Economia

KPMG em tribunal fala em desaparecimento de informação "curioso" no Banco de Portugal sobre o BES Angola

Sikander Sattar, presidente da KPMG
Sikander Sattar, presidente da KPMG
NUNO BOTELHO

KPMG e sócios condenados pelo Banco de Portugal têm ido ao tribunal de Santarém deixar críticas ... ao Banco de Portugal

A KPMG e dois sócios, todos condenados pelo Banco de Portugal num processo em que as coimas ascenderam a 4,9 milhões de euros, já foram ao Tribunal da Concorrência, em Santarém, no âmbito dos recursos que entretanto apresentaram, deixar dúvidas sobre a atuação do supervisor. Neste terceiro dia, um sócio, também condenado, trouxe um novo facto ao caso: há informação desaparecida.

O sócio da KPMG Fernando Antunes, condenado em 400 mil euros no processo, considerou ser "curioso" que informação relevante sobre o BES Angola, apresentada pela auditora a pedido do supervisor, "tenha desaparecido" do sistema de gestão documental do BdP.

Fernando Antunes, que recorreu da imputação de prestação de falsas informações relativamente ao BESSA para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, declarou ser "completamente falsa" a insinuação constante no processo de que a reunião de 6 de junho de 2014, na véspera da notícia do Expresso sobre a carteira de créditos do BESA que terá precipitado a resolução do BES, aconteceu porque a auditora sabia que esta informação ia ser veiculada.

A KPMG em Portugal, que auditava o BES, e a KPMG Angola, que auditava o BES Angola, eram lideradas à data por Sikander Sattar.

Fernando Antunes disse ser "curioso" que tenha sido o BdP a solicitar uma reunião à KPMG (que auditava as contas consolidadas do BES) "uma semana antes" de a notícia ser publicada e apenas para perguntar aos auditores qual o valor das imparidades da carteira de créditos do BESA caso não existisse a garantia soberana que havia sido emitida pelo Estado angolano no final de dezembro de 2013.

O auditor afirmou que a reunião de 6 de junho se destinou a apresentar o resultado das diligências realizadas pela responsável pela KPMG Angola, Inês Filipe, e que apontavam para um valor de 3,4 mil milhões de dólares de perdas caso não existisse a garantia soberana (de 5,7 mil milhões de dólares).

Fernando Antunes, que liderava a equipa da KPMG Portugal que recebia informação das várias sucursais para análise das contas consolidadas da Espírito Santo Finantial Group, afirmou que a súmula dessa reunião era "a única que não estava no sistema de gestão documental" do supervisor. "Não deixa de ser curioso que informação relevante, apresentada a pedido do Banco de Portugal, tenha desaparecido", declarou.

O sócio da KPMG considerou ainda "profundamente injusto" ser acusado de omissão e de prestação de falsas informações quando o BdP "sabe perfeitamente" que foi a auditora quem obteve a informação que esteve na origem da resolução do BES, em 03 de agosto de 2014.

Fernando Antunes salientou que o supervisor teve conhecimento da existência da garantia soberana antes da auditora e que nunca pôs em causa a sua validade, reconhecendo que "imunizava" eventuais perdas da carteira de crédito do BESA.

O auditor referiu um documento junto aos autos na última sessão, uma carta do Banco Nacional de Angola, de 1 de agosto de 2014, solicitando ao BESA para completar informação sobre créditos de baixa garantia num prazo de 60 dias, o que, no seu entender, "prova" que a garantia existia e estava válida naquela data.

"Todos estavam conscientes de que não havia risco de crédito no BESA", declarou, salientando que isso mesmo foi confirmado na fase de inquirição (já depois da resolução) por responsáveis do BdP.

Por outro lado, nos motivos enunciados pelo BdP para justificar a resolução do BES não constava "nem uma palavra sobre o BESA", disse.

Fernando Antunes disse ainda ter achado "estranho" que o BdP "nunca tenha colocado nenhuma questão" mesmo depois de a auditora ter comunicado, em outubro de 2013, que poderia haver emissão de reserva perante os níveis de imparidades da carteira de crédito do BESA.

Sócia diz que devedores do BES Angola estavam identificados

Anteriormente, a responsável da KPMG Angola disse hoje ao Tribunal da Concorrência, em Santarém, que a carteira de crédito da filial angolana do BES (BESA) tinha identificados todos os mutuários, desconhecendo a auditora se estes eram os beneficiários efetivos.

Inês Filipe, uma das sócias da KPMG que recorreu das coimas aplicadas pelo Banco de Portugal no âmbito do caso BES/BESA, sublinhou que a identificação dos beneficiários efetivos dos créditos não era relevante para a auditora e que só soube que estes eram diferentes dos mutuários quando tomou conhecimento, em janeiro de 2014, da ata da Assembleia-Geral do BESA realizada em 03 e 21 de outubro de 2013.

"Até aí nunca houve qualquer evidência ou comunicação de que os mutuários não fossem os UBO (beneficiários finais)", disse, salientando que essa informação também não era relevante para a análise do crédito, já que o devedor era o mutuário e que estes nunca foram postos em causa pela administração do BESA que iniciou funções em 2013.

Já representante da auditora KPMG disse, há dias, ter dificuldade em entender a acusação do Banco de Portugal (BdP) no âmbito do caso BES/BESA, depois da "interação exemplar" mantida com aquela instituição. Vítor Ribeirinho, legal representante da KPMG, classificou a acusação do supervisor de "injusta, irracional e infundada".

Num depoimento que decorreu ao longo de todo o dia de hoje na primeira sessão do julgamento que decorre no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), Vítor Ribeirinho relatou a atuação tanto da KPMG Portugal como da KPMG Angola (que a primeira foi convidada a apoiar na gestão pela KPMG internacional), destacando a ação tida "na deteção de temas que abalaram a sustentabilidade do BES".

"Não pode a mesma entidade que deteta perdas superiores a 4 mil milhões de euros ser depois acusada de ocultação", declarou, descrevendo os vários momentos de "interação" da auditora com o BdP.

Que julgamento é este?

O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, está a julgar, desde o passado dia 3, os pedidos de impugnação da auditora KPMG e de cinco dos seus sócios às coimas globais de 4,9 milhões de euros aplicadas pelo supervisor no âmbito do caso BES.

No julgamento, que decorre no auditório do Instituto Politécnico de Santarém, está em causa a condenação, pelo Banco de Portugal, da KPMG ao pagamento de uma coima de 3 milhões de euros, do seu presidente, Sikander Sattar, de 450.000 euros, de Inês Neves (425.000 euros), de Fernando Antunes (400.000 euros), de Inês Filipe (375.000 euros) e de Silvia Gomes (225.000 euros), de que todos recorreram.

Na sua decisão, de 22 de janeiro de 2019, que culminou com a autuação em 17 de junho desse ano, o BdP considerou ter ficado provado que, entre 2011 e, pelo menos, dezembro de 2013, os arguidos sabiam que, no âmbito do seu trabalho de auditoria, nomeadamente para efeitos de certificação das contas consolidadas do BES, não tinham acesso a informação essencial sobre a carteira de crédito do BESA e que, pelo menos a partir de janeiro de 2014, sabiam que existia um conjunto de dossiers de créditos considerados incobráveis.

Para o BdP, tais factos deveriam ter determinado a emissão de uma reserva às contas consolidadas do BES e deveriam ter sido comunicados ao supervisor.

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