Com a inflação acima de 9% e presságio de novos disparos nos preços do gás natural e no petróleo depois das decisões da Gazprom e da OPEP+, o conselho do Banco Central Europeu, que se reúne nesta quinta-feira, baloiça entre uma subida das taxas de juro igual a julho ou um aumento de 75 pontos-base ao estilo da Fed
O Banco Central Europeu (BCE) reúne o conselho nesta quinta-feira num ambiente de forte pressão para uma subida mais agressiva das taxas de juro. A inflação na zona euro chegou a 9,1% em agosto e em algumas economias da moeda única a dinâmica raia a hiperinflação própria de economias emergentes, com taxas acima de 20% ao mês. A própria inflação sem as componentes mais voláteis (energia e alimentação) - que os economistas designam por inflação subjacente - subiu para 4,3%, mais do dobro do objetivo geral (2%) de estabilidade de preços do banco central.
Os economistas ouvidos pelo Expresso dividem-se entre uma segunda subida de 50 pontos-base (meio ponto percentual), idêntica à decidida em julho, e um aumento mais agressivo, ao estilo norte-americano, de 75 pontos-base (três quartos de ponto percentual). A Reserva Federal (Fed), o banco central dos Estados Unidos, já subiu por duas vezes, em junho e julho, a taxa diretora em 75 pontos-base. Em agosto, entre as economias desenvolvidas, só Islândia e Israel decidiram subidas com essa dimensão. Na abertura de setembro, o Banco da Reserva da Austrália ficou-se por um aumento de meio ponto.
Com base numa sondagem junto de especialistas, a Bloomberg avançou com a previsão de uma subida de 75 pontos-base. O influente “Financial Times” aposta, também, na maior subida de sempre dos juros na história do BCE e os analistas do Commerzbank alemão vão no mesmo sentido. Uma subida à ‘americana’ de 75 pontos-base seria uma estreia em vinte e quatro anos de vida. Desde o início, o BCE já subiu as taxas dezanove vezes, mas nunca três quartos de ponto percentual. Em dezasseis vezes, o aumento foi apenas de 25 pontos-base (um quarto de ponto percentual), uma espécie de norma histórica. Só foi mais agressivo, com o dobro desse aumento ‘normal’, em três ocasiões até agora: em novembro de 1999, no primeiro ano de vida do euro, em julho de 2000, e agora em julho de 2022.
Conseguir um consenso na reunião desta quinta-feira sobre a dimensão da subida vai ser uma tarefa difícil para Christine Lagarde e Philip Lane, o economista-chefe do banco, responsável por apresentar o quadro de opções.
Uma nova fase na vida do BCE
Foi precisamente Lane que, no final de agosto, durante uma intervenção em Barcelona, assinalou que o BCE entrava em setembro, com a reunião desta quinta-feira, numa “nova fase”.
Trata-se de um novo quadro de atuação depois de ter dado o passo prévio em julho de iniciar o ciclo de subida das taxas de juro e ter acautelado uma ‘ferramenta’, um programa que batizou de TPI (no acrónimo em inglês para Instrumento de Proteção de Transmissão da política monetária), para lidar contra ataques especulativos contra as dívidas mais vulneráveis na zona euro.
A nova fase implica três pilares. Em primeiro lugar, as decisões são tomadas reunião a reunião, não há mais antecipação da dimensão das subidas dos juros. Por consequência, as opções ficam sempre em aberto face à evolução da conjuntura e aos sinais e expectativas sobre o futuro próximo, o que o BCE chama de “dependência dos dados”. Finalmente, a monitorização da inflação subjacente é crítica, para avaliar neste período de “grande volatilidade” (como o batizou Isabel Schnabel, a responsável na comissão executiva do BCE pelas operações de mercado) as dinâmicas das componentes mais voláteis (hoje muito determinadas pela geopolítica do gás e do petróleo e pelas disrupções nas cadeias de abastecimento e produção de produtos alimentares) e das menos voláteis (bens industriais e serviços).
