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Há um novo braço de ferro comercial com os EUA. Sapatos italianos e espanhóis podem sofrer, mas os portugueses estão a salvo

Há um novo braço de ferro comercial com os EUA. Sapatos italianos e espanhóis podem sofrer, mas os portugueses estão a salvo

Taxa digital ameaça abrir nova frente de conflito entre EUA e Europa na era Biden

É um novo braço de ferro comercial entre a Europa e os EUA, já na era pós Trump. A indústria de calçado italiana e espanhola, entre outras, podem ter de pagar uma taxa adicional para exportar para os Estados Unidos como forma de retaliação sobre a taxa de serviços digitais que alguns países decidiram aplicar a grandes empresas especializadas no universo online como a Google ou o Facebook. "Portugal está completamente à margem desta questão", garante ao Expresso fonte da APICCAPS, a associação que representa a fileira do calçado.

Tudo começou ainda na era Trump, em junho de 2020, quando os EUA iniciaram uma investigação sobre taxas digitais adotadas em alguns países, do Reino Unido, à Áustria, Espanha, Itália, Índia e Turquia, considerando que esta medida estava abrangida pela secção 301 da Lei do Comércio de 1974 relativa a "colocar encargos sobre as empresas norte-americanas". Na prática, os EUA contestam medidas aplicadas de forma avulsa sobre as suas empresas tecnológicas, defendendo que tudo deve ser definido no quadro da OCDE, e decidiram contra-atacar.

Neste momento, está em fase de consulta pública nos EUA a aplicação de tarifas especiais para uma lista de bens destes países que podem implicar taxas de 25% em produtos como o calçado produzido em Itália e Espanha.

Na fase pré-covid (2019), os EUA importaram mais de 1,5 mil milhões de euros de sapatos de Itália e 220 milhões de euros de Espanha, que verá quase 90% das suas exportações de sapatos para os EUA abrangidas pela nova taxa", diz a publicação especializada no sector World Footwear.

"100% contra"

O presidente da Footwear Distributors & Retailers of America, associação que representa os retalhistas e distribuidores americanos, já veio a público anunciar que é "100% contra qualquer nova tarifa", mas o processo de consulta publica sobre este tema no país prossegue, ainda sem data de conclusão prevista. Matt Priest acredita que está em causa apenas "uma ferramenta negocial" para os EUA tentarem evitar impostos que acreditam estar a ser aplicados de forma injusta a empresas do país. "Se considerarmos que o atual governo quer restabelecer as alianças com os países europeus, é difícil imaginar a aplicação de novas taxas. A Casa Branca está claramente à procura de uma conversa mais ampla, uniforme e previsível”.

Mas se todas as opções estão, neste momento, na mesa de negociação da administração americana, Priest sublinha que, mesmo estando em causa apenas uma pressão negocial, ela "já está a impactar nos negócios, uma vez que basta uma simples ameaça de tarifas para se sentir um impacto imediato na queda de encomendas".

No final, sublinha, novos impostos ou taxas "acabam por penalizar sempre o consumidor americano" e o momento para este novo braço de ferro comercial "não poderia ser pior", diz.

“Atualmente, temos um ambiente hipersensível à inflação, uma vez que há enormes quantias de dinheiro a serem despejadas na nossa economia para serem dadas aos consumidores. E temos aumento de custos e atrasos na logística, com filas de navios à espera para descarregar nos portos da Costa Oeste. A guerra comercial EUA-China já trouxe um aumento nas taxas que a indústria de calçado dos EUA está a pagar. Somar a isto uma nova tarifa nestes tempos sem precedendos adcioniaria ao cenário muita pressão desnecessária", comenta citado pelo World Footwear.

5.600 empregos ameaçados em Espanha

Em Espanha, a Federação Espanhola das Indústrias de Calçado comenta que o anúncio sobre esta possível penalização, "teve efeito imediato na indústria do país: pedidos com entrega prevista para agosto e setembro estão a ser suspensos ou cancelados". Se a taxa avançar, a federação admite "danos irreparáveis na indústria, em termos de declínio de negócios e emprego", em especial em zonas geográficas de concentração do setor, sem outras alternativas industriais como Elda (Alicante) e Almansa (Albacete). "Estimamos que poderão ser destruídos 1500 empregos diretos e 5600 indiretos”, alerta a federação que tem nos EUA o seu principal mercado fora da UE (7% do total ou 3,5 milhões de pares) e aquele que paga o preço médio por par mais elevado entre os seus maiores clientes.

Quanto a Itália, a Assocalzaturifici, Associação Italiana de Fabricantes de Calçado, “as medidas retaliatórias dos EUA em resposta aos impostos digitais que alguns estados membros da UE vão introduzir representam um sério risco para muitos fabricantes de calçado que exportam para os EUA e ameaçam travar a recuperação das vendas no maior mercado de exportação fora da UE" "De acordo com as nossas estimativas, 38% a 45% das nossas vendas totais de exportação, totalizando mais de mil milhões de euros na pré-pandemia de 2019 seriam fortemente afetados por esta medida, se for aplicada tal como foi proposta pelo antigo governo dos EUA, após o fim da investigação da Seção 301 sobre o imposto sobre serviços digitais na Itália".

EUA continuam a ser alvo para Portugal

“O único resultado seriam preços mais altos para os consumidores americanos e menos margem para as empresas numa fase muito delicada, quando a maioria das economias ocidentais estão a tentar relançar-se após a consequência da pandemia", diz a associação italiana.

Portugal, garante a APICCAPS ao Expresso, está fora deste problema. "Temos nos EUA um alvo prioritário para os próximos anos e acreditamos que depois do travão imposto pela pandemia, a aproximação que estamos a fazer ao país pode trazer resultados muito interessantes para toda a fileira da moda", diz ao Expresso Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS.

E um quadro de tensão dos EUA com países como Itália e Espanha pode beneficiar as empresas portuguesas? "Estamos à margem desta polémica. O que podemos dizer é que temos nos EUA o nosso 6º mercado, É o maior destino não comunitário, juntamente com o Canadá, vale cerca de €100 milhões num contexto não pandémico e o objetivo é crescer", comenta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mmcardoso@expresso.impresa.pt

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