Portugal abre as portas de dentro para fora

Projetos Expresso. Retoma Operadores do sector estão cautelosamente otimistas quanto à recuperação e apostam no mercado interno para fazer face às restrições internacionais de circulação
Projetos Expresso. Retoma Operadores do sector estão cautelosamente otimistas quanto à recuperação e apostam no mercado interno para fazer face às restrições internacionais de circulação
Jornalista
Chegou a hora do calor. Por Portugal os termómetros já começam a subir e o sol convida a visitar as praias, muitas delas com imensos turistas. Isto é, se a pandemia de covid-19 não tivesse irrompido e provocado uma paralisação súbita. Uma situação inédita para um sector que o ano passado chegou pela primeira vez à marca dos 27 milhões de turistas e que se viu obrigado a um período de redefinição de metas, primeiro para sobreviver e depois para responder aos desafios da nova normalidade.
A preocupação estende-se dos operadores turísticos aos responsáveis governamentais, ou não fosse o turismo uma das áreas mais determinantes da economia portuguesa (como pode perceber pela coluna da direita). Estima-se, por exemplo, que o turismo terá representado entre 8,5% a 9% do valor acrescentado bruto (VAB) da economia portuguesa em 2019, e que o consumo total de turismo terá representado até 16% do produto interno bruto (PIB). Se estes dados já ilustram bem o peso do sector, importa também acrescentar que, segundo um cálculo do Instituto Nacional de Estatística, uma quebra de 25% no turismo tira 2,9% ao PIB.
“Neste momento estamos todos a navegar no nevoeiro, ninguém tem a resposta ou a solução”, confessa o diretor-geral da United Investments Portugal, Carlos Leal. Responsável por unidades como o Pine Cliffs Resort, o administrador conta que os hotéis do grupo nunca estiveram fechados e que continuaram a albergar os “clientes que não conseguiram voos de regresso ou que não quiseram voltar” por sentirem insegurança nos seus países. As reservas também se mantiveram abertas e, se tal poderia apenas parecer um tiro esperançoso no escuro, a aposta compensou. “Tornou-se muito mais positivo do que pensávamos”, atira Carlos Leal. “Se fizesse a mesma pergunta há um mês estaria muito mais pessimista.”
Pode não parecer, mas os operadores olham com otimismo cauteloso para os próximos meses, sobretudo se pensarmos nas previsões de desastre que prevaleciam. Com muitas ressalvas e a visão assumidamente realista que a verdadeira recuperação só arrancará em 2021, concluem os convidados da Summit do Turismo de “Os Nossos Campeões”. O projeto da SIC Notícias e do Expresso com o Novo Banco reuniu digitalmente oito figuras do sector turístico e da animação cultural — que pode conhecer na coluna da esquerda — para discutir o impacto da covid-19 na sua atividade económica, numa fase em que a retoma é vista como essencial e encoraja-se a população a viajar, mais do que nunca, indo para fora cá dentro.
Bernardo Trindade defende que “é indiscutível que a forma como lidamos com a pandemia nos beneficia” e lembra que o ADN da Porto Bay “é abrir hotéis, não é fechar”. Sem esquecer as “dificuldades de março”, quando se viu obrigado a “repatriar hóspedes” e a “colocar trabalhadores em casa”, o administrador do grupo hoteleiro mostra-se confiante quanto aos sinais que vão surgindo quanto ao futuro. Portugal foi neste período o primeiro destino europeu a receber o selo “Safe Travels” do World Travel & Tourism Council, ao passo que a criação do selo “Clean & Safe” por parte do Turismo de Portugal, que já conta com mais de 12 mil aderentes, é visto como uma medida positiva para recuperar a confiança dos clientes nos operadores. “Preparamo-nos bem”, acredita Bernardo Trindade.
Mercado ibérico
“Do ponto de vista de saúde somos agora reconhecidos”, acrescenta o CEO do Novo Banco, António Ramalho, para quem a “pandemia exige adaptação constante” e a capacidade de “planear em improviso”, algo que as empresas têm sido capazes de fazer. “Aproveitamos este período para fazer investimentos e para formar o pessoal para sermos mais competitivos”, explica o administrador executivo do Natura IMB Hotels, Luís Veiga. Com implantação na zona da Serra da Estrela, o grupo “está muito dependente do mercado interno”, e o responsável aponta às portagens para chegar à região como um obstáculo antigo que colocam ainda mais entraves à recuperação. “Equivalem a uma noite no hotel”, lembra, sem deixar de acrescentar que “continua tudo muito parado” na retoma da atividade turística, com previsão de dados próximos de 2019 apenas em julho.