A persistência de níveis muito acima da estabilidade de preços nas componentes não voláteis pode ser um sinal de que o surto de inflação se “entrincheira” na economia. Em agosto, os preços dos bens industriais subiram 5% e os dos serviços quase 4%.
O quadro de projeções macroeconómicas é, neste campo, importante. Na reunião de quinta-feira, o BCE vai apresentar novas previsões, que, segundo a consultora financeira Econostream, a partir de fontes dentro do banco, vão admitir o risco de uma contração ou estagnação no quarto trimestre deste ano, revendo em baixa o crescimento e alterando em alta a inflação para 2022 e 2023.
Nas previsões apresentadas em junho, o BCE apontava para uma desaceleração da economia da zona euro em 2022 e 2023, com o crescimento a cair de 5,4% no ano passado para 2,6% e 2,1% respetivamente. A inflação situar-se-ia em termos médios anuais em 6,8% em 2022 - um máximo histórico anual nos vinte e quatro anos de vida do euro - e em 3,5% no ano seguinte, ainda muito acima do objetivo de 2% do banco.
Desalinhamento entre banco central e governos?
Como ficou claro no simpósio organizado em agosto em Jackson Hole por um dos bancos da Reserva Federal norte-americana, há um consenso entre os banqueiros centrais e o Fundo Monetário Internacional (FMI) de que o dinheiro tem de ficar caro, que as taxas de juro do banco central têm de ser apertadas até o surto inflacionista ser vencido, que os devedores vão ter de pagar muito mais pelo que pedem emprestado, nomeadamente no crédito à habitação. Em suma, que o momento é de causar “alguma dor” às famílias e às empresas, como disse, preto no branco, Jerome Powell. Isabel Schnabel, do BCE, e Gita Gopinath, a número dois do FMI, secundaram a ideia.
O FMI juntou-lhe, esta semana, pela pena de Vítor Gaspar, o responsável pelo Departamento dos Assuntos Orçamentais, uma proposta aos governos europeus para fixarem tetos plurianuais de despesa pública e planos claros de consolidação orçamental no sentido de saldo zero ou mesmo excedente nos próximos três a cinco anos.
Mas causar dor nas famílias e empresas, cortando no consumo e no investimento, e reduzir o impulso orçamental, tem impacto no andamento da economia e o que os governos menos anseiam é enfrentar uma recessão e crises sociais a curto prazo. Avaliando o PIB em cadeia (de um trimestre em relação ao anterior), os EUA entraram em recessão técnica no primeiro semestre do ano (dois trimestres consecutivos com o PIB a cair) e a Alemanha, o motor europeu, cresceu apenas 0,1% entre abril e junho. Por isso, face à pressão inflacionista sobre empresas e famílias, multiplicam-se pacotes de ajudas.
Mas a Zona Euro no seu conjunto cresceu até mais do que o inicialmente estimado: 0,7% entre janeiro e março e 0,8% entre abril e junho, segundo os dados em cadeia publicados esta quarta-feira pelo Eurostat. Mas a ‘fragmentação’ das dinâmicas de crescimento impera. Este organismo de estatísticas da União Europeia revela que Holanda (uma plataforma de comércio internacional), Irlanda e Áustria puxaram pelo crescimento na zona euro no segundo trimestre. Portugal estagnou, a Alemanha quase estagnou, e Estónia, Letónia e Lituânia, os bálticos na linha da frente geopolítica, estão em recessão.
O anúncio, por Christine Lagarde, do TPI travou alguma da fúria dos ataques especulativos a algumas dívidas da zona euro, mas, apesar dos reinvestimentos massivos que estão a ser feitos na dívida italiana, espanhola e grega que o BCE tem em carteira, os spreads (prémio de risco exigido pelos investidores) continuam acima da linha vermelha (de 200 pontos-base, dois pontos percentuais) para a Grécia e Itália e muito acima da média da zona euro para Espanha.
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