Economia

Web Summit começa esta quarta-feira. Será esta a maior feira alguma vez feita na Internet?

Paddy Cosgrave, líder da CIL e mentor da Web Summit, afirma ter recebido propostas tentadoras para realizar o evento de 2020 no sudeste asiático
Paddy Cosgrave, líder da CIL e mentor da Web Summit, afirma ter recebido propostas tentadoras para realizar o evento de 2020 no sudeste asiático
Tiago Miranda

Paddy Cosgrave, mentor da Web Summit, pretende juntar mais de 100 mil pessoas num evento que passou para o formato digital, sem se livrar da polémica sobre os custos que terá para o Estado. Será que Lisboa depende da Web Summit, ou é a Web Summit que depende de Lisboa? A resposta deverá ser apurada nos próximos três dias de um evento inteiramente suportado pela Internet

Dublin, Lisboa, e agora Internet. A Web Summit de 2020 arranca esta quarta-feira num formato digital que a mantém ligada a Portugal, mas que na prática permite que a mostra de tecnologias ocorra em todo o mundo. Paddy Cosgrave, líder da Connected Inteligence Limited (CIL) e mentor da Web Summit, admite que recebeu propostas tentadoras para levar esta edição da mostra de inovação para um país do sudeste asiático, onde as restrições provocadas pela pandemia serão menores, mas no final, depois de renegociações com o Governo Português e o Município de Lisboa que já abriram caminho a títulos de jornais e trocas de argumentos políticos, decidiu-se por um formato digital. O que não o impede de continuar a pensar no regresso à normalidade: “ Talvez em 2022, quando o novo recinto estiver concluído, possamos ter 140 mil ou 150 mil pessoas”, diz o empresário irlandês em entrevista ao Expresso.

Os dois anos que se seguem serão de expectativa. A CIL, que organiza a Web Summit, assinou um acordo com o Estado Português para a manutenção da mostra de tecnologia em Lisboa, na condição de as entidades públicas ampliarem a FIL.

O compromisso assumido pelos representantes nacionais deu polémica desde que foi assinado em 2018 – e viria a dar nova polémica quando João Gonçalves Pereira, deputado e vereador da Câmara Municipal de Lisboa pelo CDS, questionou formalmente o motivo que levou o Governo a dar luz verde para o pagamento de 11 milhões de euros que o acordo determina que têm de ser entregues diretamente à CIL, por uma edição que é realizada na Internet.

António Costa, primeiro-ministro de Portugal, em plena submersão de realidade virtual e restantes tecnologias, numa das ediçõs passadas da Web Summit em Lisboa
Tiago Miranda

Nessa questão endereçada ao executivo de António Costa, o deputado centrista recorda ainda que o contrato entre Estado Português e CIL permitia cancelar a mostra tecnológica sem o pagamento de qualquer valor por parte de ambas as partes – nem sequer o aluguer da FIL, equipamentos de palco e comunicações, ou ações de divulgação que o Estado Português está obrigado a suportar por contrato, teriam de ser pagos (e não vão ser pagos uma vez que o evento segue o formato na Internet).

Independentemente do debate político, o que é certo é que, se fosse na versão convencional, que se realiza todos os anos na FIL e no Altice Arena, a Web Summit dificilmente poderia albergar o número de visitantes esperados para esta nova versão que decorre na Internet.

Se fosse para albergar o total de visitantes esperado para a versão em formato on-line, provavelmente seria mesmo necessário pelas obras de ampliação previstas para 2022. A Web Summit 2020 deverá contar com um total de 100 mil participantes – todos eles atrás de ecrãs e conectados através da Internet para assistirem às diferentes palestras de mais de 800 oradores em formato de videoconferência. E são estes números que levam a organização a admitir que a Web Summit pode muito bem tornar-se o maior evento do género alguma vez realizado na Internet.

Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Paddy Cosgrave, mentor da Web Summit, e António Costa, primeiro-ministro de Portugal, vão voltar a ser os protagonistas da sessão de abertura - mas desta vez num formato digital da Web Summit
Tiago Miranda

A habitual competição de startups deverá decorrer igualmente em moldes similares, e são esperados mais de 2500 participantes que representam a nova geração de negócios. A organização estima que haverá 1250 investidores registados. O que, em princípio, garante a presença de uma peça fundamental para o sucesso deste evento, que cresceu a partir do momento em que se percebeu que faltava um evento capaz de juntar ideias inovadoras ou engenhosas a homens e mulheres de negócios, num cenário desenhado ao milímetro para superar o preconceito que leva parte da população a encarar engenharia, a informática e as tecnologias em geral como áreas sem o glamour de outras áreas da sociedade.

E por isso, temos o treinador de futebol José Mourinho, a tenista Serena Williams, a atriz Gwyneth Paltrow, a atriz Jessica Alba, e o realizador Ridley Scott, mas também ilustres desconhecidos como Hal Barron, que lidera a área científica da GlaxoSmithKline, ou Vas Narasimhan, diretor da Novartis, que deverão concentrar as atenções pelo facto de assumirem lugares de destaque na indústria farmacêutica numa época dominada pela corrida às vacinas contra a Covid-19, entre os principais oradores.

Tim Berners Lee, pai da World Wide Web; Eric Yuan, líder da Zoom, Brad Smith presidente não executivo da Microsoft, Adena Friedman, responsável máxima pelo índice bolsista Nasdaq; Vinod Kumar, presidente da Vodafone; Pekka Lundmark, líder da Nokia
; ou Liang Hua, presidente não executivo da Huawei;
e Ben van Beurden diretor executivo da Shell também vão participar no evento – e confirmam que, mesmo que as palestras e as entrevistas “com audiência” nem sempre funcionem como pedras no charco, o evento cumpre o desígnio de "ver e ser visto" que habita o imaginário dos humanos em geral – e do marketing em especial.

A equipa de Paddy Cosgrave também não descurou a presença dos denominados “decisores políticos”. Desde que chegou a Lisboa vinda de Dublin, após um diferendo com as autoridades irlandesas que Paulo Portas, enquanto vice-primeiro ministro do Governo suportado por PSD e CDS soube aproveitar, que a Web Summit passou a assumir uma presença de governantes nacionais – e europeus.

Em 2018, a participação de António Guterres, secretário geral das Nações Unidas, terá representado, pelo menos a título simbólico, o pináculo da capacidade de atração que a Web Summit consolidou na “cena internacional”. Em 2020, não haverá secretário geral das Nações Unidas, mas haverá Ursula Von Der Leyen, presidente da Comissão Europeia – e, pelo menos a título institucional, a mulher mais poderosa da atualidade. Não será a única representante de Bruxelas no evento.

Magrethe Vestager, vice-presidente da Comissão Europeia com a pasta da concorrência que é uma visita assídua do evento, também não faltará à chamada. Věra Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia com a pasta dos Valores e Transparência; Thierry Breton, comissário europeu com a pasta do Mercado Interno; Elisa Ferreira, comissária europeia com a pasta da Coesão e Reformas; e Stella Kyriakides, comissária europeia da Saúde fecham a representação do executivo europeu na mostra de tecnologias.

Magrethe Vestager, vice-presidente da Comissão Europeia, volta a participar na Web Summit, mas desta vez terá de partilhar as atenções com alguém ainda mais acima na hierarquia de Bruxelas: Ursula von Der Leyen, presidente da Comussão Europeia
ANTÓNIO COTRIM

Entre os rostos conhecidos da política nacional, verificam-se algumas réplicas de participações registadas no passado: António Costa, primeiro ministro de Portugal, e Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, voltam a fazer as honras na sessão de abertura. Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, já gravou uma mensagem que deverá passar nos ecrãs durante a sessão de encerramento. Pelo meio, há ainda participações de Pedro Siza Vieira, Ministro da Economia e da Transição Digital, e de André de Aragão Azevedo, secretário de Estado da Transição Digital.

A participação de tantos responsáveis políticos e representantes de algumas das empresas mais poderosas do mundo não deixa muitas margens para dúvidas de que o alinhamento de oradores está sujeito a influências e negociações entre as diferentes partes. Alguns ilustres desconhecidos estarão dispostos a envidar esforços para garantir um uma palestra; enquanto outros têm de ser convidados e possivelmente são pagos para emprestarem fama ao evento.

