Mas, entretanto, enquanto não aparecem mais "Glórias" - a primeira produção original da Netflix em Portugal - vai crescendo o número de produções internacionais a escolherem Portugal para rodar. Uma grande mudança em pouco tempo. "Há 5, 6 anos não estávamos sequer na equação", disse Manuel Claro, Portugal Film Commission (PFC), ao Expresso.
Um dos casos mais falados recentemente foi a escolha de Monsanto, aldeia histórica em Idanha-a-Nova, para a rodagem da prequela da "Guerra dos Tronos", a "House of the Dragon".
Num ambiente do mais estrito secretismo (algo que não difere de plataforma a plataforma, já que o Expresso esbarrou com o silêncio quando indagou sobre os projetos nacionais atualmente na calha), os grandes estúdios vão escolhendo Portugal para as suas produções, atraídos por um programa de cash rebate, que devolve até 30% das despesas elegíveis (e até 35% nas despesas das remunerações dos responsáveis criativos, como por exemplo realização e argumento) das produções que escolherem Portugal para cá rodar. Cada projeto poderá receber até 4 milhões de euros (um limite que pode ser reavaliado) e a despesa mínima tem de ser 500 mil euros, no caso de ficção, e de 250 mil euros, no caso de documentários.
O programa junta o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), que analisa as candidaturas, e o Turismo de Portugal, que gere o fundo de 50 milhões de euros. Criado no final de 2018 por decreto do Governo, o programa teve um impulso, em junho de 2019, com a fundação da PFC, a entidade responsável por promover nos mercados internacionais o português cash-rebate. A iniciativa foi renovada pelo Governo por mais 3 anos e estará em vigor até 2023.
Além da percentagem de 30%, considerada "competitiva" pela PFC (mas ainda assim aquém de incentivos como os de França e da Roménia, que podem chegar aos 40%), conta com a vantagem de ser paga previamente, à cabeça, em prestações. As candidaturas, que têm um prazo de resposta de 20 dias úteis, têm visto os prazos razoavelmente cumpridos, e os pagamentos das prestações têm sido céleres, segundo fontes do setor ouvidas pelo Expresso.
O secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, lembra que o programa cash rebate foi prolongado até 2023 e acrescenta: " Não me passa pela cabeça que não seja prolongado para lá dessa data, tornou-se um elemento essencial para atrair produtores para Portugal. Temos um dos melhores sistemas de cash rebate da Europa com alguns dos maiores operadores mundiais interessados em vir cá, já está a haver muitos contactos e filmagens cá. Por cada euro que o Governo mete de incentivos, multiplica por 4 em impostos pagos, na contratação de serviços, na hotelaria e na restauração”.
Impacto de milhões
Manuel Claro, comissário da PFC, diz ao Expresso que o primeiro ano completo da nova entidade foi evidentemente impactado pela pandemia do covid-19, que impediu a promoção do programa nos mercados internacionais.
"A atividade foi muito afetada principalmente no que diz respeito à promoção", reconhece o comissário, com o adiamento ou cancelamento dos eventos internacionais do setor e com a queda de grande parte do plano de atividades.
Contudo, o ritmo de candidaturas não abrandou no pior ano da pandemia e as solicitações continuaram a cair na caixa de correio eletrónico da PFC. "Portugal está no radar dos grandes produtores e temos tido muita procura mesmo durante a pandemia, que obviamente atrasou muito as coisas", resume. "Há 5, 6 anos não estávamos sequer na equação".
No total, de 2018 a novembro de 2021, a PFC recebeu 141 candidaturas, segundo dados fornecidos pelo ICA ao Expresso. Em 2020, receberam as mesmas candidaturas de 2019: 31 pedidos. E até novembro deste ano quase duplicaram as candidaturas do ano passado, tendo recebido 61 pedidos. Das 141 propostas, as candidaturas aprovadas foram 122, dentre as quais 28 em 2020 e 52 este ano.
Foram, até agora, concluídas 60 produções em Portugal apoiadas pelo programa. Em média, cada produção recebeu 293 mil euros, tendo o valor mínimo atribuído sido de 72,6 mil euros, e o máximo, de 1,94 milhões de euros. À data, o Fundo já devolveu 54,8 milhões de euros a produções internacionais, com um impacto direto de 139,51 milhões de euros na economia portuguesa, de acordo com os dados do ICA calculado a partir das despesas elegíveis.
Manuel Claro arrisca dizer que "não é desmedido" considerar que o impacto direto, entre despesas elegíveis e não-elegíveis, respeita "a regra do 1 para 4: a cada euro investido pelo Estado, há um investimento da economia de 4 euros", um rácio que considera "realista"- que significa que este programa poderá ter gerado, até agora, mais de 220 milhões de euros em riqueza no País, .
E, além disso, há o potencial turístico de usar Portugal como cenário. "O impacto indireto no turismo", diz, "é um impacto difícil de medir", mas antecipa "que algumas dessas produções, depois de estrearem, possam trazer turistas" ao país, como talvez depois da "House of the Dragon" Monsanto receba ondas de turistas à procura dos exóticos décors.