Ofertas pelo Novo Banco na venda falhada de 2015 continuam secretas. Ministra das Finanças nem as conhecia
ANTONIO P FERREIRA
Banco de Portugal esteve a negociar com interessados no Novo Banco em 2015, mas Maria Luís Albuquerque refere que as condições das propostas nunca foram do seu conhecimento. O desfecho do processo, em que não houve venda, foi de lamentar, diz a ex-ministra
Maria Luís Albuquerque era a ministra das Finanças quando o Banco Espírito Santo foi alvo de intervenção e deu lugar ao Novo Banco em 2014, mas não soube – e defende que só teria de saber no final – pormenores sobre as ofertas de compra do Novo Banco que estiveram em cima da mesa um ano depois, num processo que acabou abortado pelo Banco de Portugal.
“O que está determinado na legislação é que a responsabilidade pela venda é do Banco de Portugal. O Banco de Portugal conduziu o processo de venda”, frisou na sua audição desta quinta-feira, 1 de abril, na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco.
O Fundo de Resolução, onde o Ministério das Finanças tinha uma representante (Elsa Roncon Santos, hoje administradora não executiva do BPI), também não teve nenhuma informação. “O que o Fundo de Resolução fez foi aprovar procedimentos, os cadernos de encargos, definir como as fases se sucediam, os prazos”, explicou a ex-ministra. Sobre as propostas de venda em si, nada sabia, garantiu.
“Ao Fundo de Resolução, onde eu tinha uma representante, não foram entregues nem eu tive conhecimento de propostas, de valores e de condições associadas. A venda não chegou ao final. Acho natural que o Banco de Portugal, quando estivesse a chegar a fase de negociação com um comprador, que as condições tivessem sido discutidas com o Ministério das Finanças, até porque podia ter implicações com os auxílios do Estado”, declarou Maria Luís Albuquerque, governante entre o verão de 2013 e novembro de 2015.
A intervenção do BES aconteceu em agosto de 2014, e no final desse ano iniciaram-se os procedimentos do concurso de venda. “Não fui chamada a tomar nenhuma decisão”, repetiu.
ANTONIO P FERREIRA
Processo cancelado “lamentavelmente”
No verão de 2015, um ano depois da criação do Novo Banco, chegou-se à fase de negociações exclusivas com três finalistas para a aquisição (as chinesas Anbang e Fosun e a americana Apollo). Eram propostas vinculativas, mas mesmo assim não chegaram ao conhecimento do Ministério das Finanças. Após as negociações com cada uma das finalistas, o supervisor então liderado por Carlos Costa considerou as propostas insatisfatórias. O processo acabou cancelado. “Lamentavelmente”. A agora candidata a presidente do regulador europeu do mercado de capitais (ESMA) repetiu várias vezes que era de lamentar esse processo de venda não ter sido bem-sucedido.
Não se conhecem os pormenores destas ofertas, nem os preços, nem quais as condições que impunham para a compra do banco – e José Berberan Ramalho, à data vice-governador do Banco de Portugal e presidente do Fundo de Resolução, mencionou as incertezas externas que no verão de 2015 existiam (como crise de mercados asiáticos) para cancelar o negócio, mas os detalhes das propostas foram ditos em segredo aos deputados, com os microfones desligados. Nas perguntas dos deputados, percebe-se, contudo, que os compradores exigiam uma garantia ilimitada ao Estado português para cobrir os ativos tóxicos.
“Lamentei que não tivesse sido possível [vender o banco] e esperava que fosse possível fazê-lo rapidamente”, admitiu a administradora não executiva da empresa que adquire e gere ativos tóxicos Arrow Global. “O interesse nacional era dar um dono aquele banco”, disse. “Deixei de ser ministra em novembro de 2015 e já tinha havido uma tentativa de venda. Não vejo que a prorrogação do prazo gerasse algum valor, pelo contrário”, confirmou. “Aquilo que o Banco de Portugal me comunicou é que entendia que, face ao grande interesse que o processo tinha suscitado, e uma vez ultrapassadas incertezas, que haveria condições de lançar o processo de forma bem-sucedida”, relatou Maria Luís Albuquerque.
