“A fuga tem responsáveis diretos no sistema judicial. A democracia exige que sejam identificados e investigados até às últimas consequências”. A afirmação foi de Mariana Mortágua, na declaração política que o Bloco de Esquerda escolheu para esta quarta-feira, 29 de setembro, depois de saber-se que João Rendeiro, fundador do falido Banco Privado Português (BPP), fugiu para o estrangeiro para não ir para a prisão, estando agora em parte incerta.
A ideia de que era preciso apurar responsabilidades foi partilhada entre os partidos que falaram sobre o tema. Mas Mariana Mortágua apontou já um conjunto de culpados: os advogados e consultores que permitiram a fuga aos impostos, através de paraísos fiscais, bem como o sistema financeiro que o permite fazer de maneira legal.
“O sistema insiste em provar que a impunidade é um privilégio que o dinheiro e o poder podem mesmo comprar. Pouco ou quase nada se fala da verdadeira causa das coisas”, declarou a deputada bloquista. “Neste jogo viciado, quando se segue o percurso de um euro, atravessa-se sempre um emaranhado de contas offshore”, disse.
Um “labirinto cuidadosamente” criado por advogados e consultores, disse, apontando a deputados e a comentadores televisivos, e mencionando especificamente José Miguel Júdice, antigo advogado de Rendeiro.
O fundador do BPP foi já condenado a penas de prisão em três processos, sendo que só num deles a decisão já não é passível de recurso. Só que num dos outros processos em que houve condenação em primeira instância, a justiça preparava-se para agravar a medida de coação (então apenas termo de identidade e residência). Porém, aí já Rendeiro estava no Reino Unido e, agora, encontra-se mesmo em parte incerta, quando já há mandado de detenção para cumprimento da medida de coação.
"Pesada derrota"
“A fuga de João Rendeiro é uma pesada derrota para o sistema judicial, políticos e decisores dos autos em concreto”, atacou a deputada social-democrata e também advogada Mónica Quintela. Este caso dá “a ideia de total impunidade dos ricos e poderosos e alimenta os populismos”, defendendo que uma “justiça que é parada não é uma justiça para os que estão inocentes, nem para os culpados”.
O PSD pede uma mudança estrutural na justiça (“as estruturas transitaram quase incólumes desde o Estado Novo”), e o PS, por Constança Urbano de Sousa, respondeu que a Assembleia não recebeu ainda dos social-democratas “nenhuma proposta em concreto, a não ser a mudança da sede do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo para Coimbra”.
Porém, a deputada socialista acredita que não seria uma reforma na justiça que iria impedir que Rendeiro fugisse à justiça. “Há responsabilidades a apurar e essas responsabilidades têm de ser apuradas”, disse, ainda que sem concretizar a quais se referia.
"Um vexame"
É essa a resposta que o comunista António Filipe quer: "Quem é que não está a cumprir o seu dever para que coisas destas aconteçam em Portugal?" No lado do legislador, ainda que acreditando que não é o que está em causa neste tema, António Filipe sublinhou que há um caminho a fazer, mas adiantou que há sobretudo um problema na aplicação da justiça. “Se o Sr. Rendeiro conseguir fugir à justiça em Portugal, é um vexame”.
Em linha esteve José Luís Ferreira, de Os Verdes, que considerou que este tema tem de ser debatido pelo Parlamento – mesmo que seja sobre o poder judicial e haja separação de poderes – porque “uma justiça demorada não é justiça, mas tem relevância política”, porque casos como este “fragilizam a ideia de justiça aos olhos dos cidadãos”.
Quatro partidos em silêncio
Estas foram as respostas destes partidos à declaração política do Bloco de Esquerda escolhida para este debate (ainda que com atraso, por parte do PS), mas nem todos falaram sobre o assunto Rendeiro.
Por esse motivo, Mariana Mortágua aproveitou para disparar à direita e à extrema-direita, apontando para o facto de nem Chega, nem CDS, nem Iniciativa Liberal se pronunciarem sobre o caso, ainda que estivessem no hemiciclo (também o PAN não respondeu à declaração política da bloquista).
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt