O Tribunal Constitucional alemão decidiu esta terça-feira que algumas medidas do Banco Central Europeu (BCE) relativas ao programa de aquisição de dívida pública lançado em 2015 violam parcialmente o quadro constitucional alemão.
Os juízes não acolheram a queixa de 1750 alemães, entre eles o economista fundador do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha, de que o programa lançado em 2015 por Mario Draghi - e conhecido pelo acrónimo PSPP - viola a proibição de financiamento monetário do orçamento dos estados membros, mas consideram que há uma violação do princípio da proporcionalidade também inscrito no Tratado de funcionamento da União Europeia.
Ou seja, o BCE não violou o artigo 123 que proíbe a concessão de créditos aos Estados ou a compra direta de dívida pública pelo BCE, mas infringe outro princípio, o da proporcionalidade inscrito no artigo 5º, que estipula que o conteúdo e o âmbito de ação da União Europeia (e de todas as suas instituições, incluindo o banco central) não devem exceder o necessário para alcançar os objetivos dos tratados.
Deste modo, os alemães não acatam a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia que, em dezembro de 2018, considerou que o programa do BCE cumpria com a regra da proporcionalidade. Os juízes de Karlsruhe consideram inclusive que, neste ponto, a decisão dos juízes europeus "não é compreensível".
A decisão desta terça-feira foi aprovada por 7 votos a favor e 1 contra.
Os juízes de Karlsruhe adiantam que "sempre que um objetivo de política monetária de um programa é seguido incondicionalmente e os seus efeitos de política económica são ignorados, ele ignora o princípio da proporcionalidade inscrito nos artigos 5(1) segundo parágrafo e 5(2) do Tratado da União Europeia".
A decisão não foi a 'bomba' jurídica que paralisaria o programa PSPP iniciado em 2015 e provocaria ondas de choque no mercado da dívida, mas "é uma afronta ao BCE", dizem os analistas do banco alemão Commerzbank, numa nota distribuída esta terça-feira. Contudo, consideram que, "com a sua armada de economistas e juristas", a equipa de Christine Lagarde conseguirá lidar com o ultimato.
O Tribunal ordenou ao governo de Angela Merkel e ao Parlamento alemão (Bundestag) a tomada de "medidas" para "garantir que o BCE realiza a avaliação da proporcionalidade".
Juros em alta no mercado da dívida
A decisão provocou, de imediato, uma alteração da trajetória nos juros (yields) da dívida pública no mercado secundário. Tendo aberto em queda esta terça-feira, as taxas regressaram a uma tendência de alta. No prazo a 10 anos, os juros das obrigações do Tesouro português subiram de 0,854% na abertura desta terça-feira para 0,88%, após a decisão conhecida. Para as obrigações alemãs, naquele prazo, as taxas subiram de -0,567%, no fecho de segunda-feira, para -0,54%, no mesmo período.
No veredicto, os juízes de toga vermelha do Tribunal Constitucional federal consideram que "após um período de transição não superior a três meses, que permita a necessária coordenação com o Eurosistema, o Bundesbank já não pode participar na implementação e execução das decisões do BCE em questão, a menos que o Conselho do BCE adote uma nova decisão que demonstre, de maneira compreensível e comprovada, que os objetivos da política monetária perseguidos pelo PSPP não são desproporcionais em relação aos efeitos da política económica e fiscal resultantes do programa".
Bundesbank deve vender carteira de €534 mil milhões
Os juízes alemães decidiram, ainda, que "o Bundesbank deve garantir que os títulos já comprados e mantidos na sua carteira sejam vendidos com base em uma estratégia - possivelmente a longo prazo - coordenada com o Eurosistema".
Em suma, o Tribunal Constitucional alemão dá um ultimato de 90 dias à equipa de Christine Lagarde para clarificar o programa lançado em 2015 - e que foi reativado em novembro do ano passado - e, no caso de não haver uma clarificação sobre a questão da proporcionalidade, o banco central alemão fica mandatado para vender no mercado os 534 mil milhões de euros em títulos alemães que tem na sua carteira, ainda que numa estratégia coordenada com o BCE.
Esta decisão dos juízes alemães não se aplica ao programa especial lançado em março para combater a pandemia (conhecido pelo acrónimo PEPP) nem às decisões de assistência financeira tomadas pela União Europeia, sublinha o veredicto publicado.
É de esperar, no entanto, que novas queixas sejam colocadas junto do Tribunal Constitucional alemão, agora em relação ao PEPP. "Os recursos junto de Karlsruhe ou do Tribunal de Justiça da União Europeia vão continuar contra os programas subsequentes de compras de obrigações públicas, sobretudo porque, sempre que o BCE aprova um novo programa, tende a aplicar condições cada vez menos restritivas do que aquelas que o próprio Tribunal da União tinha considerado antes como necessárias para evitar um financiamento monetário", conclui Eric Dor, diretor de estudos económicos da IESEG School of Management da Universidade Católica de Lille, em França.