Economia

Líder da Flixbus explica como se transforma as viagens de autocarro, "sem truques nos preços"

André Schwämmlein, diretor executivo da Flixbus
André Schwämmlein, diretor executivo da Flixbus
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A Flixbus aproveitou a liberalização do segmento das viagens de autocarro de longo curso para tentar replicar em Portugal o sucesso alcançado na Alemanha, onde lidera o ranking dos investimentos em startups

Andre Schwämmlein, fundador e diretor da Flixbus, tem vindo a conquistar clientes na Europa, EUA e América Latina com uma plataforma que permite estabelecer parcerias com empresas que pretendem entrar no segmento das viagens de autocarro de longo curso. Os preços baixos são o fator diferenciador, mas a Fluixbus rejeita qualquer comparação com as companhias aéreas low cost.

Se disser a um português que pode comprar um bilhete de autocarro de Lisboa para o Porto a 10 euros, ele vai responder que há alguma coisa errada nesse preço…

Essa não é uma reação exclusiva dos consumidores portugueses, mas de todos consumidores dos vários países à volta do mundo. A mensagem pode ser encarada de duas formas: por um lado, queremos ser atrativos e fazer uma oferta que leve o consumidor a considerar que é atrativa, que não é normal, mas é extraordinária. Mas por outro lado, queremos estar aqui como estamos em todos os mercados: como um operador significativamente mais acessível que os operadores históricos do ponto de vista dos custos. Temos de compreender a procura do consumidor e temos de adaptar preços, horários e marketing para as coisas que os consumidores realmente precisam. Queremos ser, numa base sustentável, mais acessíveis. Com isso, estamos a criar mais oportunidades para mais pessoas viajarem. Claro que também fazemos pacotes promocionais e coisas do género… mas todos os mercados em que entramos crescem; há mais consumidores que têm a oportunidade de viajar, e as viagens estão mais atrativas. Começámos na Alemanha há sete anos, e nessa altura as pessoas diziam que não era possível (ter aqueles preços), que era injusto e demasiado baixo (o valor cobrado). Mas os preços ainda são os mesmos do lançamento; tivemos de encher mais autocarros, e focarmo-nos naquilo que os consumidores querem em termos de preços, horários, e viagens – e aí já é possível fazer um bom negócio para todos, em especial para os consumidores.

Os vossos preços só são possíveis porque a FlixBus não tem os custos associados ao histórico, à gestão dos terminais… e até os autocarros e motoristas trabalham para os parceiros e não para vocês.

No final, quem tem a possibilidade de viajar connosco vai ver que temos autocarros novos, motoristas bem pagos e bem formados; o que vai ver é um bom serviço, que é o que consistentemente temos vindo a disponibilizar na Europa. Não há qualquer truque do ponto de vista do preço. É tudo muito transparente. Os autocarros são comprados aos mesmos fabricantes (que fornecem os operadores concorrentes) e geralmente são comprados os autocarros mais caros. Há uma escassez de motoristas em toda a Europa. Um motorista que não seja bem pago vai facilmente para outra companhia, porque há procura por motoristas em todas as regiões. Os custos também são iguais nas bombas da gasolina. Não somos uma companhia aérea low-cost. Estas companhias aéreas ganham mercado porque têm produtos mais baratos. O nosso serviço não é melhor só porque temos preços mais baixos. Em alguns casos, até podemos ser mais caros… mas aquilo em que somos melhores é a perceber as necessidades e a procura dos consumidores… para no final enchermos os autocarros, e alargarmos o mercado. Quando estreámos na Alemanha, o principal circuito já era entre Hamburgo e Berlim – e o mesmo acontece com as duas principais cidades portuguesas. (Na Alemanha) o operador histórico fazia 16 serviços destes por dia. Eles não acreditavam neste mercado. Os autocarros deles andavam com taxas de ocupação de 30% a 40%, com preços altos e eles acreditavam que aquele era o produto possível neste mercado. Quando entrámos, mudámos as regras do jogo. Introduzimos novos horários, novas paragens e melhores produtos a metade do preço, a seguir à liberalização. O mercado explodiu. E passámos a ter mais de 50 viagens por dia – e os autocarros passaram a ter o dobro a utilização face ao que se passava no passado. Mercado cresceu dez vezes face ao que havia anteriormente.

Um dos autocarros que trabalham com a Flixbus
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Os concorrentes seguiram os vossos preços?

Sim, seguiram. Mas nós não queremos ser os mais baratos. Queremos ter a melhor oferta para o consumidor, seja na experiência offline ou na experiência de reserva na Internet, ou nos horários, ou nos preços, ou na rede de itinerários… Tudo isto tem de ser encarado como o melhor para o consumidor. E não se trata aqui de ser 50 cêntimos mais barato que os outros. Mas sim, os preços baixaram muito e é por isso que o mercado explodiu de uma forma muito positiva na Alemanha. É algo que queremos que aconteça em todos os mercados. Acreditamos que é uma forma de viajar. Além de sermos amigos do ambiente e muito eficientes, acreditamos que o turismo é bom para a Europa, e alarga os horizontes. Muitos dos problemas que tivemos no passado no nosso Continente devem-se ao facto de não conhecermos os países vizinhos. É algo que, nós, europeus devíamos fazer mais: conhecer outras culturas e outros povos, deveríamos tornar-nos mais cidadãos europeus, em vez de cidadãos com nacionalidades.

