Sem madeira, vidro e aço não há novas habitações

Falta de matérias-primas ameaça paralisar construção. A subida de preços também não ajuda
Falta de matérias-primas ameaça paralisar construção. A subida de preços também não ajuda
Falta madeira para a carpintaria, aço para as cofragens, vidro para as fachadas, painéis solares para as águas sanitárias. E o que está disponível, está a subir de preços. A escassez e a falta de stocks já estão a afetar o licenciamento de novas construções e a adiar trabalhos de acabamentos.
Um estrangulamento que surge quando muita da construção nova está em acabamentos e numa conjuntura de fundos comunitários com prazos curtos de execução, grandes projetos de reabilitação urbana e inúmeros projetos de obras públicas. Há ainda programas para a eficiência energética, as pequenas obras domésticas motivadas pela pandemia que obrigou os portugueses a ficarem em casa e a exigirem maior conforto. A construção não tem mãos a medir, mas falta matéria-prima, que é escassa e está cada vez mais cara.
Só na última semana de maio os preços dos materiais de construção cresceram 14%. O problema da escassez surge quando o sector vive o maior período de crescimento deste século e está a agitar o mercado dos materiais de construção.
Os indicadores de conjuntura da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas somam uma carteira de 24.900 novas casas, 17.300 das quais concluídas, já este ano. Em consequência disparou o consumo de cimento no mercado nacional. Só no primeiro trimestre as vendas de cimento cresceram 10,8%, apontam os industriais da construção civil. Março, com 385 mil toneladas, foi mesmo o melhor mês “dos últimos 10 anos”. Atualmente um metro cúbico (m3) de cimento ronda os €108. No aço o valor da tonelada, em varão, atinge já os €1120.
Porém, “aço e cimento representam apenas 20% dos consumos de uma obra”, diz José de Matos, da Associação dos Comerciantes de Materiais de Construção (ACMC). E nos outros 80% “estão os acabamentos e aí é que surgem os problemas”, com aumentos de 14% e, nalgumas matérias-primas de 35%.
Ricardo Fernandes, administrador de um dos principais grupos grossistas do sector aponta para aumentos de 200% no cobre, 40% no aço e uma duplicação no alumínio. E faltas de plásticos, alumínio e ferro, para tubos e janelas.
Outro problema reside nos eletrodomésticos e nas madeiras. Na madeira serrada o mercado de futuros aponta para uma flutuação entre os €822 e os €858. A dificuldade não é a “escassez, mas falta de stock”, diz o responsável da associação dos comerciantes.
A agravar o problema está ainda a subida do preço dos combustíveis, “com reflexos em tudo o que são derivados como o PVC, borrachas e isolamentos”, adianta José de Matos. Fatores que encarecem também o preço de transporte. E “não há, da parte dos fabricantes, sequer uma previsão para a entrega de materiais, como eletrodomésticos, essenciais para as cozinhas ou eficiência energética, como os painéis solares”, adianta Ricardo Fernandes.
A culpa é “de um longo ciclo de crescimento do imobiliário, que já não acontecia há quase 20 anos”, assume o presidente da ACMC. Um sector imobiliário “forte, alguma retoma no turismo e muitas obras de reabilitação”, complementa José de Matos. A que se juntam a aceleração nos projetos financiados por fundos europeus, obras das autarquias e a melhoria das casas dos portugueses, impulsionados por programas de eficiência energética.
E com as obras previstas no Plano de Resiliência e Recuperação a conjuntura “tenderá a agravar”, assume José de Matos. Para contrariar a “incerteza”, o presidente da ACMC defende “maior planificação das obras públicas, que permitam reajustar materiais e alterar a forma de construir”. É preciso “fabricar mais, para depois aplicar em obra”, defende José de Matos.
O barómetro dos comerciantes prevê um segundo semestre agitado, com 85% das empresas a apostarem num aumento das vendas e 32% a anteciparem um aumento dos preços. Expectativas baseadas no financiamento público para a eficiência energética, com melhorias em janelas e isolamentos. A que se juntam energias renováveis, com painéis solares, bombas de calor e sistemas de ar condicionado. Equipamentos que usam cobre cuja entrega, daqui a três meses, tem um custo de €8521 euros a tonelada. “Está tudo caro, com os preços a subir e uma enorme incerteza nos prazos de entrega”, resume Ricardo Fernandes.
Também nas engenharias se registam crescimentos, com os industriais de construção a assinalarem um aumento de 45% nos contratos. José de Matos reconhece que os preços podem continuar a aumentar, mas haverá “um reajustamento” e este “condicionamento” irá afetar os prazos de conclusão das obras e subir os preços.
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