Economia

iLof: a startup do Porto que usa a luz para desvendar doenças

Joana Paiva, Luís Valente, Paula Sampaio e Mehak Mumtaz pretendem levar a iLof para a liderança das tecnologias de triagem que permitem desenvolver medicamentos personalizados
Joana Paiva, Luís Valente, Paula Sampaio e Mehak Mumtaz pretendem levar a iLof para a liderança das tecnologias de triagem que permitem desenvolver medicamentos personalizados
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A iLof garantiu dois milhões de euros no prestigiado EIT Health, com um dispositivo que ajuda a escolher os medicamentos mais indicados para cada doente. Alzheimer, AVC, cancro e Covid-19 figuram nos alvos prioritários

Luís Valente conhece bem o grau de exigência da indústria farmacêutica: “Um medicamento que funciona bem em 20% dos doentes, mas não funciona com 80% dos doentes vai acabar por ir para a prateleira”. “Ir para a prateleira” é uma metáfora usada para os medicamentos que não chegam a entrar no circuito comercial. Enquanto diretor executivo da iLof, Luís Valente está apostado em usar a tecnologia fotónica para detetar nanoestruturas no sangue ou outras amostras biológicas, de modo a que os medicamentos vão parar à prateleira das farmácias – mas para poderem ser receitados às pessoas que podem beneficiar deles, e sem metáforas à mistura.

O primeiro desafio da startup sedeada no Centro de investigação Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto não poderia ser mais exigente: “em 15 anos, mais de 400 estudos estudos científicos falharam no desenvolvimento de terapêuticas para a Alzheimer. Um médico usa hoje as mesmas ferramentas de há 15 anos. Não há nada que possa ser usado como terapêutica que se tenha a certeza de que é eficaz”, explica.

A Alzheimer é apenas o princípio de uma ideia de negócio que começou a ser desenvolvida em torno do trabalho de Paula Sampaio, no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (I3S) e de Joana Paiva no Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência da Universidade do Porto (INESC TEC) . No verão de 2019, a empresa ficou constituída – e ainda no ano passado garantiu, através do prestigiado concurso europeu EIT Health, promovido pela Comissão Europeia, dois milhões de euros de investimento.

Ilustração do dispositivo que a iLof pretende desenvolver para fazer a análise de amostras de sangue e outros fluídos fisiológicos
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Em 2020, já com boa parte da humanidade confinada em casa, surgiu um novo desafio: a análise reflexos de sinais de luz também poderá ser usada para conhecer os perfis biológicos de doentes de Covid-19.

Este último projeto, que foi financiado pela Fundação para Ciência e Tecnologia (FCT), vem juntar-se a todas as outras potenciais aplicações da tecnologia desenvolvida pela iLof. A jovem empresa portuense tem como principal alvo desenvolver um método de triagem para a Alzheimer, mas também acredita que as mesmas técnicas são fiáveis para o conhecimento mais detalhado do perfil biológico de um doente de cancro gástrico, ou doenças associadas aos acidentes cardiovasculares (AVC).

Estas são apenas as maleitas que a empresa nortenha definiu para raio de ação inicial. Em teoria, é possível admitir que a análise de nanoestruturas através de técnicas de fotónica possa ser aplicada a qualquer doença, para identificar o perfil biológico, que permite apurar rapidamente quais os fármacos com maior taxa de sucesso. O que pode acelerar o desenvolvimento de terapêuticas personalizadas.

“Na área da oncologia, já se vai usando medicamentos tendo em conta o perfil biológico e genético dos doentes, através de tentativa e erro e produzindo, por vezes, efeitos secundários. Mas penso que é algo que as outras especialidades ainda não o fazem”, explica Luís Valente.

Dos microplásticos à medicina

A iLof está apostada em substituir a lógica de tentativa e erro com uma tecnologia que, nos testes efetuados, demonstrou taxas de sucesso de 89% a 91% na triagem de diferentes doenças. A técnica criada nos laboratórios portuenses, que há cerca de quatro anos começou por ser experimentada na análise de microplásticos na água, evoluiu para o desenvolvimento de um dispositivo com um cabo de fibra ótica, que emite sinais luminosos para uma lente que, por sua vez, foca esses sinais numa amostra de sangue ou de outros fluidos biológicos.

A iLof tem vindo a ocupar um dos laboratórios da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
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Os reflexos produzidos por esses sinais luminosos nas amostras são depois analisados por algoritmos de inteligência artificial que foram “treinados” para distinguir a presença de diferentes nanoestruturas em cada amostra. Todo este processo de análise de amostras foi pensado para demorar apenas meia dúzia de minutos, podendo ser executado por enfermeiros de uma unidade clínica e o recurso à Internet para que a análise das amostras seja efetuada, de forma anonimizada, pelos algoritmos criados pela iLof, numa lógica de cloud computing (computação disponibilizada remotamente por servidores, através da Internet).

O “treino” destes algoritmos tem por base a deteção de padrões de reflexos de sinais luminosos produzidos por diferentes nanoestruturas. A iLof conta produzir, ao longo do tempo, bases de dados com padrões identificativos de nanoestruturas associadas a várias doenças e perfis biológicos, a fim de disponibilizar aos médicos informação útil que permitirá prescrever os medicamentos mais indicados a cada caso.

“Imagine que há estudos clínicos que indicam que determinados doentes têm uma determinada proteína no sangue. O nosso algoritmo pode ser “treinado” a para aprender a distinguir a presença dessa proteína através dos reflexos de luz (produzidos pelas diferentes nanoestruturas da proteína). Nesses casos, os médicos passam a dispor de uma ferramenta que os ajuda a escolher os medicamentos que são mais eficazes para essa proteína”, explica Luis Valente.

A startup nortenha conta desenvolver um dispositivo portátil que poder

aser instalado facilmente em qualquer laboratório ou unidade clínica. Até à data, os mentores desta tecnologia identificaram dois grupos de potenciais clientes: laboratórios especializados no estudo clínico de doentes, e empresas de biotecnologia. Esta expectativa começou a ser cumprida com acordos recentes com três grupos farmacêuticos – “sendo que dois deles pertencem ao top 4 mundial do setor”.

Hoje, a startup apresenta-se ao mundo com uma solução de triagem, mas o roteiro de negócios não descarta a possibilidade de funcionar como alternativa a ferramentas invasivas que hoje são usadas para o diagnóstico ou para o estudo de diferentes doenças. A triagem da Alzheimer foi definida, desde os primeiros tempos como alvo prioritário, devido ao facto de exigir punções lombares e tomografias computorizadas e apresentar uma elevada taxa de desistência ou rejeição entre os doentes que se suspeita sofrerem desta doença. A alternativa a estas tecnologias de triagem passa por questionários que nem sempre garantem a precisão necessária.

“Hoje cada teste efetuado com um doente durante um estudo clínico relacionado com a Alzheimer tem um custo médio de €2000. Só que 90% desses doentes desistem antes de fazer os testes. E dos 10% que fazem os testes, há 80% que acabam por ser descartados por não terem o perfil biológico indicado para um medicamento experimental. A nossa solução é mais rápida, não é invasiva, e apenas exige uma amostra de sangue para fazer um teste clínico”, acrescenta Luís Valente.

Também para a Covid

O gestor da iLof está convicto de que também o estudo clínico da Covid-19 pode beneficiar dos mesmos métodos e tecnologias, para conhecer quais os efeitos que o vírus poderá ter em cada pessoa e quais os resultados que podem ser obtidos através dos diferentes medicamentos no combate à infeção.

“Prever a evolução da infeção pode ser importante para decidir se uma pessoa pode ou não ser tratada em casa. O que significa que esta ferramenta pode ser útil para a gestão dos recursos de um hospital”, acrescenta Luís Valente.

A iLof não está sozinha no segmento das tecnologias que pretendem acelerar na escolha de fármacos mais eficazes ou no desenvolvimento de medicamentos personalizados. Os mentores da startup já identificaram potenciais concorrentes na Alemanha, EUA e Singapura. Além do investimento garantido no EIT Health, a startup conta lançar-se ao promissor segmento tendo como suporte os investimentos recentes que vieram da Microsoft Ventures e do fundo Mayfield.

“Dentro de 24 a 36 meses, haverá uma empresa com uma quota significativa na triagem que tem por objetivo a medicina personalizada. Acreditamos que vamos ser essa empresa”, conclui Luís Valente.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: senecahugo@gmail.com

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