Numa fase em que a aviação ainda se encontra praticamente paralisada, os responsáveis turísticos olham não só para o mercado português como também para o espanhol na perspetiva de compensar a quebra acentuada de turistas de outros destinos. Uma espécie de mercado interno, com reforço peninsular, que pode ser muito importante para recuperar emprego num sector que em 2019 representou 6,9% do trabalho na economia. Nuno Aleixo, diretor- -geral da Nortravel, recorda que “de um momento para o outro sentimos a realidade muito dura de parar tudo” e fala do golpe que foi ver a “Páscoa arruinada. Costuma ser um período muito forte” nas viagens organizadas, esclarece, para depois ir mais longe: “Acredito que este verão está mais que comprometido, não podemos estar com ilusões.” Mesmo assim o gestor considera ter sido “muito importante a legislação que permitiu transformar adiantamentos das viagens em vouchers”, porque “sem isso teria sido muito mais difícil” aguentar.
As deslocações e eventos corporativos continuam na estaca zero, apesar de Frédéric Frère, CEO da Travelstore, antecipar que “ainda durante este ano vai haver uma retoma muito progressiva das viagens”. São “sinais tímidos” que dão confiança para o trabalho que está a ser feito e onde a ascendência do teletrabalho pode trazer consequências inesperadas. “Vai promover as ocasiões para a reunião física de pessoas, os eventos vão sair favorecidos”, confia Frédéric Frère que aproveita para realçar que “Portugal pode aproveitar esta oportunidade para consolidar a sua posição relativamente a outros mercados”.
“Situações de mudança são sempre situações de crescimento”, atira a sócia do grupo Torel Boutiques, Ingrid Koeck, para quem é essencial demonstrar que “estamos a levar a situação muito a sério”, e seguir à risca as indicações da DGS, pois “muitos clientes têm medo”. No início da pandemia, o grupo optou por manter abertas uma unidade no Porto e outra em Lisboa, e a responsável considera que “foi um sinal muito importante” ao mostrar “que a vida não parou, só ia continuar um pouco mais devagar”.
Afundar ou nadar?
O panorama não pára de exigir apoios e a sociedade que gere os fundos de investimento imobiliário do Turismo de Portugal vai lançar um concurso de compra de imóveis, destinado a PME do turismo e da indústria, no valor de €60 milhões. É mais uma das medidas que se têm multiplicado entre sectores, com muitos profissionais a tentarem adaptar-se às novas condições. É o caso das artes e espetáculos, com ligações ao turismo, e que também foi um dos mais afetados pela pandemia.
André Sardet está numa posição única para falar sobre os dois lados, como músico e dono de um hotel em Coimbra “paredes meias com a universidade”, e revela uma situação difícil que obriga todos “a recriar e reinventar” para voltar a gerar dividendos e atrair pessoas. “As câmaras municipais têm um papel importantíssimo na cultura e na dinamização das cidades”, sustenta. E devem ser parte integrante deste processo juntamente com operadores turísticos e artistas.
O Programa de Estabilização Económica e Social aprovado pelo Governo contempla um apoio social a trabalhadores da cultura no valor de €34,3 milhões, que largas franjas do sector consideram insuficientes, ao mesmo tempo que procuram alternativas que permitam regressar ao trabalho. Foi como a “epifania” que Luís de Matos teve após um mês e meio do confinamento, resultado de uma pergunta que viu num artigo inglês: “Afundar ou nadar?” É a questão que nos temos de colocar, lança o ilusionista, para quem “não adianta queixarmo-nos muito do anterior normal” uma vez que “isto vai durar muito tempo”. Do desafio colocado à equipa resultaram os espetáculos drive-in que idealizou em Ansião e que representam uma forma diferente de consumir conteúdo que pode indicar novos caminhos. “Vamos ter capacidade de sorrir um pouco mais à frente”, prevê Bernardo Trindade.
Conheça as oito figuras do turismo e da animação cultural que apontam para o futuro e trabalham para fazer parte da recuperação pós-covid 19
André Sardet
Músico
Com 28 anos de carreira e cinco álbuns de originais, André Sardet é presença assídua nos palcos portugueses. ‘Foi Feitiço’ ou ‘Quando te Falei de Amor’ são das canções mais conhecidas do músico que enveredou pelo turismo ao criar e gerir o Sapientia Boutique Hotel em Coimbra.
