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Fact-checking. Quão acertadas são as acusações de António Costa sobre o fecho da refinaria da Galp?

Fact-checking. Quão acertadas são as acusações de António Costa sobre o fecho da refinaria da Galp?
José Fernandes

António Costa fez este domingo afirmações contundentes sobre a atuação da Galp Energia no encerramento da refinaria de Matosinhos. A decisão foi anunciada há nove meses, tempo suficiente para fazer nascer incertezas em muitos trabalhadores e para a definição do futuro de outros. Para lá dos adjetivos, sobram os factos - que são estes

Fact-checking. Quão acertadas são as acusações de António Costa sobre o fecho da refinaria da Galp?

Miguel Prado

Editor de Economia

"Não tenho nenhum medo em dizer: o processo da Galp em Matosinhos é um exemplo de tudo o que não deve ser feito por uma empresa que seja responsável", atirou António Costa no domingo. "Era difícil imaginar tanto disparate, asneira, irresponsabilidade, falta de solidariedade como aquela de que a Galp deu provas em Matosinhos", acrescentou o secretário-geral do PS. E concretizou as suas críticas, que aqui verificamos e enquadramos.

Insensibilidade a cinco dias do Natal?

“A Galp começou por revelar total insensibilidade social ao escolher o dia 20 de dezembro, a cinco dias do Natal, para anunciar aos seus 1.600 trabalhadores que iria encerrar a refinaria de Matosinhos”

António Costa

Em rigor, a Galp comunicou aos trabalhadores e ao mercado de capitais a decisão de encerramento de Matosinhos na manhã de 21 de dezembro (quatro dias antes do Natal). O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, foi informado previamente, na sexta-feira anterior ao anúncio (18 de dezembro), através de “um telefonema de cortesia” da administração da Galp.

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Galp atuou ao contrário da EDP?

“A Galp revelou total irresponsabilidade social porque, ao contrário do que estão a fazer as empresas que estão agora a encerrar as suas centrais a carvão, não preparou minimamente a requalificação e as novas oportunidades de trabalho e de prosseguir a vida ativa para os trabalhadores que iriam perder os seus postos de trabalho”

António Costa

A afirmação é discutível porque o encerramento da central a carvão da EDP em Sines (antecipado pela menor competitividade da central, em parte devido ao fim da isenção de ISP decretado pelo Governo) foi igualmente pautado por elevadas incertezas sobre o futuro dos cerca de 500 trabalhadores ligados a essa termoelétrica (que fechou em janeiro).

A EDP tratou de cerca de uma centena de empregos diretos seus em Sines, com um misto de recolocações dentro do grupo EDP e reformas antecipadas, mas deixou nas mãos das empresas subcontratadas o destino de cerca de 400 trabalhadores também dependentes da central. Parte desses empregados indiretos alegava em janeiro que o IEFP e a Segurança Social desconheciam planos para dar formação a esses trabalhadores indiretos na área do hidrogénio, como tinha sido antes anunciado pelo ministro do Ambiente.

No que concerne à Galp, em janeiro deste ano a empresa anunciou que iria manter conversas individuais com cada um dos 401 trabalhadores da refinaria para procurar soluções caso a caso.

Desse trabalho resultou até ao momento um acordo para 40% dos trabalhadores da refinaria, ou seja, 160, dos quais uma centena continuarão a trabalhar na Galp, seja no parque de combustíveis de Matosinhos, seja noutras funções no grupo (o que indicia que cerca de 60 saem com rescisões amigáveis ou reformas antecipadas). Há ainda perto de 140 trabalhadores que serão alvo de despedimento coletivo. Os restantes (perto de uma centena) continuarão em Matosinhos no processo de desmantelamento (até início de 2024), sendo incerto o seu futuro.

Em julho deste ano a Galp indicou ainda ter constituído um grupo de trabalho para estudar potenciais soluções futuras para os terrenos da refinaria, mas até ao momento esse grupo não produziu resultados.

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Galp dialogou previamente com o Estado?

“Não revelou a menor exigência de responsabilidade que qualquer empresa, em particular daquela dimensão, para com o território em que está instalada, onde deixa um enorme passivo ambiental de solos contaminados, não dialogando previamente com a Câmara nem com o Estado sobre o que pretende fazer depois de encerrar a refinaria em Matosinhos”

António Costa

Em janeiro de 2021, no Parlamento, o administrador da Galp José Carlos Silva afirmou, sobre a ideia de ter havido articulação com o Governo na decisão de encerrar a refinaria em Matosinhos e nos projetos que possam existir para aquele local, que não houve contactos prévios: “Se me perguntam qual o grau de articulação, eu respondo da forma mais clara possível: zero, nenhum”, declarou o administrador da Galp.

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O Fundo para a Transição Justa servirá para Matosinhos?

“Temos de trabalhar com o município de Matosinhos para garantir que aquele território que ali fica disponibilizado não é utilizado como a Galp lhe der na real gana, mas vai ser utilizado para desenvolver a economia e para o progresso do território de Matosinhos, porque é isso que o Fundo para a Transição Justa visa”

António Costa

O Fundo para uma Transição Justa (FTJ) é um instrumento financeiro comunitário no âmbito da política de coesão e que visa prestar apoio aos territórios que enfrentam graves desafios socioeconómicos decorrentes do processo de transição para uma economia com impacto neutro no clima.

Em janeiro, o ministro do Ambiente avisou que o Governo não permitiria que o FTJ viesse a servir para pagar as despesas com os postos de trabalho a extinguir em Matosinhos, uma vez que a principal motivação da empresa no fecho da refinaria não seria a transição energética, mas sim “não ter clientes para ter duas refinarias”.

É ainda uma incógnita a utilização que será feita do FTJ em Matosinhos. A resposta dependerá, em grande medida, da capacidade de articulação entre a Câmara de Matosinhos e a Galp, através do grupo de trabalho para estudar o futuro da refinaria. Em causa estão 290 hectares que são propriedade da petrolífera mas que apenas podem ser usados para uso industrial, segundo o Plano Diretor Municipal.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mprado@expresso.impresa.pt

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