O contrato de concessão da RTP está a ser revisto. O que é que deseja para a empresa?
A intervenção do governo na RTP, tirando a parte financeira, limita-se a um nível recuado que é aquele em que estamos a trabalhar agora, o contrato de concessão. Desde 2014 está em vigor o modelo do Conselho Geral Independente (CGI) e da estabilização do financiamento da RTP através da contribuição audiovisual, nós respeitamos esse modelo e estamos a trabalhar de acordo com ele. Esse modelo contribui quer a nível financeiro quer a nível da governança para uma estabilização da RTP.
É um modelo que funciona e que não carece a alteração?
Curiosamente o modelo foi aprovado num governo do PSD e parece-nos que, sendo um modelo recente, precisa de tempo para se consolidar mas sobretudo mais que não fosse outra coisa, trouxe a separação entre o governo e a RTP, o facto de ter mudado o governo e isso não ter trazido alterações à RTP já é em si um facto benéfico, o facto de a contribuição audiovisual ter estabilizado o financiamento da RTP, tê-lo tornado previsível, é outro aspeto benéfico. Mas podemos discutir se o financiamento é suficiente ou não. Comparando com outros países europeus, em que os serviços públicos são financiados quatro a cinco vezes mais do que a RTP, é evidente que o financiamento é baixo. A RTP é das empresas públicas aquela que mais tem a ver com a identidade, a cultura, com os portugueses, é uma peça absolutamente essencial na vida portuguesa. Este lado de serviço público ganhou força nos últimos anos. A importância da RTP passa por ser um território comum onde as diversidades se devem encontrar. E o conceito de independência está bem defendido pela forma como a RTP está organizada, CGI, conselho de opinião, os vários órgãos que tutelam a RTP. Mas, como em qualquer modelo, há muito para trabalhar e para aperfeiçoar.
O que é que defende que o contrato de concessão traga de novo à RTP?
Primeiro que tudo - e nós fomos justamente contestados por causa disso -, não há plano para o futuro da RTP sem haver um aumento do financiamento. Estamos a sair da crise pandémica e a caminhar agora sim para um relançamento da economia, só agora é que podemos pensar também nesse investimento na RTP.
A administração já veio pedir mais dinheiro para a empresa, é também o que defende?
Absolutamente. Não tenho qualquer dúvida de que só é possível que a RTP cumpra plenamente o que está no contrato de concessão se houver um reforço do financiamento. O contrato de concessão pressupõe que a RTP cada vez se posicione menos como concorrência aos privados e cada vez mais como uma empresa de media, rádio, televisão e serviços em linha, que ofereça aquilo que o mercado não oferece e que sirva todas as minorias, toda a diversidade que não é contemplada nas lógicas mais comerciais. Esse é claramente o foco.
Ou seja, que se torne menos comercial. Mas isso implica uma redução de receitas.
Desejavelmente a RTP deveria caminhar para libertar as receitas comerciais em publicidade para o sector privado que precisa delas mais do que nunca, mas também não podemos tirar à RTP fontes de rendimento enquanto não garantirmos o reforço do financiamento. Isto tudo tem de ser feito com grande equilíbrio. Onde julgo que desde logo se vai atuar é nas chamadas de valor acrescentado, os IVR, coisas como por exemplo as televendas, esses modos comerciais mais explícitos e agressivos. Julgo que não fará sentido daqui para a frente tê-los no serviço público. O resto estamos ainda a ver. Por outro lado, pensando que o financiamento da RTP vem sobretudo da contribuição audiovisual também temos de ter uma enorme prudência e contenção quando queremos mexer nessa forma de financiamento. É isto tudo que estamos a equacionar, o que queremos trabalhar no contrato de concessão é a diversidade de conteúdos mas também de meios, se houve um tempo em que o essencial na RTP eram os canais e havia um desequilíbrio entre a RTP1, que era tudo, e os outros canais, que eram quase só arredores, satélites da RTP1, hoje em dia não, eu diria que neste momento o principal valor da RTP até está nas duas plataformas. Uma delas, a RTP Arquivos, é de facto um tesouro nacional gerido pela RTP, rádio e televisão, que é a joia maior da RTP.
Pode ser explorada comercialmente?
Nós defendemos que não. Quando estive na RTP foi esse o princípio: dar a qualquer cidadão a possibilidade de aceder ao arquivo da RTP. Quando se pretende usar o arquivo para fins de estudo ou comerciais, aí é pago, mas o streaming, o visionamento, tem de ser de borla. A outra plataforma, que é a grande mais-valia da RTP, é a RTP Play. A força de uma plataforma que tem o conteúdo de todos os canais de rádio e de televisão é enorme. Aí está um novo enquadramento para o contrato de concessão: posiciona os diferentes canais como elementos de fluxo e de programação e valoriza as duas grandes plataformas de streaming. Esta é a nova conceção da RTP que vai sair espelhada no contrato de concessão.
Quando é que teremos a versão definitiva do contrato de concessão?
Espero no limite até novembro. Reunidos todos os contributos na consulta pública, estamos agora a trabalhar neles. Há depois a questão fundamental, que é a financeira, que terá de ser trabalhada no âmbito do Orçamento do Estado para 2022 e projetada para os anos seguintes. A conclusão do contrato de concessão vai ter a ver com o fecho do Orçamento. Por alturas da aprovação do Orçamento gostaríamos também de ter aprovado o contrato de concessão, que tem de ser assinado pela administração.
