Garantia de Angola ao BESA: a arma de ex-gestores para evitar condenação da CMVM em Santarém
Defesas de Amílcar Morais Pires e Rui Silveira contestam condenação da CMVM em coimas de €1 milhão sobre aumento de capital de 2014
Defesas de Amílcar Morais Pires e Rui Silveira contestam condenação da CMVM em coimas de €1 milhão sobre aumento de capital de 2014
Enquanto em Angola se contam os votos das eleições que tiveram lugar para decidir o poder no país, em Santarém, Portugal, recua-se quase uma década, para o período em que José Eduardo dos Santos era ainda o presidente do país.
A garantia soberana que Eduardo dos Santos assinou a favor do BES Angola no fim de 2013, que acabou revogada após a derrocada do Banco Espírito Santo, é a arma usada pelas defesas de ex-gestores do banco para evitarem a condenação judicial no âmbito do processo de contraordenação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) sobre o aumento de capital realizado em 2014.
Para os mandatários de Amílcar Morais Pires e Rui Silveira, nas alegações finais que tiveram lugar esta quinta-feira, 25 de agosto, a garantia soberana concedida protegia os créditos problemáticos detetados no BES Angola, e essa informação constava do prospeto da operação em que o BES queria captar mil milhões de euros junto dos então acionistas e outros investidores, pelo que nada mais haveria a dizer.
A CMVM discorda e, no processo de contraordenação, considerou que a informação que constava no prospeto “não era completa quanto à situação financeira e patrimonial do BESA detetada em finais de 2013 que esteve origem na emissão pela República de Angola, em 31.12.2013, da garantia soberana a favor do BESA”, tendo sido uma das infrações que levaram à aplicação de coimas conjuntas de 2,8 milhões de euros a cinco ex-administradores, incluindo Ricardo Salgado.
Havendo a garantia assinada pelo presidente angolano que saiu do poder em 2017 e que morreu no mês passado, não fazia sentido inscrever quais os créditos que tinham problemas. Para o mandatário de Morais Pires, José Miguel Duarte, não havia nenhuma razão para colocar informação adicional no prospeto da operação, tendo em conta que a garantia estatal do Estado de Angola protegia os créditos do BES Angola e que mesmo que os problemas se materializassem, a garantia podia ser executada. Se fosse preciso elencar os créditos do BESA em dificuldade, isso obrigaria a elencar também outros créditos com outro tipo de garantias em qualquer prospeto de qualquer aumento de capital, argumentou o mandatário. “Cada crédito tem a sua história”, sentenciou.
Daniel Bento Alves, advogado de Rui Silveira (que voltou a estar presente na sala de julgamento), alinhou na mesma argumentação, dizendo que havia todas as certezas de que a garantia estatal imunizava o BES daqueles riscos, e que o próprio ministro das Finanças angolano tinha reafirmado que a execução da garantia poderia ser feita à primeira solicitação.
A CMVM e o Ministério Público não aceitam a argumentação e o procurador Paulo Vieira até tinha dito, na sua alegação, que a garantia estatal é vista pelos ex-gestores como um “OMO lava tudo”, fazendo referência ao lema de um antigo detergente, e que para eles nada mais seria preciso referir além dela. “Efetivamente, não transparece como deveria o efetivo quadro do que se passava no BESA”, defendeu.
Além da questão da garantia, frisou o advogado de Rui Silveira, houve uma entrevista de Ricardo Salgado ao Jornal de Negócios em maio de 2014 que admitiu que havia problemas no BES Angola, e que enquanto decorria o aumento de capital, em junho, saiu a notícia do Expresso relatando créditos a que o BESA tinha perdido o rasto – temas sobre os quais a CMVM não exigiu adendas ao prospeto.
Essa argumentação foi também usada pela defesa do antigo administrador financeiro do BES, que a CMVM só no processo agora contestado no tribunal pelos visados levanta dúvidas sobre o prospeto que autorizou em 2014. “A CMVM aprovou o prospeto, teve um papel proativo, até intrusivo”, opôs-se José Miguel Duarte, falando nas mais de 30 versões do prospeto que existiram. “A CMVM viu e reviu o fator de risco. E oito anos depois vem dizer que está genericamente escrito. Podia ter pedido informações nas diversas interações, nas diversas revisões do prospeto que fez”, frisou.
Para os dois mandatários, não houve qualquer dolo pelos dois antigos gestores, atuando com aquela que era a informação de que dispunham na informação, pelo que a absolvição é por eles defendida.
Os acionistas que investiram nas ações do BES nesta operação, que teve lugar entre maio e junho de 2014, e que as mantinham na sua posse a 3 de agosto desse ano, perderam o seu investimento, que ficou reduzido a zero com a resolução determinada pelo Banco de Portugal.
Amílcar Morais Pires foi alvo de uma coima de 600 mil euros, a segunda mais alta após Ricardo Salgado e o BES (1 milhão cada). As infrações apontadas passam pela violação, a título doloso, do dever de prestação de informação com qualidade no prospeto (em relação a financiamento do BES ao Grupo Espírito Santo e em relação à situação do BES Angola que levou à emissão da garantia estatal angolana), e pela violação do dever de requerer adenda ao prospeto.
Já Rui Silveira, que optou por estar presente na sala de julgamento, também foi condenado pela CMVM devido à alegada violação dos mesmos deveres, ainda que com alguns motivos diferentes – e é em relação a este antigo gestor com o pelouro do departamento jurídico que o Ministério Público acredita que pode haver uma diminuição da coima, fixada pela autoridade de supervisão em 400 mil euros.
O procurador da República Paulo Vieira solicita, em relação aos restantes gestores, um agravamento das coimas aplicadas, sendo que sugere a suspensão do seu pagamento a José Manuel Espírito Santo, devido à sua situação de saúde.
A CMVM pretende a manutenção das coimas por si definidas na fase administrativa.
Depois das últimas intervenções do procurador do Ministério Público e dos mandatários da CMVM, Morais Pires e Rui Silveira, esta sexta-feira realizam-se as alegações finais de outros ex-gestores: Ricardo Salgado (1 milhão de euros), José Manuel Espírito Santo (500 mil) e Joaquim Goes (300 mil). Só depois haverá uma sentença, que pode ser recorrível para tribunais superiores.
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