euros. Disparidades salariais deste nível podem ser legais, mas são imorais”, acrescenta.
O gestor termina a carta referindo acreditar que, apesar de todos os problemas, “com os ajustes certos, a empresa terá certamente viabilidade, e fará jus à memória histórica das marcas que integra”.
Fundo suspende transferências
As demissões de Paulo Lima Carvalho e de Filipe Nascimento seguem-se às do também administrador executivo Diogo Agostinho, a meio de dezembro, a mesma altura em que o administrador não executivo Carlos Beja pediu para sair. E na semana passada foi a vez do não executivo Victor Menezes pedir também para sair.
Ficam agora na administração quatro membros: José Paulo Fafe, presidente executivo, Marco Galinha, que também mantém poderes executivos mas acumula com a presidência do conselho de administração, e também António Mendes Ferreira e Kevin Ho, como não executivos.
Estas saídas ocorrem num dia agitado para o grupo. José Paulo Fafe revelou em comunicado que o World Opportunity Fund - fundo que controla 50,25% da Global Media - não avançará com a transferência de dinheiro para o pagamento dos salários em atraso enquanto não houver uma decisão relativa às diligências tomadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social e enquanto não for retirada a providência cautelar de arresto decretada pelo acionista Marco Galinha.
A transferência estava prevista ocorrer até ao início da semana para que os salários de dezembro que ainda não foram pagos a alguns trabalhadores fossem finalmente regularizados. Mas até esta quinta-feira os trabalhadores da área da imprensa do grupo não receberam a remuneração tendo ficado a saber que a transferência do dinheiro fica suspensa.
Os trabalhadores do Jornal de Notícias e de O Jogo, reunidos em plenário, não demoraram a reagir, acusando a comissão executiva e o seu presidente de “terrorismo” e “chantagem”. Estavam reunidos para decidir se avançavam com o pedido de suspensão dos contratos de trabalho - através do qual deixam de trabalhar e passam a receber subsídio de desemprego até a situação estar regularizada - e decidiram: vão mesmo avançar para esse mecanismo.
Com a retirada dos dois administradores executivos, a gestão de José Paulo Fafe fica bastante fragilizada. Na semana passada, quando questionado sobre se iria demitir-se, no Parlamento, Fafe recusou a ideia. “Não, não me demito. Nunca virei a cara a nada na vida e não viro agora”, garantiu, afirmando ainda: Peço imensa desculpa a quem me quer ver pelas costas, mas vão ter de levar comigo. Até eu decidir".