O Banco de Portugal acredita que eventuais problemas que possam acontecer nas criptomoedas podem vir a ter efeitos na banca. E não só; também o sistema financeiro tradicional como um todo pode ser afetado.
Há uma tendência que está em curso no mundo das finanças descentralizadas: a interligação com o sistema financeiro tradicional está a aumentar.
A autoridade bancária liderada por Mário Centeno nota essa aproximação, e acredita que, embora o volume global em criptoativos seja ainda limitado, se este crescer a um ritmo acelerado, haverá riscos para a estabilidade financeira.
No relatório de estabilidade financeira que apresentou esta sexta-feira, 24 de junho, o supervisor assume que “é possível que potenciais problemas no mercado de DeFi [finanças descentralizadas], uma vez atingido um determinado volume, possam repercutir-se nos mercados financeiros tradicionais”.
O primeiro ponto de ligação passa pelas stablecoins, que são criptoativos que têm subjacente a ligação a moeda fiduciária (o dólar é aquele que mais peso tem), ou a matérias-primas como o ouro.
“Embora as stablecoins sejam atualmente a maior preocupação neste domínio, uma vez que atuam como uma ponte entre os dois sistemas, estão a surgir outros canais de interligação”, aponta o relatório. Canais que podem vir tanto do lado de investidores institucionais, como de clientes particulares da banca.
Institucionais e particulares podem afetar
Por um lado, “algumas partes do sector tradicional de gestão de ativos (por exemplo, hedge funds, gestores de ativos e family offices) começaram a investir em criptoativos e a utilizar protocolos de DeFi. Existem atualmente protocolos de DeFi especificamente criados para investidores institucionais”, de acordo com o Banco de Portugal. Também há entidades que ainda não investem diretamente, mas que já fazem aplicações e ETF associados a criptoativos.
Por outro lado, a autoridade bancária acredita que o crescimento do volume aplicado em criptoativos poderá ter impacto no próprio negócio bancário tradicional, mais propriamente no crédito concedido.
“Os bancos utilizam depósitos para conseguir conceder empréstimos às empresas. Se um cada vez maior nível de fundos for colocado em DeFi em vez de depósitos bancários, tal pode conduzir a uma redução significativa dos empréstimos bancários e ao seu encarecimento, colocando em risco a função fulcral dos bancos na intermediação financeira”, sintetiza o documento.
Esta é a visão de uma das fontes de poder da banca tradicional (não haver bancos centrais que controlem o sistema é uma das características do sistema de criptoativos), que tem vindo a apontar para a volatilidade elevada do sistema, mas também para a falta de proteção para quem investe (já que são aplicações sem fundos de garantia e que permitem “a todos os investidores alcançar níveis muito elevados de alavancagem, independentemente do seu nível de sofisticação financeira”).
Pontos positivos
Mesmo assim, a autoridade monetária acredita que há aspetos positivos a resultar destes criptoativos e das plataformas descentralizadas, mesmo também pelo que podem trazer de bom para o sistema bancário tradicional.
“Poderá tornar a intermediação financeira mais rápida e eficiente, uma vez que, por exemplo, os contratos de empréstimo são realizados automaticamente e sem necessidade de um intermediário centralizado”, sublinha o supervisor da banca, acrescentando que “tal levará a uma diminuição dos custos para os participantes nos mercados financeiros”.
Além disso, “algumas das inovações tecnológicas com origem no conceito de DeFi poderão também ser utilizadas por intermediários financeiros tradicionais, estimulando, assim, a concorrência”, bem como a inovação no sector financeiro.
Este é um potencial problema para a estabilidade financeira identificado no relatório em que o Banco de Portugal sublinha que são seis grandes riscos aqueles que estão pela frente da economia portuguesa, desde a descida do preço das casas à perda de rendimento das famílias.