Mas desta vez, Paddy Cosgrave admite que o evento, que muitos veem como uma pausa anual para reciclagem de conhecimentos e tendências do sector tecnológico, possa ter um atrativo diferente este ano. “As pessoas passam mais tempo no Mingle que em qualquer outra coisa”, diz o mentor da Web Summit.

Mingle é o nome de uma nova rubrica criada especificamente para este formato on-line da conferência. Antes de ser lançado na Web Summit, o Mingle foi usado na conferência Collision, que deveria decorrer no Canadá, mas também enveredou pelo formato digital devido às limitações da pandemia. A nova funcionalidade junta pessoas em sessões limitadas temporalmente, com base nos perfis dessas pessoas. É um algoritmo de inteligência artificial que escolhe as diferentes pessoas para cada sessão. Se os utilizadores concluírem que, no final de cada sessão, há interesse em voltar a contactarem-se poderá ser restabelecida uma nova sessão.

Mas esta não é a única novidade: Paddy Cosgrave recorda ainda que houve que expandir o horário das palestras e das restantes atividades – que passam de 6 para 12 horas. O motivo deste alargamento é óbvio: sendo um evento que decorre na Internet, há que reverter as limitações provocadas pela distância em mais-valias, que permitem alcançar participantes em diferentes fusos horários.

Na Collision não esperávamos que as pessoas passassem tanto tempo na plataforma e quisemos limitar o evento a seis horas – mas acontece que as pessoas ficavam no evento 12 horas. E então expandimos a Web Summit para um total de 12 horas, dando a possibilidade de as pessoas passarem mais tempo na plataforma – e isso reflete o tempo que as pessoas passam a fazer contactos”, explicou Paddy Cosgrave ao Expresso.

As conferências costumam ser o prato forte dos cartazes da Web Summit, mas na versão online da Collision foi possível apurar que as pessoas preferem estabelecer contactos através de ferramentas como o Mingle
Tiago Miranda

Cosgrave recorre também à Collision como termo de comparação para o retorno que a Web Summit deverá produzir este ano para a economia portuguesa em geral, e para a economia lisboeta em particular. Aos partidos da oposição que lembram que uma conferência em formato digital não traz turistas, não enche hotéis e é uma incógnita no que respeita ao retorno para as startups nacionais, Cosgrave responde com os 20 milhões de euros que terá valido a versão digital da Collision para a imagem de marca do Canadá.

“Estou otimista de que algo parecido vai acontecer na Web Summit, podemos chegar a um retorno em termos de imagem de marca e marketing de 50 ou mesmo 100 milhões de euros”, refere Paddy Cosgrave.

Como todos os números, as previsões de Cosgrave também poderão ser sujeitas a reparos ou análises diferentes. Até porque o retorno não se resume à imagem de marca. Depois de um período em que chegou a apontar uma previsão de 300 milhões de euros para o impacto que a Web Summit tem na economia nacional, o Governo Português solicitou um estudo, liderado por João Cerejeira, da Universidade do Minho, que apontou para um impacto de 51,6 milhões a 105 milhões de euros no PIB português em 2017.

O mesmo estudo apontava para um crescendo de ganhos, capaz de chegar aos 226 milhões de euros em 2028, caso haja uma ampliação do espaço que permita passar a receber 130 mil visitantes em cada evento.

Essa é apenas a previsão a longo prazo: o Governo também encomendou um estudo sobre o impacto que a versão digital da Web Summit terá na economia nacional, mas o gabinete de Pedro Siza Vieira, ministro da Economia e Transição Digital, recusou fornecer esse estudo, apesar de várias vezes questionado sobre a matéria pelo Expresso.

O impacto do formato digital permanece uma incógnita - mas há quem admita que nem tudo se perde nesta nova versão. “Um evento de tecnologias, que se realiza num ano em que só conseguimos estar a trabalhar devido às tecnologias, tinha mesmo de se realizar”, sublinha Liliana Ferreira, diretora executiva da Fraunhofer Portugal.

