Economia

Quando o bosque entra pela cidade adentro

Quando o bosque entra pela cidade adentro
DR

O crescimento das cidades sufocou o território. A solução está na criação de áreas verdes

Um bosque de nogueiras com uma nora, uma estrutura de madeira para regadio tradicional e extensas áreas florestadas. A natureza no seu esplendor a envolver um hospital, uma central de transportes e uma feira, servida por um anfiteatro.
Não é um cenário de futuro ecológico, mas a nova paisagem urbana que está a ser desenhada em São Pedro do Sul, num vale encaixado onde se cruzam os rios Vouga e Sul.

É uma área “agrícola, que estava abandonada, onde a relação com a água é reforçada, através do sistema de rega tradicional preexistente. Ao reutilizar a nora de água, a antiga relação entre o nogueiral, o rio Vouga e o rio Sul é reavivada”, explica o autarca de São Pedro do Sul.

“Ao fim de décadas completamente degradado, recuperamos um património de todos nós que aproveita uma extensa área em patamares, característica da agricultura de Lafões, criando uma nova praça arborizada na cidade, recuperando o nogueiral e promovendo um urbanismo mais verde”, elenca Vítor Figueiredo.

O novo parque urbano desenvolve-se “numa frente ribeirinha, entre o centro da cidade de São Pedro do Sul e o Bairro da Ponte, tendo como via de acesso a estrada nacional 16”, explica Guedes Carvalho, do ateliê Beco da Bela Vista, que projetou o espaço.

O “bosque na cidade já existia, era uma antiga propriedade agrícola, que tem na envolvente um hipermercado e um hospital, e esta solução permite retomar o diálogo da cidade com os rios, uma velha relação que foi sendo esquecida com o crescimento urbano”. Foi esse “crescimento que ditou a necessidade de colocar um travão ao sufoco do território, que cresceu com demasiado betão”, justifica o arquiteto.

Resolver a carência de espaços verdes

No verão, quando estiver concluído, ocupará quatro hectares, num investimento de €1 milhão, e será “um novo local de encontro dos habitantes e visitantes, uma praça central que realça a beleza natural desta paisagem. Resolvendo também a carência de espaços verdes na cidade de São Pedro do Sul”, adianta Vítor Figueiredo.

Guedes de Carvalho salienta a preservação de um “espaço sensível, a foz do rio Sul que desagua no Vouga, promovendo um regresso à natureza, recuperando algumas áreas verdes que ainda vão existindo porque talvez não seja possível viver sem paisagem”.

O Parque das Nogueiras transporta os bosques para dentro da cidade, promovendo o aparecimento de espaços de comercialização, uma feira e um mercado, a que se junta um fluviário e estacionamento num dos socalcos. Juntos fazem a ligação aos serviços públicos desta “nova cidade”, possibilitando ligações pedonais à nova central rodoviária e aos serviços públicos na envolvente.

Este regresso à natureza “não é, contudo, o mito do campo”, explica o urbanista Sidónio Pardal. O especialista lembra que “a arquitetura de parques e jardins é eminentemente urbana, capaz até de valorizar a vertente imobiliária, mas é necessária porque cada vez temos mais pessoas a viver nas cidades, que precisam de espaços para preencher e usufruir dos tempos livres”. Para isso, “é preciso que o urbanismo tenha uma visão de conjunto e seja capaz de organizar melhor as cidades, promovendo zonas de conforto e desafogo em espaços esteticamente qualificados”.

É o que sucede em Pinhel, onde “a autarquia demoliu o estádio de futebol existente no centro da cidade, que foi substituído por uma estrutura verde, com três espaços relvados e uma área arborizada”, conta o arquiteto Nuno Vigário.

O parque possui “um bosque com três centenas de árvores, áreas verdes, uma rede de caminhos pedonais que faz a ligação com os serviços e comércio do centro da cidade, um lago e um anfiteatro. Há ainda zonas destinadas à prática de desportos e jogos tradicionais, mesas e bancos para usufruir da sombra do parque”, completa Nuno Vigário.

São quase três hectares de área verde, que respondem por um investimento de €600 mil numa cidade que tem ainda um outro parque central, com vista panorâmica sobre o Vale de Côa e a cidade de Pinhel, a ser recuperado.

Nuno Vigário lembra que estas “são opções difíceis, até pelo valor imobiliário do terreno, apetecível para urbanizar porque está no centro da cidade e que foi usado para criar um pulmão verde num caminho que tenderá a ser seguido por outras cidades. São decisões políticas corajosas e que precisam ser replicadas”.

Victor Ferreira, professor do Instituto Superior Técnico e presidente do Cluster Habitat Sustentável, que junta várias empresas ligadas à construção, reconhece que “as cidades, e quem as gere e habita, não podem evitar as preocupações ambientais. A atratividade das cidades joga-se na sustentabilidade e isso é claramente um fator de competitividade, que afeta o seu progresso, a manutenção equilibrada de emprego através das empresas que se fixam em redor delas, do ambiente urbano e da sua qualidade”.

Árvores no centro histórico

Foi o que fez Macedo de Cavaleiros, onde “a autarquia adquiriu 14 parcelas urbanas no centro da cidade e que estavam ao abandono”, contra o presidente da Câmara. Benjamim Rodrigues lembra que este “era um anseio da população com mais de 30 anos, que se foi adiando pela dificuldade em negociar com todos os proprietários, a que se juntou algum aproveitamento especulativo no valor dos terrenos, por estarem no centro da cidade”.

A obra, que surge enquadrada por uma ribeira, terá “centenas de árvores, num espaço verde que vai ocupar cinco hectares do centro histórico”. Benjamim Rodrigues defende a decisão que “vai promover o usufruto de uma zona verde, que até aqui eram terrenos agrícolas abandonados e recuperar um leito de água, que está poluído e será reabilitado, criando condições para que as pessoas desfrutem de um espaço airoso e feliz para o lazer, para a saúde e para a prática de desporto”.

Orçada em €2 milhões, a empreitada surge englobada num projeto de reabilitação que vai permitir “o rearranjo urbanístico da zona histórica, que será servida por um interface de transportes, tudo integrado num enorme pulmão verde”, conclui o edil.

O responsável pelo Cluster Habitat Sustentável defende que “a sustentabilidade foi e continua a ser um elemento de definição de políticas urbanas, de estratégias empresariais, de apostas do mercado imobiliário, até como elemento de decisão pessoal de quem compra e vende o seu espaço, o seu habitat”. Victor Ferreira lamenta que “ainda haja muito por fazer”, mas “valoriza a preocupação em equilibrar os aspetos económicos, sociais e ambientais que existe. Um desafio permanente que é uma oportunidade de emprego e negócio muito relevante”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate