O mercado ibérico de eletricidade (Mibel) vai a partir de 6 de julho passar a operar com um limite de preços mais amplo que o atual, que pela primeira vez criará a possibilidade de fechar contratos com preço negativo para a produção de eletricidade do dia seguinte.
Se até hoje a negociação do mercado diário (que fixa os preços grossistas para o dia seguinte) estava sujeita a um intervalo de 0 a 180 euros por megawatt hora (MWh), a partir de julho a plataforma de contratos à vista ("spot"), denominada OMIE, aceitará ofertas que vão desde os 500 euros negativos até aos 3000 por MWh.
Esta mudança, que foi precedida de uma avaliação dos reguladores (ERSE em Portugal e CNMC em Espanha) e de uma consulta aos agentes do mercado, visa alinhar o mercado ibérico com outros mercados grossistas de eletricidade do resto da Europa onde já é normal a oferta de preços negativos por parte dos produtores em alguns momentos do dia.
Essa oferta de preços negativos poderá acontecer, por exemplo, em horas de menor procura e quando determinado produtor entenda que é preferível pagar ao sistema elétrico para continuar a gerar eletricidade, uma vez que o custo de desligar e voltar a ligar a central seria superior, devido ao tempo de aquecimento e arrefecimento da instalação.
Na Península Ibérica já têm sido registadas várias horas com preços muito próximos do zero, em momentos de abundante disponibilidade de recurso eólico e hídrico, que deixam pouco espaço para que outros produtores com custos marginais superiores possam exigir preços mais altos para vender a sua energia.
No sentido inverso, tem sido muito raro no mercado ibérico os preços tocarem o limite máximo que até agora vigorava, de 180 euros por MWh. Na vaga de frio de janeiro houve algumas horas com preços acima dos 100 euros por MWh, mas sem tocar aquele limite.
As novas regras do mercado grossista em Portugal e Espanha prevêem um sistema de alerta aos agentes de mercado para evitar que erros na inserção das ofertas se traduzam em preços negativos demasiado baixos ou preços positivos demasiado altos.
Esse sistema de alertas levará a que sempre que haja uma oferta abaixo dos 150 euros negativos por MWh ou acima dos 1500 euros positivos por MWh os operadores possam voluntariamente alterar as ofertas ou acorrer a outros mercados grossistas europeus para colocar ofertas dentro do intervalo de -150 euros a 1500 euros.
Numa primeira fase, contudo, haverá um limite de alertas mais estrito, para ofertas fora da banda de -20 euros até 200 euros por MWh, aplicável ao mercado diário e intradiário (períodos mais curtos de ajuste de preços), deixando o limite de -150 a 1500 euros para o mercado intradiário contínuo, o único segmento do Mibel que já suportava preços negativos, mas que corresponde a uma pequena fração do volume de energia total do Mibel.
Preços negativos: o que significam para os consumidores?
A possibilidade de preços negativos no mercado grossista (e de preços positivos muito mais altos que os atuais) dará aos agentes de mercado uma maior flexibilidade e poderá aumentar a volatilidade do preço de mercado da eletricidade. Mas o que significa isso para famílias e empresas?
Para a maior parte dos consumidores domésticos pode não ter qualquer impacto, já que a larga maioria das famílias tem por hábito contratar tarifários por períodos de 12 meses, cujos preços espelham os custos médios de aprovisionamento de energia do seu comercializador para esse período de tempo.
Ora, é pouco expectável que haja preços negativos de forma prolongada no tempo, já que não é objetivo dos produtores de eletricidade pagar para produzir.
Além disso, o preço grossista da eletricidade corresponde a pouco mais de um terço do preço final da energia elétrica para o consumidor doméstico, já que a fatura acomoda outras rubricas de custos, como o custo das redes de distribuição e transporte e os custos de interesse económico geral (encargos ligados à política energética, subsidiação de determinadas fontes, etc).
Assim, as variações do mercado grossista (seja para preços muito baixos ou muito altos) acabam por ter um impacto mais suave na fatura final dos consumidores, em especial os residenciais.
Qual a vantagem então dos preços negativos?
A possibilidade de introdução de ofertas de valor negativo no mercado grossista diário visa aproximar o mercado ibérico do funcionamento de outras plataformas de transação de eletricidade e ajustá-lo melhor à real dinâmica de formação de preço em face da oferta e procura.
Haverá momentos em que os produtores estarão dispostos a pagar para não parar as suas centrais, de forma a que elas continuem operacionais umas horas mais tarde, quando a procura acelera e o preço de mercado se torna mais atrativo. E haverá outros momentos em que os produtores cobrarão caro pela sua energia em períodos de picos de procura e escassez de oferta (porque há pouco recurso renovável disponível, por exemplo, ou porque as interligações internacionais estão congestionadas).
Essa maior volatilidade de preços poderá refletir melhor a dinâmica da oferta e da procura no mercado de eletricidade, mas também introduzirá maior risco, obrigando os agentes do mercado a serem criteriosos na sua estratégia de cobertura de preços com contratos a prazo.