Economia

“A redução do IVA na eletricidade não pode significar um aumento do consumo ineficiente”

João Moleira, da SIC, foi o moderador deste debate que contou com Pedro Oliveira, em estúdio, e com Francisco Ferreira, Joana Portugal Pereira e Filipe Duarte Santos, através de videochamada. O filósofo José Gil, que estava convidado, não pode estar presente
João Moleira, da SIC, foi o moderador deste debate que contou com Pedro Oliveira, em estúdio, e com Francisco Ferreira, Joana Portugal Pereira e Filipe Duarte Santos, através de videochamada. O filósofo José Gil, que estava convidado, não pode estar presente

Projectos Expresso. Arrancou esta manhã o ciclo de debates "50 para 2050", uma iniciativa do Expresso e da petrolífera BP que se prolongará até meados de novembro. Na próxima terça-feira a discussão continua, igualmente às 11h, no Facebook do Expresso, desta vez para debater as alterações climáticas

“A redução do IVA na eletricidade não pode significar um aumento do consumo ineficiente”

Ana Baptista

Jornalista

O primeiro dos dez debates digitais do projeto “50 para 2050” aconteceu esta terça-feira de manhã, subordinado ao tema “Reinventar a Energia”. E o momento não podia ser mais oportuno. É que hoje foi o dia de apresentação do Orçamento do Estado para 2021 - com medidas reforçadas na área da energia e da descarbonização - e foi também o dia de apresentação do relatório mundial da Agência Internacional de Energia (AIE) e ainda o dia em que o Parlamento Europeu aprovou uma atualização dos objetivos climáticos, prevendo uma redução de 60% das emissões de gases com efeito de estufa para 2030, em vez dos atuais 40%. Aqui ficam as principais conclusões de um debate onde se pediu uma “mobilização social” urgente para se conseguirem atingir as medidas de descarbonização.

Não basta produzir energias limpas, é preciso um consumo mais eficiente

  • “Em 2100 a população mundial deverá atingir os 10 mil milhões e todas as pessoas têm o desejo de prosperidade e isso significa mais energia. As estimativas apontam que o consumo global de energia cresça dos 583 hexajoules de 2017 para 1000 hexajoules em 2050 e temos de encontrar fontes renováveis para tudo isto”, já que o objetivo é reduzir drasticamente a consumo de combustivéis fósseis. Contudo, “se não podemos encher a paisagem de eólicas e painéis solares isso começa a ser um problema perante a escala dos números”, diz Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável.
  • “Não podemos olhar apenas para a oferta, mas também para o consumo e ele tem de ser mais eficiente”, diz Joana Portugal Pereira, autora, entre outros, do 6º relatório de avaliação do Grupo de Trabalho III sobre mitigação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). Aliás, a cientista alerta para o possível perigo da redução do IVA na electricidade, uma medida incluída no Orçamento do Estado para 2021. “Temos de ter atenção para que a redução do IVA não signifique um aumento do consumo de forma ineficiente”, alerta.
  • A solução é, assim, apostar a sério na eficiência energética, mas também na suficiência energética. “O consumo tem de ser eficiente mas, principalmente, suficiente. Por exemplo, o modo de vida dos EUA não é sustentável”, adianta Filipe Duarte Santos.
  • Para isso, diz o presidente da associação ambiental Zero, Francisco Ferreira, é necessário que o Governo faça uma maior divulgação dos apoios que já estão disponíveis. “Temos um programa para ter edifícios mais sustentáveis que tem um total de 4,5 milhões de euros para aplicar medidas de eficiência energética nas casas. Isto dá apoios de 4.500 euros, o que significa que só chega para 1000 famílias, mas mesmo assim é um tipo de informação que tem de chegar às pessoas”.

Criar um verdadeiro mercado de carbono

  • “Defendemos um preço do carbono que integre todas as externalidades porque a partir daí haverá condições para o mundo investir em energias limpas”, diz Pedro Oliveira.
  • Este preço teria de ser, necessariamente, mais elevado que o valor atual, mas para Filipe Duarte Santos, esse “é o caminho mais eficiente” para atingir a descarbonização, “porque permitiria à indústria escolher a fonte de energia mais adequada”.
  • Ainda assim, existem outras alternativas em cima da mesa que podem ser aplicadas e ajudar a atingir as metas impostas. O encerramento das centrais a carvão, o hidrogénio e as biorefinarias são algumas das apostas mais recentes e que até estão incluídas no Orçamento do Estado para 2021.
  • .Há ainda a biomassa, mas tanto Francisco Ferreira como Filipe Santos Duarte alertam para os riscos e ineficiências que tem. Porque tem de se ter cuidado para “não usar madeira boa” e porque o ciclo de vida da biomassa é demasiado “longo para se atingir as metas do acordo de Paris”.

Os riscos de voltar aos níveis pré-Covid

  • “O confinamento por causa da covid-19 foi um modelo laboratorial único que nos alertou para a nossa dependência dos combustíveis fósseis. Com o mundo parado, o consumo de petróleo passou de 100 milhões de barris por dia para 75 milhões de barris por dia. Isto um dado laboratorial importante para percebermos que, num cenário de não sustentabilidade económica, ainda assim, o mundo estava a consumir 75% do que costuma consumir a funcionar em pleno”, diz o CEO da BP em Portugal, Pedro Oliveira.
  • Além disso, também “por causa da pandemia, as emissões de gases com efeito de estufa deverão registar uma redução de 8,6% em 2020”, acrescenta Joana Portugal Pereira.
  • Contudo, diz a cientista do IPCC, “de acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) lançado hoje, se se continuarem a seguir as políticas atuais, entre 2021 e 2023 voltaremos a ter os mesmos níveis históricos de consumo e voltaremos a subir os níveis de emissões”, porque, esta redução das emissões “deve-se a uma quebra das nossas actividades durante a pandemia”.
  • E esse regresso já se nota. “Ao mais pequeno sinal de recuperação económica, o consumo já subiu para 85 milhões de barris por dia”, alertou Pedro Oliveira.

Medidas de choque como a dos sacos de plástico

  • As metas de descarbonização que estão previstas no Acordo de Paris e, de forma mais aprofundada, na estratégia climática da União Europeia, têm apenas 30 anos para ser atingidas mas, dada a atual execução desse planos, essas metas podem estar em risco de ser atingidas. É, por isso, que todos os intervenientes deste sector, sejam empresas, associações e académicos, apelam a que se faça mais e mais depressa, não só da parte da sociedade, mas também da parte dos governos.
  • “É preciso um esforço enorme para chegar à neutralidade carbónica/climática em 2050 e é um esforço que tem de ser feito a partir de hoje”, diz Pedro Oliveira.
  • “Para cumprir acordo de Paris é necessário que as emissões continuem a cair 6% a 8% todos os anos nos próximos dez anos. O desafio que temos pela frente é gigantesco e tem de haver uma mobilização social”, diz Filipe Duarte Santos. Algo que não tem acontecido até agora porque, diz Pedro Oliveira, “enquanto sociedade movemos-nos por incentivos e vivemos estas questões da energia como um problema de todos e não um problema individual, e quando assim é, faz-se menos”.
  • De acordo com Francisco Ferreira, o que a sociedade precisa é de “medidas de choque, como a dos sacos de plástico, por exemplo”, porque só assim as pessoa vão “perceber a urgência” da eficência e das energias limpas.

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