A presidente do Conselho das Finanças Públicas, Nazaré da Costa Cabral, considera que os novos fundos que aí vêm do instrumento de recuperação europeu são “uma boa oportunidade de desenvolvimento sustentável do país”.
Mas, a menos de um mês da apresentação do Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal à Comissão Europeia, há três questões que “ainda não foram devidamente abordadas, nomeadamente pelos responsáveis políticos”.
“A necessidade, a eficiência e eficácia e a operacionalidade desses fundos são três questões que, sinceramente, ainda não vi ninguém abordar e que têm de ser respondidas”, fez questão de alertar na entrevista dada ao Expresso.
Eis as três “questões que ainda não estão resolvidas” para a presidente deste organismo independente que tem por missão fiscalizar o cumprimento das regras orçamentais e a sustentabilidade das finanças públicas em Portugal.
Onde vamos empregar os fundos?
“A questão é desde logo saber onde vamos empregar os fundos. Para que é que eles vão ser necessários?”, pergunta Nazaré da Costa Cabral.
A presidente do CFP alerta que não basta investir para cumprir a nova agenda ambiental e digital europeia. Os investimentos a concretizar também devem responder à exigência trazida pela própria crise pandémica: a necessidade de reconversão económica do país.
“É que há muito sectores, muitas indústrias portuguesas, que terão de se reconverter neste novo quadro gerado pela pandemia. Sectores que são muito importantes, como o turismo, o têxtil, o calçado... Áreas que temos de ver como podem ser reconvertidas para fazer face a esta disrupção que aconteceu”.
Porque a Covid-19 provocou uma "disrupção" e não apenas uma "suspensão", explica.
"Nós não temos a nossa vida suspensa. Houve aqui uma verdadeira disrupção económica, com alterações de preferências ou dos padrões de consumo. Portanto, esta crise acelerou um conjunto de tendências ambientais e digitais que já vinham de trás, mas também criou novas exigências do ponto de vista do consumo, das preferências, da procura”.
Neste contexto, deixa a seguinte pergunta: “Como é que vamos aproveitar o capital e a tecnologia que temos para empregar na reconversão económica a fazer?”.
Como podemos mais valor ao dinheiro?
A segunda questão colocada pela presidente do CFP é sobre a eficiência a eficácia dos novos fundos europeus.
“Devemos ter mecanismos de escrutínio, sobretudo de análise, coisa que, infelizmente, não tivemos no passado”, diz Nazaré da Costa Cabral. “Temos de saber exatamente como vamos empregar os recursos para podermos otimizar os recursos que temos e dar mais valor ao dinheiro”.
"Devemos ter uma grande capacidade de acompanhamento por parte do Parlamento, do Tribunal de Contas, dos organismos independentes e dos cidadãos em geral. Ou seja, há todo um quadro institucional novo – próprio dos países desenvolvidos – que temos de criar", exige.
E temos condições para aproveitar os fundos?
“A terceira e última questão que não está resolvida é a da operacionalidade dos fundos”, adverte Nazaré da Costa Cabral.
Uma coisa é os fundos estarem disponíveis e outra coisa é saber se o país tem condições de os aproveitar, do ponto de vista jurídico ou orçamental.
“Do ponto de vista jurídico, sabemos que nem sempre aproveitamos os fundos no passado por que existiam desde logo constrangimentos legais, por exemplo, ao nível da contratação pública”, lembra a presidente do CFP.
“E há um conjunto de restrições e constrangimentos orçamentais”, acrescenta perante o elevado endividamento público com que o país se defronta.
No caso de subvenções que exigem uma contrapartida nacional, “temos de saber se há condições para as acompanhar e aí tudo depende da taxa de comparticipação nacional”. No caso de empréstimos, terão "taxas de juro muito mais favoráveis, mas também impacto financeiro”.