Economia

Paddy Cosgrave, criador da Web Summit: “tínhamos direito a receber 24,5 milhões do Estado Português em caso de cancelamento”

Paddy Cosgrave, criador da Web Summit: “tínhamos direito a receber 24,5 milhões do Estado Português em caso de cancelamento”

Paddy Cosgrave garante que teve abdicar de receitas com a realização do evento digital, e mantém otimismo quanto à expansão da FIL: "Talvez em 2022, quando o novo recinto estiver concluído, possamos ter 140 mil ou 150 mil pessoas."

Paddy Cosgrave, criador da Web Summit e líder da empresa que gere o evento, garantiu em entrevista ao Expresso que, de acordo com o contrato assinado com o Governo Português e a Câmara Municipal de Lisboa, a Connected Intelligence Limited (CIL) “teria o direito legal a receber 24,5 milhões de euros do estado português”.

O empresário irlandês, que é o líder da CIL, garante que a empresa que gere a Web Summit vai ter menos receitas devido ao facto de, este ano, a mostra de tecnologia se realizar em formato digital, na Internet, devido às restrições que a pandemia provocou em termos de ajuntamentos e viagens

“Vamos fazer menos 30 ou 25 milhões… simplesmente desapareceram! Esta é a Web Summit mais cara que alguma vez realizámos. Mas ao fazê-lo estamos a manter a relações com Portugal a longo prazo”, garante.

“Tecnicamente os custos suportados pelo Estado Português rondam os 25 milhões de euros e não vamos receber esse total”, frisou, antes de confirmar com os colaboradores da CIL que os custos suportados pelas entidades nacionais rondam os 24,5 milhões de euros.

“A segunda opção (em alternativa ao lançamento de uma edição digital da Web Summit) era termos aceitado as propostas de países do sudoeste asiático para levar a Web Summit de 2020 para fora de Portugal”, acrescenta.

O contrato assinado em 2018 pela CIL e entidades tuteladas pelo Ministério da Economia e da Transição Digital e o Município de Lisboa prevê o pagamento direto de 11 milhões de euros por cada edição da Web Summit em Lisboa. Além desta parcela que é suportada por Turismo de Portugal, AICEP, IAPMEI e Associação de Turismo de Lisboa, os anexos do contrato atribuem às diferentes entidades nacionais a responsabilidade de pagar os valores correspondentes ao aluguer da FIL, um festival gastronómico, Wi-Fi, equipamentos de palco, várias receções, e uma campanha promocional promocional, entre outros custos.

E é à soma destas duas parcelas de custos que, por contrato, terão de ser suportados pelas entidades portuguesas, que leva Paddy Cosgrave a estimar em 24,5 milhões de euros para os custos suportados pelo Estado.

Além de garantir os custos associados ao aluguer do espaço, equipamentos, comunicações ou atividades promocionais, o Estado Português terá de pagar diretamente à CIL 11 milhões de euros por cada edição da Web Summit, durante 10 anos. Mas o mesmo contrato refere na cláusula 18º que, no caso de eventos de “força maior” é possível suspender as obrigações de ambas as partes. O que poderia ser usado como um argumento negocial para libertar as entidades portuguesas do pagamento de 11 milhões ou de qualquer indemnização à CIL.

Em contrapartida, caso seja afetada por eventos de "força maior", a CIL fica dispensada de realizar a Web Summit.

O contrato assinado em 2018 prevê ainda uma prorrogação das obrigações de ambas as partes, caso uma delas seja afetada por eventos relacionados com terramotos, crises nucleares, ou “epidemias ou pandemias”. A parte que sofrer um desses eventos de força maior é denominada no contrato como “Parte Afetada”.

“As obrigações correspondentes da outra parte serão suspensas, e o período para executar essas obrigações será estendido com a mesma extensão que é aplicada à parte afetada”, refere o contrato.

Com base nesta cláusula, João Gonçalves Pereira, deputado e vereador da Câmara de Lisboa pelo CDS, apresentou uma questão formal ao Governo, com o objetivo de apurar se houve ou não tentativa de reduzir custos pagos diretamente à CIL pelo facto de, este ano, o evento enveredar pelo formato on-line.

Na pergunta endereçada ao Governo através da Assembleia da República, o deputado centrista alega uma outra cláusula do contrato, que obriga a organização da Web Summit a ressarcir o Estado Português, caso não leve a cabo a mostra de tecnologias dentro dos moldes acordados.

Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, defendeu em reunião com os vereadores, na passada quarta-feira, que seria um “erro estratégico” cancelar a Web Summit de 2020. A Câmara de Lisboa também confirmou oficialmente que pagou o valor correspondente à parcela que lhe cabe (3 milhões) no total pago à CIL. O Município refere que essa parcela é paga com as taxas turísticas.

