Economia

Ex-supervisor: Novo Banco não estava limpo, precisava de capital, mas não havia regras para travar imparidades

Ex-supervisor: Novo Banco não estava limpo, precisava de capital, mas não havia regras para travar imparidades
ANTONIO PEDRO FERREIRA

Carlos Albuquerque, antigo diretor de supervisão do Banco de Portugal, admite que a falta de capital era uma questão em torno do Novo Banco desde sempre.

“Chamou-se banco bom e banco mau de uma forma que não é absolutamente correta. Porque o Novo Banco ficou, grosso modo, igual aos outros bancos. O Novo Banco não é um banco bom. Se me perguntar se o Novo Banco era um banco completamente bom, no sentido de estar limpo? Não. Não haveria capital para isso, se calhar precisava de mais 6, 7, 8 mil milhões de euros”.

As declarações foram proferidas na audição da comissão de inquérito ao Novo Banco desta sexta-feira, 26 de março, por Carlos Albuquerque, que dirigiu o departamento de supervisão do Banco de Portugal entre o fim de 2014 e o início de 2017. O Novo Banco era um banco “bom” só porque expurgado da exposição ao Grupo Espírito Santo; de resto, continuou como estava, com os efeitos da crise da dívida. E a resolução trouxe dificuldades adicionais, como fuga de depósitos, sintetizou.

“A opinião que formei foi de enormíssima dificuldade do banco continuar”. Carlos Albuquerque chegou ao Banco de Portugal em novembro de 2014, poucos meses depois da criação do Novo Banco, vindo do BCP. Foi substituir Luís Costa Ferreira, que dirigia o departamento de supervisão mas saiu para a PwC. “O balanço de abertura tinha rácios de capital bastante apertados, reduzidos”. A imagem central era que o banco teria "de ter um trabalho muito profundo de capitalização".

Não era o único: logo a primeira administração do Novo Banco, de Vítor Bento, mencionou esse facto. O Banco de Portugal, em agosto de 2014, ainda sem Albuquerque, queria pôr mais 500 milhões no banco além dos 4,9 mil milhões injetados pelo Fundo de Resolução, mas acabou por não acontecer, como já revelaram elementos do supervisor à data da resolução do BES e criação do seu sucessor.

Malparado era idêntico a outros

O capital não era o único tema. O nível de ativos não produtivos (como crédito malparado) era elevado. Era idêntico ao de outros bancos, garantiu Carlos Albuquerque, mas acabou por disparar. “Estava na casa dos 13, 14, 15% e depois chegou ao nível dos 30%”. Albuquerque desdramatiza, e refere que não é caso inédito: “Os bancos portugueses, até escrevi num livro, entre 2007 e 2017 registaram 48 mil milhões de imparidades, das quais 23 mil milhões entre 2011 e 2014”. “Basta comparar com outros bancos. O volume de imparidades totais não é superior ao BCP e à Caixa. Em termos relativos, é superior, porque o volume de crédito era inferior. A crise foi sistémica”, continuou.

ANTONIO PEDRO FERREIRA

O sector não estava em boas condições. “Se o Banco de Portugal tivesse decidido por resgates [no sector bancário], como aconteceu na Irlanda, teriam sido necessários entre 40 mil milhões a 45 mil milhões de euros, e não 12 mil milhões de euros. Se assim tivesse sido, o risco de supervisão teria sido baixíssimo. O BdP assumiu o risco de supervisão e se hoje olharmos para trás a conclusão é simples: necessariamente um ou outro banco teria de ser resolvido”, declarou Carlos Albuquerque.

Sem instruções sobre imparidades

O BES foi resolvido e criou-se o Novo Banco. Carlos Albuquerque garantiu que “nunca” deu indicações para que o banco, na altura comando por Eduardo Stock da Cunha, não constituísse imparidades para alguns créditos por não haver capital para cobrir essa antecipação de perdas. “Nunca detetei que existisse qualquer instrução nesse sentido”. Na sua opinião, a equipa de supervisão do Banco de Portugal e do Banco Central Europeu era até “razoavelmente dura com o Novo Banco”.

Pelo contrário, havia recomendações para aumentar o capital. “Há comunicação do BCE a alertar que é importante ter presente que o capital possa ficar abaixo dos mínimos”, contou. Em 2014, a preocupação central foi fechar o balanço inicial. Em 2015, começaram as exigências de capital.

O agora gestor da Caixa Geral de Depósitos não encontra justificação para a diferença de valores de grandes créditos, como do construtor civil José Guilherme, José Berardo ou Ongoing, entre 3 de agosto de 2014 da PwC e o balanço de abertura que foi certificado pela EY em dezembro desse ano – tema que ainda continua uma incógnita na comissão de inquérito. Carlos Albuquerque sugere que possa haver uma diferença no grupo económico contabilizado (integrando mais empresas do que anteriormente, por exemplo), mas sem qualquer certeza.

ANTONIO PEDRO FERREIRA

Sobre o motivo pelo qual há mais imparidades em 2017 do que nos anos anteriores, Carlos Albuquerque não deu resposta concreta. “Corrigiu-se em 2017, porventura, o que não tinha sido feito antes. Não houve nada de concreto que levasse a isso”. O antigo diretor de supervisor não sabe se tal se pode relacionar com a venda. O antigo diretor do supervisor afirmou não ver problemas na forma de constituição de imparidades do Novo Banco, que se tornou mais agressiva quando a EY substituiu a PwC como auditora (e após a venda à Lone Star, em 2017) - as que acabaram por ser compensadas pelo Fundo de Resolução.

Ainda assim, admitiu Carlos Albuquerque, há uma sensibilidade na gestão que a pode ter levado a não carregar nas imparidades por saberem que não havia capital para cobri-las.

Supervisão não sabia de decisões da resolução

Da sua experiência, o hoje administrador da Caixa Geral de Depósitos refere que o Novo Banco foi sempre um tema dividido no supervisor: “houve sempre uma independência grande entre o Banco de Portugal autoridade de resolução e o Banco de Portugal autoridade de supervisão”. “Não tive qualquer papel na transferência de ativos em 2015, nas decisões que levaram à resolução e na resolução”, declarou, admitindo, porém, que concorda com as decisões da autoridade – aliás, alertou ser necessário avaliar à luz do contexto de então, não com o atual.

Um exemplo foi a venda falhada do Novo Banco em 2015. “Não soube antes de a decisão ser tomada”. E o que sabe que esteve por trás da decisão é a informação geral: “As condições não satisfaziam o BdP, altamente gravosas, nomeadamente contingências ilimitadas, não qualificadas”.

Aos deputados, Carlos Albuquerque frisou que a supervisão é atualmente mais intrusiva do que a que era feita quando esteve no Banco de Portugal. Quando saiu do Banco de Portugal para a CGD, em 2017, Albuquerque teve de passar por um período de nojo de seis meses, com o qual diz concordar. Contudo, não condenou a passagem de Costa Ferreira do BdP para a PwC, em novembro de 2014, e depois, em 2017, da auditora novamente para o supervisor, sem períodos de nojo.

O BES foi alvo de resolução a 3 de agosto de 2014 e é desde aí que se debruça o trabalho da comissão de inquérito às perdas do Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução. As primeiras audições têm-se centrado nesse período inicial.

Aliás, antes de o período de António Costa ser central (com a venda do Novo Banco, em 2017), o PS já quis trazer para o inquérito os depoimentos de Cavaco Silva, Durão Barroso, Passos Coelho e Carlos Moedas sobre o BES.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate