Economia

Nova coligação negativa. Relatório do inquérito ao Novo Banco aprovado pela oposição com voto contra do PS

Nova coligação negativa. Relatório do inquérito ao Novo Banco aprovado pela oposição com voto contra do PS
ANTONIO PEDRO FERREIRA

PS vota contra relatório que teve origem no documento elaborado por um dos seus deputados. O socialista Fernando Anastácio renunciou ao seu papel enquanto relator. Oposição juntou-se e fez aprovar relatório que fala em "fraude política" na resolução do BES e que coloca Governo de Costa como determinante na venda do Novo Banco

Nova coligação negativa. Relatório do inquérito ao Novo Banco aprovado pela oposição com voto contra do PS

Diogo Cavaleiro

Jornalista

Os sete deputados do Partido Socialista (PS) votaram contra o relatório da comissão de inquérito ao Novo Banco, mas não conseguiram impedir a sua aprovação. “O relatório ficou aprovado”, resumiu Fernando Negrão, o presidente da iniciativa parlamentar, no final das votações que tiveram lugar esta terça-feira, 27 de julho.

Os quatro deputados do PSD juntaram-se aos dois do Bloco de Esquerda, ao deputado do Partido Comunista Português (PCP) e ao deputado único da Iniciativa Liberal votando a favor. O CDS, com uma deputada, absteve-se.

Nesta votação, em que o PS viu a junção da oposição para a viabilização de um relatório com o qual discordava, até o deputado socialista que foi o relator do documento renunciou a essa função.

PS demorou uma hora a chegar à sala

O PS demorou a chegar à Sala do Senado, no Parlamento – a reunião estava agendada para as 14h30, mas só começou uma hora depois – e veio com uma posição: o chumbo ao relatório da comissão de inquérito, que tinha origem no documento elaborado inicialmente pelo deputado socialista Fernando Anastácio.

O documento final é bastante diferente daquele que lhe serviu de versão inicial, já que ali foram incorporadas muitas das propostas de alteração feitas pelos partidos – os partidos da oposição tinham criticado a parcialidade do documento inicial, por ser de uma “narrativa socialista”, e por isso houve mais de uma centena de mudanças sugeridas, sendo que cerca de 90 acabaram aprovadas.

Desde logo foi colocado, com a aprovação de toda a oposição, uma maior responsabilização sobre o Governo de António Costa na venda do Novo Banco à Lone Star e na criação do mecanismo de capital contingente, que expôs o Fundo de Resolução a despesas adicionais de até 3,89 mil milhões de euros. Também foram incluídas, aí contra o PSD, referências à resolução do BES, em 2014, como “fraude política” por não revelar os encargos potenciais com a operação. Mas se esta última conclusão não levou o PSD a rejeitar o relatório, o mesmo não aconteceu com o PS.

Todos contra o PS

“O PS não pode acompanhar o relatório nesta forma. Se estas conclusões não tivessem sido aprovadas ou fossem retiradas das conclusões, certamente viabilizaria este relatório”, justificou João Paulo Correia, do PS, dizendo que foi um “delírio que uniu o BE a uma certa direita” que levou a “conclusões falsas” que não podem ser aceites pelos socialistas.

João Paulo Correia considerou que o relatório, alterado, “põe a responsabilidade toda no Governo do PS” na altura da venda, falando numa “intenção clara de ataque partidário”.

“Quem está com a costela partidária são vossas excelências”, respondeu Duarte Pacheco. “A sua objeção é única e exclusivamente ao capítulo três, à venda, àquilo que se falava da responsabilidade do governo do PS. A máscara caiu”, repetiu o deputado social-democrata.

“A conclusão mais dura que foi aprovada foi uma crítica ao Governo PSD e CDS, na qual o BE votou a favor, mas aparentemente o PS tem menos capacidade de encaixar críticas que alguns governos do passado”, acusou Mariana Mortágua, do BE, referindo-se à classificação de “fraude política” na resolução.

"Descobrem-se as verdades"

“Zangaram-se as comadres, descobrem-se as verdades”, brincou o comunista Duarte Alves. “Ficamos com um relatório que aponta responsabilidades tanto ao Governo PSD/CDS no governo da resolução como ao Governo PS no momento da privatização”, continuou. O relatório, disse o deputado do PCP, “reflete aquilo que era o motivo central daquilo que devia ser o relatório. Apura responsabilidades dos supervisores, da União Europeia, do Governo que decidiu a resolução fraudulenta e a privatização ruinosa para o país”. O documento deixa inúmeras críticas à Comissão Europeia, sobretudo a Direção-Geral da Concorrência, e o Banco Central Europeu, bem como à supervisão feita pelo Banco de Portugal ao Banco Espírito Santo e também ao seu acompanhamento aos primeiros anos de vida do Novo Banco.

Cecília Meireles referiu que não se revê em todas as conclusões e até disse que o documento final “conclui muito, não conclui tudo”. A deputada centrista absteve-se, não dando o voto favorável como os restantes partidos da oposição.

Nelson Silva, do PAN, considera que “este é um relatório que não tem qualquer espécie de partidarite”, como acusa João Paulo Correia, mas “tem sim uma responsabilização efetiva das partes que devem ser responsabilizadas”.

Já João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, aprovou o relatório, mas considera que há conclusões que não fazem sentido, como a relativa à fraude política, porque considera que dizê-lo “não é lícito nem é justo”.

Relator socialista renuncia

Com as alterações, Fernando Anastácio, do PS, renunciou à sua função enquanto relator do inquérito parlamentar, uma faculdade prevista no regime jurídico das comissões de inquérito. “Não me revejo na solução final que foi encontrada, obviamente que não assumo e não mantenho a condição de relator”, declarou o deputado socialista que foi o responsável pela versão inicial, que acabou modificada.

Por discordarem de várias das conclusões, e não se reverem no relatório final, os partidos anunciaram declarações de voto. Neste documento final também foram intensificadas as críticas à gestão feita por António Ramalho à frente do Novo Banco, pela forma como lidou com os grandes devedores (e aqui com Luís Filipe Vieira em destaque) e pela decisão de atribuição de prémios. Porém, foram as responsabilidades políticas atiradas aos governos que causaram a divisão entre os deputados.

Na primeira comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, que terminou em 2017, o relatório final, que tinha sido elaborado pelo socialista Carlos Pereira, acabou por não ser aprovado na totalidade, com chumbo a todas as conclusões e apenas recebendo luz verde um total de cinco recomendações – na altura, a ausência de dois deputados do PS conduziu a esse resultado. Dessa vez, houve relator, mas o relatório ficou dizimado. Agora, houve relatório, mas não relator.

(Notícia atualizada às 16h50 com mais informações)

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