A digitalização do dinheiro, apesar de representar uma verdadeira mudança no setor financeiro, está a ser usada como slogan para promover investimentos especulativos, disse Fabio Panetta, membro do conselho executivo do Banco Central Europeu (BCE) e esta terça-feira, 28 de junho.
"A digitalização está a transformar o setor financeiro", reconheceu o responsável pelo projeto de moeda digital de banco central (central bank digital currency, ou CBDC, na sigla em inglês) do BCE no fórum do banco central, a decorrer em Sintra. Porém, "a digitalização é usada, em muitos casos, como uma ferramenta de marketing para promover investimentos especulativos", acrescentou, numa referência aos recentes acontecimentos no sistema das criptomoedas.
"As criptos prosperaram inicialmente graças ao medo de ficar para trás (fear of missing out, ou FOMO), apenas para afundarem depois", criticou. "As razões são agora claras", disse, classificando de "comportamentos de matilha" o que leva as pessoas a apostarem neste tipo de ativos digitais, o que os faz serem "propensos a bolhas".
"De acordo com inquéritos realizados junto de investidores em cripto, [estes] sabem muito pouco ou mesmo nada dos ativos que estão a comprar", disse.
E mencionou o colapso de stablecoins - criptomoedas que mantêm a paridade com o valor de ativos tangíveis, como o dólar ou a libra esterlina - dos últimos tempos, que perderam a capacidade de manter a indexação e perderam o valor. Algumas desapareceram, disse, "literalmente desapareceram, e em alguns casos literalmente porque o fundador desapareceu com o dinheiro", ironizou.
Tudo isto foi uma "wake up call" para os guardiões do dinheiro fiduciário, "tornando-se claro na comunidade de bancos centrais que se não satisfazemos a procura por inovação digital, outros irão fazê-lo. E se não fornecermos uma âncora do setor público nos pagamentos digitais podemos acabar por ter volatilide, instabilidade, e confusão sobre o que é e não é dinheiro digital", disse.
Segundo Pannetta, referindo-se a um estudo do BIS, 105 bancos centrais, equivalentes a 95% do produto interno bruto global, estão a estudar a criação de CBDC.
Os CBDC, por isso, têm de ser uma resposta ao "declínio do [uso do] dinheiro vivo", que "está a acelerar de forma não linear", e ao "aumento em pagamentos digitais" nas sociedades contemporâneas.
O euro digital, atualmente em estudo, "assegura que o dinheiro publico de banco central continua a estar disponível de forma abrangente na era digital, mantendo o seu valor como âncora do sistema de pagamentos", disse. E para que funcionem têm de "responder às necessidades das pessoas nas suas vidas diárias".
Porém, não podem eliminar intermediários e prejudicar o negócio de um dos elos mais importantes da finança: os bancos. As moedas digitais "têm de ser desenhadas (...) de forma em que preserve o papel crucial da intermediação financeira e estimule a inovação privada", disse Pannetta.
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