Antevê grandes alterações entre a versão inicial do contrato revisto e a versão final atendendo às questões levantadas na consulta pública?
Não. Há alguns contributos que achamos pertinentes, por exemplo vamos manter a publicidade nos Açores e na Madeira porque isso tem a ver com lógicas regionais, com a necessidade de os anunciantes locais poderem ter espaço para anunciar. Mas no essencial julgo que a proposta final não vai diferir muito da proposta inicial. Algumas coisas que estavam previstas como possibilidade, como a criação de novos canais, como o Canal do Conhecimento, só fazem sentido se houver financiamento. Não nos passa pela cabeça abrir novos canais sem haver a garantia de que há financiamento para eles, isso seria um mau princípio mas quando se colocam esses canais no contrato de concessão é como uma possibilidade. No contrato de concessão atual estão lá previstos canais como o Canal de Música e o próprio Canal do Conhecimento também é referido. Cabe depois aos conselhos de administração, de acordo com a sua estratégia e com a disponibilidade financeira, decidirem ou não concretizar. O contrato de concessão é sobretudo um mapa de possibilidades, o entendimento do que deve ser para os próximos anos o serviço público que a estação tem de prestar.
O contrato revisto fala de um canal do conhecimento e do reforço dos conteúdos infantis.
A lógica de ter um eventual canal de conhecimento é porque na altura em que se põe em causa a ciência e em que há, mais do que nunca, contrainformação e a desinformação ganha terreno, cabe ao serviço público responder a isso com a ciência. Quanto aos conteúdos infantis, os portugueses que vivem fora de Portugal referem muitas vezes a importância que tem os filhos continuarem a ter acesso a programas falados em português para manterem uma ligação à língua, acho que é uma questão absolutamente estratégica para a RTP. Isso deve estar previsto no contrato de concessão. Caso haja financiamento para isso faz sentido haver um reforço da programação infantil e eventualmente um canal infantil.
E a distribuição de mais dois canais na televisão digital terrestre (TDT), a RTP África e o tal Canal do Conhecimento?
Há uma decisão do conselho de ministros que atribui o espaço restante da TDT a mais dois canais da RTP, a razão essencial é porque não há propostas comerciais e por isso ocupa-se o espaço com dois canais da RTP que são não concorrenciais com os privados. Um é a RTP África que em sinal aberto pode chegar a pessoas que muitas vezes não têm dinheiro para as assinaturas do cabo e o outro poderia ser o do Conhecimento. A RTP África não é só um canal para os países africanos de expressão portuguesa mas é um canal para as comunidades afrodescendentes em Portugal e para toda a gente, a programação musical na RTP África é muito rica e diversificada. É importante do ponto de vista da coesão e da justiça social que seja em sinal aberto. É simplesmente uma questão de transpor para a TDT. O contrato com a Altice é válido até ao fim de 2023 e é importante em tempo útil começar a pensar em possíveis alternativas a este contrato. O custo da TDT é significativo, atendendo a que são 1,9 milhões de euros por canal, se à RTP1, 2, 3 e Memória se juntassem mais dois, só em TDT a RTP gastaria mais de 11,4 milhões de euros por ano.
Que alternativa poderá haver?
Juntamente com a Secretaria de Estado das Comunicações criámos um grupo de trabalho que está a ouvir toda a gente. Temos de pensar se faz sentido manter para lá de 2023 o atual modelo numa altura em que vai haver Internet para toda a gente, o 5G [quinta geração de comunicações], com tudo o que aí vem, fará sentido manter a TDT na mesma lógica? Parece-nos que os portugueses não têm de pagar duas vezes pela RTP, se pagam a contribuição audiovisual, o conjunto de conteúdos da RTP tem de estar em sinal aberto. Sobretudo não podemos criar uma discriminação, os mais pobres têm de ter o mesmo acesso a todos dos canais que os menos pobres. Por isso é que os canais da RTP têm de estar em sinal aberto, é uma questão de coesão e justiça social, não é discutível, a forma de o fazer é que é discutível.
Se esses conteúdos ficarem todos disponíveis gratuitamente na Internet, ficam abertos à partida…
É preciso que haja apoios para as assinaturas da Internet, da mesma maneira que os arquivos da RTP estão disponíveis para qualquer miúdo que os queria ver, esteja na ilha do Corvo, em Trás-os-Montes, no Algarve ou em Lisboa, tudo tem de estar a acessível a toda a gente e não pode haver qualquer tipo de discriminação face à condição económica.
Passa então por subsidiar o acesso à Internet?
Tem de se encontrar soluções, é isso que o grupo de trabalho vai avaliar.
E como está a questão dos precários na RTP?
A grande operação do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) ficou resolvida e isso trouxe a integração de uma série de precários na RTP. O princípio é o mesmo do que para qualquer empresa: tudo o que configure trabalho precário que não deva ser precário tem de se integrado no quadro.
Há queixas de que esses casos ainda não estão todos resolvidos.
Da nossa parte está tudo resolvido, haverá ainda alguns casos pendentes do lado das Finanças que serão resolvidos em breve.