Como é que funcionam os preços dinâmicos?

Genericamente, o fator com maior peso é: quanto mais cedo se comprar o bilhete, mais barato será. É um elemento que já é conhecido nas companhias aéreas. Claro que vai sempre haver preços especiais para novas ligações ou para certas estações do ano. Mas genericamente, quanto mais cedo e mais vazio estiver o autocarro, mais barato será o bilhete. Mas vamos ter preços acessíveis para todas as viagens. Queremos ser uma alternativa atrativa. Não é algo que, em dois anos, passa a ter os preços mais altos do mercado. Isso foi previsto em todos os mercados em que entrámos. Diziam que parecíamos mais baratos que as outras empresas, e que os preços haveriam de mudar, mas isso nunca aconteceu. Hoje, todos preços estão muito abaixo de quando entrámos. E sim, se houver uma promoção é mesmo possível viajar com preços superbaixos. Há promoções que permitem viajar pelo país inteiro por 10 euros. Mas não são todas as viagens a 10 euros – temos de fazer negócio. Mas genericamente falando conseguimos ser 50% mais baratos que os operadores históricos.

É fácil encontrar parceiros em Portugal e no resto da Europa? Que tipo de parceiros é que trabalham convosco?

Sim, é importante ter bons parceiros, como as companhias que já trabalham. E é necessário que haja bons autocarros e bons motoristas, para disponibilizar preços sustentáveis a longo prazo. As pessoas podem ir ter connosco uma ou duas vezes, mas se não apresentarmos um bom produto não vêm ter connosco. Temos de descobrir clientes todos os dias. E precisamos de bons parceiros. Temos uma oferta atrativa para as empresas de autocarros, porque estamos numa área que é das poucas que estão a crescer neste mercado e que dizem respeito às viagens de longo curso. Para muitas empresas, é uma nova área em que não conseguiriam entrar sozinhas. E por isso estamos contentes com o facto de termos parceiros em toda a Europa e também em Portugal, onde temos dois parceiros locais. Temos uma visão conjunta, não se trata apenas uma transação em troca de autocarros; queremos construir algo em conjunto. Viemos para ficar. Queremos criar um negócio para as próximas décadas e não apenas para amanhã. Queremos parceiros que queiram criar alguma coisa connosco. Com esta oferta estamos a promover um o modelo de negócio que permite o crescimento e que permite empregar mais pessoas. É essa proposta que temos para os nossos parceiros, e é por isso que eles gostam de nós, e encontramos parceiros empreendedores.

Quais as percentagens das receitas que partilham com os parceiros?

A maioria da receita vai para os parceiros porque eles fornecem os autocarros e os motoristas, e a plataforma (disponibilizada pela FlixBus) tem menos custos. Não revelamos as percentagens que entregamos aos parceiros. Em complemento com essa percentagem, pagamos um mínimo para dar segurança aos parceiros, que sabem que vai ser um desafio duro no início, mas também sabem que connosco têm uma opção menos arriscada, sem terem de assumir todos os custos da operação.

Há algum controlo de qualidade do serviço prestado pelos parceiros?

A coisa mais importante é escolher as pessoas certas para as parcerias. Na indústria europeia todos nos conhecem, e somos acessíveis, e trabalhamos com centenas de empresas de autocarros há vários anos. Sabemos com quem podemos trabalhar e quem apresenta serviços de qualidade. É uma indústria pequena e sabemos quem presta bons serviços. Temos cuidado em escolher parceiros empreendedores. Além disso, somos nós que definimos que tipo de autocarros devem ser usados, o tipo de equipamentos que devem estar disponíveis a bordo, e como é que o autocarro deve ser apresentado. Definimos o produto. É possível ter o melhor autocarro, mas se não houver um parceiro empreendedor não teremos o melhor produto. O desafio passa por descobrir as pessoas certas.

Têm dois parceiros em Portugal… não precisam de mais parcerias em Portugal?

Se olharem para a nossa presença em Portugal, verificam que iniciámos ligações vindas do estrangeiro desde 2017, e garantimos assim a ligação de Portugal ao resto da Europa. Estamos contentes por Portugal ter decidido abrir o mercado. A sociedade beneficia disso. É uma decisão fácil para os políticos, que, assim, podem criar emprego e desenvolvimento económico, sem terem de fazer investimentos – e ainda garantir receitas através de impostos, devido a esse sucesso económico. Ficámos muito felizes por saber que Portugal ia liberalizar o mercado. Como companhia podemos trazer valor para o mercado. Se não tivermos preços atrativos e um bom produto, não teremos hipóteses de ser bem-sucedidos. Logo, temos de mostrar que acrescentamos valor. Estamos muito contentes com o que temos conseguido em Portugal. É notório que os terminais nos estão a dar a hipótese de mostrar os nossos serviços. Queremos crescer mais, mas temos de mostrar o nosso valor aos portugueses. Se formos bem-sucedidos, poderemos crescer no número de parceiros e profissionais. Queremos criar uma boa oportunidade para o mercado das viagens de autocarro. Em todos os sítios em que entrámos, mostrámos que o segmento dos autocarros pode ser um bom produto, em complemento com os aviões, os comboios ou o automóvel. Mas o principal alvo está nos carros pessoais. Temos de ser atrativos o suficiente para levar as pessoas a deixarem de usar os seus carros. Se conseguirmos isso, vamos de certeza crescer. Não estamos aqui para andar a dar uma voltas de autocarro, mas sim para fazer crescer o mercado.