Bernardo Trindade
Administrador Porto Bay
Antigo secretário de Estado do Turismo, Bernardo Trindade afastou-se do universo político para ajudar o pai a gerir o grupo hoteleiro que arrancou com uma unidade na Madeira. Conta hoje com 15 unidades espalhadas por Portugal e Brasil num total de 3350 camas.
Carlos Leal
Diretor-geral da United Investments
Responsável por hotéis como o Sheraton Cascais Resort e Pine Cliffs, foi através desta unidade algarvia que regressou a Portugal em 1999 após uma vida passada na África do Sul. Primeiro como diretor de construção e desenvolvimento e depois como diretor-geral.
Frédéric Frère
CEO da Travelstore
Uma das principais agências de viagens portuguesas especializada em viagens de negócio e eventos corporativos, a Travelstore surgiu em 1997. Frédéric Frère foi o cofundador e é o responsável pela empresa que, antes da pandemia, registou um volume de negócios superior a €120 milhões.
Ingrid Koeck
Sócia da Torel Boutiques
Veio da Áustria para Portugal, em 2015, com a intenção de abrir um hotel. Um encontro fortuito no bar do Torel Palace Lisboa com uma compatriota levou-a a tornar-se sócia de um grupo que dava os primeiros passos e que hoje inclui cinco casas e hotéis de charme.
Nuno Aleixo
Diretor-geral da Nortravel
Especialista na execução de viagens individuais e em grupo, e conhecida pelos seus circuitos turísticos, a Nortravel é a empresa líder no seu segmento. Acabou 2019 a celebrar 20 anos de vida e um crescimento de dois dígitos, sempre com Nuno Aleixo ao leme, num trabalho reconhecido por diversas entidades.
Luís de Matos
CEO da Luís de Matos Produções
Engenheiro técnico de produção agrícola de formação e mágico da década 2000-2010 para a International Magicians Society, Luís de Matos é o mais conhecido ilusionista português. A partir do Estúdio33, que construiu em Ansião, aproveita a pandemia para continuar a inovar ao promover espetáculos drive-in.
Luís Veiga
Administrador executivo da Natura IMB Hotels
O maior grupo hoteleiro da Serra da Estrela é liderado por Luís Veiga e incorpora cinco hotéis numa região onde foi pioneiro no desenvolvimento turístico. O empresário já foi distinguido como cidadão honorário da Covilhã.
Após a Summit do Agroalimentar, o Facebook da SIC Notícias recebeu na terça-feira (9 de junho) a segunda conferência da nova fase de “Os Nossos Campeões”. A Summit do Turismo foi moderada pelo diretor de informação da Impresa, Ricardo Costa (em cima) e contou com oito personalidades ligadas ao sector turístico e à cultura, a saber: (de cima para baixo, da esquerda para a direita) Luís de Matos, Carlos Andrade (Novo Banco), António Ramalho, Frédéric Frère, Carlos Leal, André Sardet, Nuno Aleixo, Ingrid Koeck, Luís Veiga e Bernardo Trindade. Luís de Matos aproveitou a oportunidade para fazer uma ilusão relativa à influência “tão visível como invisível” da covid-19 e mostrou como “vamos voltar a ter cada pedaço do nosso mundo”. O melhor é mesmo ir à página da SIC Notícias e ver.
Balança O sector é a principal atividade exportadora do país e uma das maiores geradoras de emprego, ao registar 19,7% das exportações totais em 2019 e um contributo de 8,7% no PIB, além de ser responsável por 336,8 mil trabalhos. Influência que vai diminuir: 79% dos estabelecimentos assinalaram em março ao INE que a pandemia motivou o cancelamento das reservas agendadas até agosto. Mesmo com uma recuperação, existe o risco de que o turismo se encontre, no final de 2021, ainda 10% a 15% abaixo dos níveis pré-covid.
Quebra
40% é quanto a Organização Mundial do Turismo estima que o fluxo turístico possa cair em Portugal em 2020. Trata-se de uma redução de 6,5 milhões de turistas estrangeiros relativamente aos 16,3 milhões registados em 2019
Dormidas
1,9 milhões de dormidas ocorreram nos alojamentos turísticos portugueses em março de 2020, o que representa um decréscimo de 59% face ao mesmo mês de 2019, com a região Centro e a Área Metropolitana de Lisboa em destaque
Riqueza
52,3 por cento foi quanto o sector do turismo pesou nas exportações de bens e serviços em 2019, o que a torna a maior atividade económica exportadora do país e uma das que gera mais emprego. Números que a pandemia vai diminuir
Textos originalmente publicados no Expresso de 13 de junho de 2020
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