

A Repsol vai construir duas novas fábricas no complexo industrial que tem em Sines, num investimento de 657 milhões de euros que ficou fechado a semana passada. Contudo, além desta quantia, que já representa o maior investimento em indústria que se fez em Portugal numa década, a empresa espanhola ainda tem planos para investir na descarbonização do complexo, o que deverá exigir entre dezenas a centenas de milhões de euros.
Até 80 milhões de euros adicionais são praticamente certos. A Repsol quer instalar 50 megawatts de painéis fotovoltaicos para alimentar o complexo, que custarão entre 30 a 40 milhões de euros, e deverão ser realidade entre 2023 e 2024, conta ao Expresso o presidente executivo (CEO) da Repsol, Josu Jon Imaz.
Haverá um processo de eletrificação gradual a partir de 2024, que irá terminar em 2030, e que passa por substituir turbinas de vapor por motores elétricos, por exemplo, num investimento equivalente ao dos painéis solares, entre 30 a 40 milhões.
Além disto, a partir de 2026, a Repsol pode passar a aproveitar resíduos urbanos para alimentar a produção no complexo, algo que está a ser estudado de momento na unidade de Tarragona, em Espanha. Lá, o projeto custou 350 milhões de euros, e avançou com sócios. Cá, a realizar-se, o investimento vai ser o correspondente ao da participação da Repsol. Em Espanha, a empresa investiu 125 milhões de euros.
Existem ainda dois projetos, estes não orçamentados, para tornar o complexo de Sines mais amigo do ambiente. A Repsol tem como objetivo a produção de materiais poliméricos a partir de reciclagem por pirólise de 10% da sua produção em 2025 e de 20% em 2030. Sines contribuirá para esse objetivo a partir de 2025. Mais tarde, de 2030 em diante, a empresa conta que já estejam disponíveis tecnologias de captura de dióxido de carbono (CO2) e conta também implementá-las, de forma a atingir a neutralidade carbónica na produção de oleofinas.
Estes planos de tornar o complexo mais “verde” também estão patentes na génese das duas novas fábricas que estão prestes a nascer em Sines. As tecnologias nelas presentes são as primeiras do seu género a serem instaladas na Península Ibérica, garantindo a máxima eficiência energética, assegura a Repsol. Os novos produtos são 100% recicláveis e podem ser utilizados para aplicações altamente especializadas, promovendo a transição energética nas indústrias farmacêutica, automóvel ou alimentar.
O novo projeto de investimento foi concebido para acompanhar os objetivos da Repsol de ser uma empresa com zero emissões líquidas de dióxido de carbono até 2050.
Hidrogénio quase a chegar a Sines
Além dos vários projetos já mencionados, a Repsol anunciou a semana passada a intenção de explorar as oportunidades para o hidrogénio verde em conjunto com a EDP Renováveis em toda a Península Ibérica. Uma das localizações em estudo é Sines, e o CEO da Repsol mostra-se confiante de que vai avançar em breve.
“Sines, nos próximos 3 a 4 anos, vai ter produção de hidrogénio, com uma certeza quase total”, afirma o CEO da Repsol em declarações ao Expresso. Entretanto, “temos de fazer o possível para que (o hidrogénio verde) seja rentável”, indica Imaz, sem querer adiantar mais detalhes sobre os planos ou montantes envolvidos.
Este projeto insere-se no objetivo da empresa, a nível internacional, de possuir uma capacidade equivalente a 552 megawatts (MW) até 2025 e de 1,9 gigawatts (GW) até 2030.
Investir no petroquímico em plena transição verde
Numa altura em que a transição verde é tida como uma das grandes linhas orientadoras da política nacional e internacional, surge a questão: como se enquadra nesse contexto o investimento no setor petroquímico, de elevadas emissões?
Além de apontar os investimentos em tornar o complexo mais verde, Josu Jon Imaz afirma que este investimento encaixa no novo paradigma: “A transição energética precisa de mais materiais poliméricos. Porquê? Os carros têm de reduzir o peso, os aviões também (para um menor consumo de energia na mobilidade), precisamos de uma melhor conservação dos alimentos, necessitamos de melhorar o embalamento…”.
Tudo áreas em que o plástico pode ajudar, e às quais se junta a possibilidade de melhorar o isolamento de casas e edifícios. “É também o futuro do petróleo. O futuro não será queimá-lo, daqui a 30 ou 40 anos”, defende.
Em paralelo, o CEO da Repsol sublinha que “a indústria é necessária para termos sociedades avançadas, para termos classes médias com bons empregos”, e que é ainda responsável por fornecer materiais para outros setores essenciais, dando o exemplo dos produtos farmacêuticos para os quais os plásticos são utilizados.
Portugal conquista pelo porto e ambiente
A escolha de fazer um investimento de 657 milhões de euros em Portugal teve essencialmente duas motivações. Em primeiro lugar, do ponto de vista do negócio, era o que fazia sentido, “para ter uma alternativa sempre aberta” em relação ao complexo de Tarragona, o único na Península Ibérica que tem porto, além de Sines. Depois, do ponto de vista de integração da produção, também era lógico acrescentar as duas novas unidades.
Mas, em segundo lugar, o CEO da Repsol ressalta o “ambiente favorável” por parte das administrações e da sociedade portuguesa. Confrontado com a possibilidade de o incentivo fiscal de 63 milhões ter sido decisivo, Imaz afirma que “ajuda”, mas que para uma empresa da dimensão da Repsol não é o fator “fundamental”.
Preços do gás e eletricidade preocupam. Mas há soluções
Josu Jon Imaz reconhece que os preços do gás e da eletricidade, que têm vindo a disparar um pouco por todo o mundo, “impactam negativamente na comunidade industrial”, da qual a Repsol faz parte, pelo que olha para estes desenvolvimentos com preocupação. “Não necessitamos só de uma transição energética. Necessitamos de uma transição energética justa”, defende.
Na ótica de Imaz, “vamos precisar de petróleo e gás por muitos anos”, mas as políticas têm prejudicado o financiamento destes negócios. “Temos de ver como reduzir o impacto do dióxido de carbono (CO2) destes produtos, mas não podemos prescindir deles, porque vamos impactar negativamente os consumidores e a competitividade da indústria", avalia.
Neste sentido, a solução que o CEO da Repsol vê como mais imediata é a redução dos preços do CO2, através da emissão de mais direitos. O mesmo assinala uma possível perda de competitividade das empresas europeias em relação às estrangeiras, o que pode levar à exportação de indústria e emprego, ou a que os produtos sejam importados de outras localizações eventualmente menos eficientes e portanto mais prejudiciais ambientalmente. “A palavra rápida (associada à transição energética) tem um risco. Se não tomarmos as decisões adequadas, pode ser uma transição pior. Com mais emissões de CO2”, alerta Imaz.
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