O Ministério da Economia e Transição Digital ainda não referiu oficialmente que valor pagou à CIL – apesar de várias vezes questionado para o efeito.

Negociações sem cancelamento

Paddy Cosgrave admite que houve negociações em torno dos compromissos assumidos por cada parte, mas também refere que não houve pressões ou posições inamovíveis que levassem ao cancelamento da realização da Web Summit de 2020 em Lisboa.

O responsável pela CIL recorda que, caso ambas as partes tivessem enveredado pelo cancelamento da Web Summit de 2020, teria de fechar a delegação da empresa em Portugal, que emprega 250 profissionais, “e muitas empresas portuguesas que trabalham no sector (das tecologias) não existiriam em 2021”.

“E não teríamos o software que críamos para suportar o evento na Internet”, acrescenta.

A CIL pretende juntar mais de 100 mil pessoas num evento digital, mas não desiste de levar a cabo a expansão da FIL que também está prevista no contrato de 2018. “Não podemos pôr 70 mil pessoas na FIL e no Altice Arena, porque o espaço é demasiado pequeno para isso. Nas últimas duas edições tivemos sempre o mesmo espaço disponível. Gostávamos de ter 100 mil pessoas… Talvez em 2022, quando o novo recinto estiver concluído, possamos ter 140 mil ou 150 mil pessoas. Estou muito entusiasmado em ver todos os designs e outras coisas, e tenho a certeza de que a construção vai ser muito rápida”, refere, mantendo o otimismo quanto ao cumprimento de prazos pelas entidades portuguesas no que toca à expansão da FIL.

A Web Summit de 2020 decorre entre 02 e 04 de dezembro com objetivo de juntar mais de 100 mil pessoas numa plataforma específica que permite videoconferências e partilha de conteúdos.

No total de participantes que deverão aceder ao evento, figuram 2500 startups e mais de 800 oradores. Cosgrave garante que os maiores países do mundo vão ter representações comerciais e informa que, devido à experiência alcançada com a Collision, evento similar realizado pela CIL no Canadá também em formato digital, a Web Summit deverá beneficiar de uma expansão do período de atividades previsto para cada dia.

“Na Collision, não esperávamos que as pessoas passassem tanto tempo na plataforma e quisemos limitar o evento a seis horas”, refere o empresário garantindo que os visitantes estavam dispostos a passar mais tempo na plataforma “E então expandimos a Web Summit para um total de 12 horas (por dia), dando a possibilidade de as pessoas passarem mais tempo na plataforma – e isso reflete o tempo que as pessoas passam a fazer contactos”, acrescenta.

O facto de não exigir deslocações e poder chegar a qualquer ponto do mundo também poderá ter contribuído para a extensão dos períodos diários da Web Summit de 2020.

Cosgrave recorda que o evento deste ano, que terá preços de bilhete a um quarto do que é o preço médio dos eventos convencionais de outros anos, poderá revelar-se atrativo para pessoas na China, Japão Nova Zelândia, ou outros países distantes que eventualmente teriam dificuldade em deslocar-se a Lisboa, para assistir ao formato convencional do evento.

Convicto de que vai realizar “a maior conferência na Internet de sempre”, Paddy Cosgrave nega estar a organizar apenas uma videoconferência de grandes dimensões. E garante que, apesar das distâncias, o evento digital vai ser mais procurado para estabelecer contactos do que para assistir aos conteúdos veiculados nas palestras. E para proporcionar essa o contacto entre várias pessoas, a Web Summit deverá lançar uma funcionalidade conhecida por “mingle” que deverá pôr em contacto duas ou mais pessoas, de acordo com as escolhas efetuadas por algoritmos de inteligência artificial a partir dos parâmetros ou descrições de perfil de cada uma delas.

“O objetivo principal da plataforma (da Web Summit) não é o conteúdo, mas as relações entre pessoas. As reuniões vão decorrer durante três dias e as entidades portuguesas serão aquelas que têm mais reuniões; vão poder interagir com mais pessoas que nunca, haverá mais meios de comunicação que nunca”, conclui.

O responsável da CIL estima ainda que o retorno em termos de imagem de marca e de divulgação do País possa oscilar entre os 50 milhões e os 100 milhões de euros. E recorda as estimativas do passado que apontavam para um retorno para economia nacional de 300 milhões de euros por cada Web Summit realizada em Lisboa (um estudo da Universidade do Minho estimou esse efeito em 105 milhões de euros em 2017).

“A razão por que França, Alemanha, Espanha, Itália e Reino Unido tentaram ficar com a Web Summit nada tem a ver com restaurantes – nem com a contribuição para a economia local, mas sim com a contribuição estratégica para esses países aderirem à inovação e à tecnologia”, conclui Paddy Cosgrave.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: senecahugo@gmail.com

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate