Economia

CMVM condena KPMG em €1 milhão por conta do BES mas auditora vai para tribunal

Sikander Sattar, presidente da KPMG
Sikander Sattar, presidente da KPMG
Luis Barra

CMVM diz que KPMG prestou falsas informações, bem como considera que houve alertas sobre o BES que ficaram por dar. Auditora impugnou a decisão do supervisor, tal como já tinha feito com a condenação do Banco de Portugal. Discute agora coimas superiores a €4 milhões nos tribunais

CMVM condena KPMG em €1 milhão por conta do BES mas auditora vai para tribunal

Diogo Cavaleiro

Jornalista

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) condenou a KPMG por conta da auditoria ao Banco Espírito Santo e por factos ocorridos entre 2012 e 2015. A coima determinada pelo regulador presidido por Gabriela Figueiredo Dias ascende a um milhão de euros.

Em julho do ano passado, tinha sido já noticiado que a autoridade com poderes de supervisão sobre os auditores tinha avançado para a fase de acusação, em que daria espaço para o contraditório. Só depois decidiria se há mesmo condenação ou arquivamento. E a CMVM considerou ter fundamentação para a primeira.

A informação sobre este processo foi colocada no site da CMVM, sendo que é dito que a auditora impugnou a decisão, pelo que será discutida em tribunal. Como aconteceu com o processo do Banco de Portugal. Ao todo, as coimas nos dois processos são de 4 milhões de euros visando diretamente a KPMG, mas o montante é maior se incluir os revisores oficiais de contas condenados pelo supervisor da banca.

O que motivou a contraordenação

Só em 2016 é que a CMVM passou a ter poderes de supervisão sobre as auditoras, mas a investigação ao papel da KPMG no BES tinha já sido iniciada no antigo Conselho Nacional de Supervisão de Auditoria. Chega, agora, a uma conclusão.

As competências da CMVM prendem-se com a qualidade do trabalho de auditoria. E, no caso da KPMG, foram detetadas falhas no trabalho feito sobre o BES. São inúmeras.

Segundo o resumo da condenação, onde não são dados pormenores específicos, a KPMG é visada por não ter documentado “adequadamente” os procedimentos que seguiu sobre o crédito a clientes de uma das unidades com peso no grupo, e, com isso, não foi dada informação adequada ao supervisor de então. “Não aplicou, na avaliação da prova de auditoria obtida sobre o 'crédito a clientes' de um componente signicativo do Grupo, um nível apropriado de ceticismo profissional”.

Sabe-se que o BES Angola era uma das entidades do BES onde foi registado um descontrolo da carteira de crédito, que acabou depois por influenciar a decisão de aplicar a medida de resolução ao BES, em agosto de 2014.

Falsas informações e falta de alertas

Além disso, diz a CMVM, a KPMG devia ter inscrito reservas nas contas do BES, que é o nível de alerta que uma auditora tem quando não consegue garantir a veracidade do que está escrito. Segundo o regulador, a auditora, “não incluiu – devendo ter incluído - uma reserva (por limitação de âmbito) na opinião emitida na certificação legal de contas e relatório de auditoria sobre as demonstrações financeiras consolidadas auditadas, relacionada com a impossibilidade de obter prova de auditoria, apropriada e suficiente, sobre a adequada valorização (imparidade) do ‘crédito a clientes’ de componente significativo do Grupo (relevado no balanço consolidado do Grupo)”.

Mas também devia ter havido reserva por desacordo do que estava nas contas, nomeadamente por uma inadequada imparidade constituída sobre um ativo imobiliário.

As dúvidas referem-se à certificação legal de contas de 2012 e 2013.

Mas há também a imputação de falsas ao antigo supervisor (que depois a CMVM veio substituir), “respeitantes (i) a factos de que teve conhecimento, no âmbito da revisão legal/auditoria sobre demonstrações financeiras consolidadas (referentes aos exercícios de 2011 e 2012) de uma instituição de crédito emitente de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado, referentes ao trabalho de auditoria levado a cabo sobre o crédito a clientes de um componente significativo do Grupo cujas contas foram auditadas; (ii) ao seu acesso a dois documentos respeitantes um componente significativo do Grupo cujas contas foram por si auditadas”.

Revisores do BES fora da auditoria

A KPMG já tinha sofrido mudanças por conta da ação de supervisão da CMVM, já que, no âmbito da avaliação da idoneidade dos revisores oficiais de contas, os sócios que tinham trabalhado no BES solicitaram o cancelamento dos respetivos registos.

Em causa estavam Inês Viegas, Sílvia Gomes e Fernando Antunes, que continuaram a trabalhar na auditora, mas já não como revisores oficiais de contas. Só em agosto de 2021 podem voltar a solicitar o registo. Inês Filipe e o presidente da KPMG, Sikander Sattar, não eram revisores registados na CMVM, pelo que, aqui, não foram visados.

Condenação de BdP em tribunal

A KPMG é visada neste processo da CMVM quando, no caso do Banco de Portugal, o processo de contraordenação já está a ser debatido em tribunal. A autoridade da banca aplicou uma coima de 3 milhões de euros à auditora, com o presidente, Sikander Sattar, a sofrer uma coima de 450 mil euros, não escapando também a sanções pecunárias os restantes quatro visados. O caso está já em julgamento.

A auditora tem defendido que sempre teve uma articulação exemplar com o supervisor antes da derrocada do BES, mas o Banco de Portugal considerou que houve falhas na fiscalização, nomeadamente na comunicação de problemas, em especial por a KPMG Angola ser a auditora do BES Angola e não ter havido alertas ao supervisor.

(Título corrigido depois de primeira versão indicar erro no valor da coima)

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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