A gestora de inovação do instituto sedeado no Porto admite que o formato digital dificilmente poderá substituir na totalidade as reuniões presenciais, mas também considera que não havia outra alternativa. Até porque os empreendedores nacionais já têm a Web Summit na agenda, precisamente porque sabem que pode funcionar como um trampolim para o mercado externo, ao facilitar o contacto com investidores que, de outra forma, dificilmente viriam a Portugal em viagens de negócios.

“Há 2 anos, uma equipa da Fraunhofer Portugal foi propositadamente à Web Summit para validar tecnologias que desenvolvemos ainda na fase de protótipo. É importante porque nos permitiu ouvir as perguntas a que é necessário responder quando se está a desenvolver um protótipo”, explica.

A Web Summit pôs a inovação portuguesa no mapa. Miguel Fontes, diretor da Startup Lisboa, lembra que não se pode reduzir o impacto da conferência à hotelaria
Tiago Miranda

Num ano dominado pelas videoconferências, não será de estranhar que aquela que é uma das maiores feiras de tecnologias siga também em videoconferência. E essa visão se não permite alimentar o otimismo, pelo menos contribui para que não se deaproveite o mal menor. “Pode perder-se alguma coisa, como aquela possibilidade de encontrar, por acaso, um projeto interessante, quando menos se espera enquanto se percorre o evento. Mas as pessoas já estão habituadas a usar estas ferramentas. E o evento on-line até poderá vir a ter maior projeção internacional. Por outro lado, obriga a que as pessoas interessadas andem a navegar na plataforma à procura de projetos”, refere Alexandre Barbosa, líder do fundo de capital de risco Faber Ventures, que tem no investimento em startups de software e processamento de dados o principal propósito.

Alexandre Barbosa também acredita que a aposta no formato on-line tem vantagens face um evento convencional realizado em espaço físico que, por hipótese teórica, fosse levado a cabo com a impossibilidade de receber visitas do estrangeiro. E à possibilidade de chegar a diferentes geografias junta a necessidade de adaptação: “Os empreendedores vão acabar por aprender um conjunto de competências novas, pois têm de apresentar os projetos de uma forma diferente”, conclui.

Miguel Fontes, diretor da Startup Lisboa, também admite que haja alguma “inquietação” gerada pelo evento se realizar no formato on-line, mas recorda que o facto de a edição de 2020 não ter sido cancelada “confirma que a máquina não parou”. O responsável pela incubadora alfacinha recorda que não foram só as startups nacionais que passaram a ter uma montra privilegiada. Empresas como a Cloudflare, a Mercedes ou até a Google terão decidido reforçar investimentos em Portugal com a vinda da Web Summit, lembra.

“A Web Summit ajudou muito a esse marketing estratégico do País. Foi um contributo decisivo. Faz-me confusão quando se reduz as receitas provenientes da Web Summit aos táxis e aos restaurantes”, acrescenta.

A hotelaria e restauração, que já estavam a braços com a pandemia, são duplamente penalizadas com a passagem de um evento para o formato digital – mas o facto de estes sectores serem irremediavelmente afetados pela medidas de confinamento não será justificação suficiente para desistir dos benefícios que podem ser obtidos noutras áreas, recorda Armindo Monteiro, vice-presidente da Confederação Empresarial Portuguesa (CIP).

“Sem a Web Summit perderíamos a oportunidade de levar a nossa economia a subir na cadeia de valor para poder exportar também tecnologias”, acrescenta o dirigente da Web Summit.

Ainda que não escape a críticas e reparos, Paddy Cosgrave diz que a aposta no evento em formato on-line representa uma perda de 30 milhões de euros para a CIL e garante mesmo que, se quisesse, teria o direito legal a exigir 24,5 milhões de euros do Estado Português (quando se soma os 11 milhões de euros pagos à CIL diretamente aos custos de promoção, alugueres de espaços, comunicações, etc., que são suportados pelo erário público).

As contas do empresário irlandês têm por base o mesmo contrato de 2018 que prevê o cancelamento sem custos em caso de pandemia. Perante um debate jurídico de difícil conclusão, Paddy Cosgrave prefere apresentar os resultados mais imediatos: “Portugal ainda tem a Web Summit; Espanha não vai ter Mobile World Congress (em 2020)”. Desta vez, bastará um par de cliques para confirmar essa realidade.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: senecahugo@gmail.com

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