A defesa de António Mexia e João Manso Neto, administradores da EDP, passou ao ataque e deixa duras críticas à atuação do Ministério Público no processo em que os dois gestores são arguidos. Na resposta à proposta de novas medidas de coação, a que o Expresso teve acesso, os advogados de Mexia e Manso Neto acusam o MP de “fraude à lei”, de quererem promover um “julgamento sumário” e de construírem uma “narrativa criativa” para chegarem às suspeitas de corrupção.
A resposta dos advogados é quase tão longa como o documento com que Mexia e Manso Neto foram confrontados há quase três semanas propondo o agravamento das medidas de coação, com destaque para a suspensão dos cargos na EDP, o depósito de cauções no valor de três milhões de euros e a apreensão de passaportes e proibição de sair do país. A resposta de Mexia e Manso Neto, assinada pelo escritório de advogados Vieira de Almeida, leva 178 páginas. E os termos para com o MP são tudo menos simpáticos.
Além de criticarem a desproporcionalidade das medidas de coação propostas e de afirmarem que o MP não demonstra factos que provem a necessidade de agravamento dessas medidas (para já, e desde 2017, apenas termo de identidade e residência), os advogados de Mexia e Manso Neto também notam não haver factos novos que sustentem o reforço das medidas, já que todos os elementos invocados pelos procuradores do MP são conhecidos desde pelo menos 2018.
Os advogados dos gestores acusam o MP de “fraude à lei” por tentar obrigar António Mexia e Manso Neto a não conseguirem exercer as suas funções ao privá-los de passaportes e deslocações ao estrangeiro (frequentes numa empresa presente em mais de uma dezena de geografias), caso uma outra medida de coação proposta, a de suspensão dos cargos, não seja aprovada pelo juiz Carlos Alexandre.
A defesa de Mexia e Manso Neto classifica como ilegal a suspensão de funções, que apenas poderá ser deliberada pelos acionistas da EDP e nota que nenhum dos dois é funcionário público nem administrador de empresa concessionária de serviços públicos.
Mas na sua resposta, os advogados dos gestores vão mais longe. Começam por afirmar que “sob a capa de medidas de coação, o que este MP pretende impor aos arguidos são penas, por via da realização de um julgamento sumário”. “Este Ministério Público não visa acautelar perigos, não se pauta pela proporcionalidade e não quer saber da presunção de inocência dos cidadãos”, criticam os advogados. Que acrescentam, ainda, que o objetivo dos procuradores é o de “diminuir pessoas, amesquinhar personalidades e reduzir a capacidade de defesa efetiva de dois seres humanos que são arguidos em processo penal”.
A defesa de Mexia acusa ainda o MP de promover uma “intifada e desconchavada investigação” para afastar os dois gestores da EDP.
“Dúvidas não nos restam de que a história contada pelo Ministério Público não passa disso mesmo: de uma narrativa criativa do titular de ação penal que não encontra respaldo na verdade dos factos”, pode ainda ler-se na resposta dos advogados de António Mexia e João Manso Neto.
António Mexia e João Manso Neto são arguidos neste processo desde junho de 2017. O MP pediu o reforço das medidas de coação imputando-lhes suspeitas de quatro crimes de corrupção ativa e um de participação económica em negócio. Caberá nos próximos dias ao juiz de instrução, Carlos Alexandre, decidir, em face da proposta do MP e da resposta dos arguidos, que medidas de coação serão aplicadas.
Ignorar estudos, falta de rigor, condicionamento de testemunhas
Na sua defesa, os advogados de Mexia e Manso Neto recuperam muitos dos argumentos já apresentados publicamente pela EDP (na comissão parlamentar de inquérito mas também em documentos enviados ao MP) para contestar a suspeita de que a empresa foi beneficiada por vários atos do antigo ministro da Economia Manuel Pinho.
A defesa de Mexia realça, por exemplo, que a decisão de cessação dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) e sua substituição pelo regime CMEC – Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual remonta a 2004, antes de Mexia e Manso Neto integrarem a administração da elétrica e de Manuel Pinho se tornar ministro. E a concretização dos CMEC, incluindo a extensão do domínio público hídrico em 2007, notam os advogados, “foi feita em condições mais favoráveis para o Estado e consumidores (e menos favoráveis para a EDP) do que aquilo que teria ocorrido se tivesse sido aplicada, sem mais, a legislação de 2004”. Para o sustentar, a defesa de Mexia aponta os estudos feitos pelos professores de Economia João Duque e Clara Raposo, bem como pela Deloitte e professores da Nova SBE.
A defesa de Mexia acusa o MP de não tomar em consideração esses estudos, contrariando a tese de que as decisões governamentais de 2007 beneficiaram economicamente a EDP (tese essa que o MP suportou em pareceres de especialistas do regulador da energia e do antigo administrador da REN Paulo Pinho, bem como da funcionária da REN Maria de Lurdes Baía).
Os advogados dos gestores acusam o MP de “criteriosamente ignorar” todos os testemunhos que contrariavam a tese de a EDP ter sido beneficiada em 2007.
A defesa de Mexia também aponta o dedo ao MP, denunciando um “atrevimento insustentado” em acusar o gestor de um risco de condicionamento de testemunhas. Na versão dos advogados do gestor, é o MP quem vem condicionando testemunhas. A defesa de Mexia nota que, em vários momentos do depoimento do antigo diretor-geral da Energia José Perdigoto, “veladamente deu nota a testemunha que o seu estatuto processual poderia, no futuro, vir a ser outro”, após Perdigoto ter assumido não ter memória sobre se António Mexia esteve numa reunião com Manuel Pinho, antes de este nomear José Perdigoto diretor-geral, em 2008.
Os advogados do presidente da EDP imputam ainda ao MP falta de rigor, com erros nos cargos atribuídos a Mexia e Manso Neto e nas datas de desempenho dessas funções, bem como desconhecimento sobre a estrutura do grupo e a autonomia da EDP Distribuição (concessionária da distribuição de eletricidade em baixa e média tensão) dentro do grupo EDP.
Falta de investigação
A defesa de António Mexia e Manso Neto também critica o MP por deficiências na investigação. Um dos exemplos dados é o de que a Home Energy (empresa de certificação energética que a EDP comprou em 2010) tinha uma cláusula que obrigava o seu acionista minoritário (Miguel Barreto) a vender a sua posição caso o acionista maioritário (Martifer) decidisse vender a empresa.
Ora, o negócio da Home Energy, que rendeu a Barreto (antigo diretor-geral de energia de 2004 a 2008 e também arguido neste processo) um encaixe de 1,4 milhões de euros, é um dos pontos que sustentam as suspeitas de corrupção ativa de Mexia e Manso Neto: alegadamente, na versão do MP, premiaram Miguel Barreto com a compra da Home Energy, depois de o ex-diretor-geral ter assinado um despacho que confirmava que a central termoelétrica de Sines poderia operar sem prazo. Barreto, aliás, já sublinhou que esse despacho se limitava a aplicar o disposto na legislação do setor elétrico, previsto desde a década de 1990.
Por outro lado, os advogados de Mexia e Manso Neto também acusam o MP de considerar os gestores suspeitos de corrupção ativa relativamente ao ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade (2012-2015), passando ao lado de um conjunto de medidas que este aprovou e que se traduziram em custos significativos para a EDP.