Em 2016, já com o novo Governo de António Costa, iniciou-se o segundo processo de venda do Novo Banco. Em 2017, foi o ministro das Finanças, Mário Centeno, ao lado de António Costa que anunciaram ao país a chegada a um acordo com a Lone Star para a venda da participação do Fundo de Resolução no Novo Banco. O banco foi vendido por zero euros, com o compromisso de capitalização de mil milhões do lado da compradora e de uma potencial capitalização de até 3,89 mil milhões do lado do vendedor. Como se compara este facto com as ofertas existentes dois anos antes continua a ser uma incógnita.
Maria Luís Albuquerque frisou, nas respostas aos deputados, que não tinha qualquer conhecimento das propostas pelo Novo Banco, como também não teve qualquer papel na resolução do BES nem na separação entre ativos. “Quem tem competência para executar a medidas de resolução é a autoridade de resolução, o Banco de Portugal”, continuou.
Aliás, também declarou que o valor da capitalização do Novo Banco, a 3 de agosto de 2014, foi ditado pelo Banco de Portugal, e que não colocara nenhum teto.
E havia margem de pôr mais dinheiro no Novo Banco com a recapitalização pública? "Honestamente, não vejo que pudesse ter sido mais favorável, nem para os contribuintes, nem para a estabilidade do sistema financeiro, e essa foi garantida. Não estou a dizer que não houve muita gente penalizada. A ideia de que era possível pôr-se dinheiro público para que ficasse lá à espera que ganhasse valor era uma ideia romântica, não era possível, nem desejável".
Recuando no tempo, e voltando a 2014, antes da queda do BES, Maria Luís Albuquerque, que antes de ser ministra foi secretária de Estado de Vítor Gaspar, desmente que tivesse impedido uma limpeza do BES na primeira metade do ano para fechar o fim do processo de assistência financeira da troika, iniciado em 2011.
“A saída limpa do programa de assistência –, e a minha memória está fresca, vive intensamente esse período – significava tão-só o regresso de Portugal aos mercados. A questão do BES nunca se colocou como uma condicionante, ou manchando a saída limpa”, assegurou a ex-ministra, rejeitando as acusações de que foi alvo que deixou o caso arrastar-se para não deixar de estar ligada ao momento de saída limpa.
“O que conhecíamos em maio de 2014 era de que havia preocupações com o BES, por isso o Banco de Portugal tinha-se tornado mais exigente com o BES”, continuou Maria Luís Albuquerque.
ANTONIO P FERREIRA
Não foi indiferente ao GES
Nas suas declarações, a ex-governante disse que “nunca” ficou “indiferente” aos problemas do Grupo Espírito Santo: “haver problemas grandes num grupo de dimensão importante não deixa nenhum ministro, das Finanças ou da Economia, ou outro, indiferente. A questão foi perceber se os problemas da área não financeira colocavam em causa o banco. O Banco de Portugal garantiu ter tomado determinações específicas e que existia uma almofada de capital de 2,1 mil milhões de euros para acautelar riscos, face ao que era conhecido em meados de junho”, lembrou.
De qualquer forma, quem falhou foi a gestão do BES, de Ricardo Salgado. “O Banco de Portugal proibiu determinadas operações e houve desobediência às ordens por parte de alguns administradores, ao que hoje sabemos”, declarou. "Espero punições severas contra quem adulterou contas e fez coisas que não podia ter feito. Espero que a justiça decida", continuou.
Sem conflitos na Arrow
Além disso, a ex-governante assegurou que não teve acesso a qualquer informação confidencial ou privilegiada sobre o BES, pelo que considera que não há qualquer problema na sua ida para a britânica Arrow Global, empresa que adquire e gere ativos tóxicos – em Portugal, é dona da Norfin e da Whitestar. O grupo participou ou assessorou interessados em processos de compra de créditos e imóveis do Novo Banco nos últimos anos.
“Não tive acesso a informação privilegiada, nem tenho qualquer tipo de intervenção. Eu sou administradora não executiva de um grupo sediado no Reino Unido, que está presente nestas cinco geografias [em que se inclui Portugal]. Não tenho qualquer intervenção nas propostas que são feitas, cabe às equipas”, garantiu.
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