Mas o crescimento implica mais parceiros…

Já temos parceiros, e queremos crescer com eles, porque confiaram em nós. E essa é a decisão mais difícil. À medida que formos lançando as outras operações será mais fácil outros verem que é mais fácil entrar no mercado, e confiar na FlixBus. Claro que vamos privilegiar os parceiros que começaram a trabalhar connosco, mas a nossa ambição é crescer, mas temos de ver com a nossa equipa local onde é que vai ser feito esse crescimento e se são necessárias novas parcerias.

Não sentiu nenhuma dificuldade em entrar no mercado nacional? E nos outros países liberalizados?

Temos aprendido muito com os mercados que estão liberalizados há mais tempo, como a Dinamarca, Suécia e Reino Unido… mas a partir do momento que houve a liberalização do mercado criou-se um momentum na UE, e a Itália e a França foram atrás. Muitos governos perceberam as vantagens de abrir o mercado. Se o negócio das companhias aéreas está liberalizado, seria absurdo não ter o negócio das viagens de autocarros não estar liberalizado. Há muito poucos países na UE que ainda têm barreiras… posso nomear a Espanha e a Grécia, mas acho que é algo que se tem de perguntar a esses governos se as pessoas não merecem ter mercados abertos. Normalmente, os mercados fechados têm menor qualidade, preços mais elevados, e monopólios – o que leva muito dinheiro aos consumidores e não é benéfico para a sociedade. Mas no geral os mercados estão a abrir. Penso que foi também uma boa decisão do governo português. Vemos, a uma escala mais pequena, questões relacionadas com o acesso aos terminais ou com a regulação relacionada com a atribuição de licenças… vemos estas pequenas questões que também encontrámos em toda a Europa, por parte de operadores que querem bloquear concorrência… são pequenas coisas, mas podem limitar o mercado Somos muito persistentes. Mas se há vontade política, como houve em Portugal, para criar um mercado aberto, e mesmo assim, uma empresa tiver medo da concorrência, então é porque essa empresa sente que o seu produto não é suficientemente bom. É algo que também já vimos acontecer nas telecomunicações, companhias aéreas, etc., e que permitiu gerar novos produtos.

E há muitos mais concorrentes de nova geração a entrar no mercado, como a FlixBus?

Quando os mercados europeus começaram a abrir, muitas empresas tentaram estabelecer-se. A subcontratação é algo que já existe há muito tempo, mas não é bem isso que fazemos. Queremos empreendedores (para parcerias). Temos muitos concorrentes na Europa, talvez uns 50. Gostamos de competição. É algo que nos move: acordar de manhã e lutar pelos clientes. Mas a forma como a FlixBus opera é única.

E a pandemia não vos estragou esses planos ambiciosos?Hoje, não podemos encher os autocarros a 100%, devido à pandemia. Esta é uma das regras aplicadas no início da pandemia em alguns mercados europeus. Mas, entretanto, Portugal é o único país que ainda mantém essa limitação; os outros países acabaram com essa limitação. Não podemos tratar de formas diferentes autocarros e aviões… e nos aviões é possível ocupar todos os lugares. Aprendemos imenso com a pandemia, e o que vemos é que ainda não chegou ao fim. Não quero relativizar os esforços que têm sido feitos, mas acho que disponibilizamos o que de melhor pode ser feito na prevenção do coronavírus. Geralmente, os focos locais de infeção não se devem aos transportes, mas a contágios locais. Os custos económicos destas medidas (de contenção) são grandes, e não é possível ter um negócio lucrativo com esta limitação. Todos os países retiraram esta limitação – mas impuseram requisitos no que toca à higiene, segurança e gestão de dados para a monitorização de passageiros (para o caso de ser necessário lançar alertas de contágio). Nenhum país tem esta limitação ainda, a não ser Portugal. É algo que temos vindo explicar a vários governos.

A pandemia tem tudo para arruinar o negócio das viagens…

É, sem dúvida, uma ameaça. Basta ver o que tem feito aos operadores históricos da indústria da mobilidade. A nossa empresa foi criada durante a crise. Para nós, Portugal é um novo mercado. Entrar neste mercado durante a maior crise de sempre para a mobilidade mostra que somos uma empresa ambiciosa. Com estas limitações de transporte, nenhuma companhia será lucrativa. Na Alemanha, os transportes rodoviários e os aviões não têm limitações, e a pandemia está controlada.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: senecahugo@gmail.com

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