BE acusa o Estado de pôr dinheiro a mais no Novo Banco (que poderá usar para comprar EuroBic)
JOSE SENA GOULAO
Mariana Mortágua pretende que o Estado informe a Lone Star de que não haverá capitalização este ano. A pandemia levou o BCE a dar folga e a entrada de mais verbas só irá criar almofada de capital ainda maior, defende o Bloco de Esquerda
Não são só os banqueiros que estão estupefactos com a possibilidade de o Novo Banco adquirir o EuroBic, como relata o Jornal de Negócios esta terça-feira. O Bloco de Esquerda também está, sobretudo porque considera que o Estado, através do Fundo de Resolução, está a pôr dinheiro em excesso na instituição financeira. O Fundo e o Governo deviam comunicar à Lone Star de que, devido à pandemia, não faz sentido colocar dinheiro este ano, segundo defendeu Mariana Mortágua, depois de o Novo Banco solicitar uma capitalização de mais 598 milhões de euros.
“O que está em causa é que o Estado pode vir a sobrecapitalizar o Novo Banco em 598 milhões de euros, dinheiro que o Novo Banco não precisa para cumprir os rácios de capital. E ainda mais quando temos notícias de que Novo Banco se prepara para adquirir o Banco BIC. Podemos estar perante a ironia de o Estado recapitalizar uma instituição e a instituição comprar outra”, declarou Mariana Mortágua em conferência de imprensa esta terça-feira, 6 de abril.
A lógica da deputada bloquista parte do princípio de que a pandemia levou o Banco Central Europeu (BCE) a baixar as exigências de rácios de capital aos bancos europeus, incluindo os portugueses. Se, até aqui, o BCE foi sempre exigindo um requisito mínimo em torno de 12% ao Novo Banco, agora, segundo a deputada, essa exigência terá baixado para 8,25%, por conta das novas regras que impôs.
BCE dá folga, nova injeção só irá aumentá-la
Esse rácio de capital (o mais exigente, conhecido como CET1) é tido em conta na hora de acionar o mecanismo de capital contingente, a garantia criada aquando da venda do Novo Banco em que o Fundo de Resolução é chamado a capitalizá-lo (até ao limite máximo de 3,89 mil milhões de euros). A partir de 2020, o rácio mínimo que tinha de ser garantido pelo Novo Banco era de 12%.
“Entretanto, houve uma pandemia e o BCE, por conta dessa pandemia, alterou as regras prudenciais aplicadas por todos os bancos da União Bancária. Quer dizer que, de acordo com as nossas estimativas, é neste momento de 8,25%”, defendeu a deputada do Bloco.
José Carlos Carvalho
De acordo com os números de Mariana Mortágua, se o rácio mínimo é de 8,25%, o Novo Banco atinge, sem qualquer injeção do Fundo de Resolução, um rácio de 10%. É uma diferença de quase 500 milhões de euros entre esses dois rácios, diz. Além disso, o Novo Banco pediu uma injeção de 598 milhões ao Fundo de Resolução para alcançar o mínimo de 12% que consta dos contratos assinados na venda. Ou seja, seria a tal folga de 500 milhões, mais os novos 598 milhões, num total que supera os mil milhões.
“Não faz sentido o Estado garantir uma sobrecapitalização ao Novo Banco, quando todos os bancos do sistema puderam usufruir de rácios de capital [mínimos] mais reduzidos. Caso contrário, o Novo Banco ficaria com uma almofada de mil milhões, mais de metade conseguido à custa do Fundo de Resolução, para depois poder fazer operações de mercado, das quais nenhum contribuinte irá beneficiar, muito provavelmente comprar o EuroBic”, considerou a deputada. Há semanas, o Jornal Económico noticiou que o Novo Banco e os CTT estavam na corrida pelo banco de que Isabel dos Santos é a principal acionista. Hoje, o Negócios escreve que os banqueiros, que são os contribuintes do Fundo de Resolução, não estão satisfeitos.
Governo deve “impor” mudanças
Aos jornalistas, Mariana Mortágua adianta que o “Governo deve impor à Lone Star que as novas regras impostas pelo BCE em termos de capital sejam refletidas no contrato do Novo Banco". O mesmo é dizer: "que não exista qualquer injeção de capital”.
“Essa injeção não é necessária”, frisou a deputada, lembrando que houve outros contratos alterados pela pandemia. “O Estado deve comunicar essa decisão à Lone Star”, defendeu Mortágua.
Neste momento, decorrem as avaliações por parte da comissão de acompanhamento do Novo Banco e do Fundo de Resolução, bem como da Olive Wyman, para averiguar a adequação do pedido de 598 milhões de euros à luz dos acordos fechados na venda aos americanos. O Fundo de Resolução já disse ter dúvidas sobre a inclusão de 166 milhões de euros nesse valor, por dizerem respeito à venda de Espanha, que só em 2021 avançou (e o pedido é referente a 2020).
Sem esses 166 milhões, o rácio de capital CET 1 do Novo Banco fica apenas em 11,3%, abaixo do rácio de 12% mínimo previsto no contrato de venda (mas muito acima do mínimo previsto pelo BCE). Mas, por agora, e pelo menos publicamente, a Lone Star nada comunicou.
Sem injeção, como defende o Bloco, também não haveria problemas em definir a forma através da qual o Fundo irá colocar os montantes solicitados pelo Novo Banco devido às perdas de 2020, depois de o Parlamento (por proposta do BE) ter impedido a saída de verbas do Fundo de Resolução.