Economia

Comissão Europeia dá puxão de orelhas a juízes do Constitucional alemão

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen
STEPHANIE LECOCQ / EPA

Bruxelas já respondeu à sentença desta terça-feira do Tribunal Constitucional alemão dando um ultimato de 90 dias ao Banco Central Europeu. As decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia sobrepõem-se às das instâncias nacionais, diz a Comissão

A Comissão Europeia reagiu, de imediato, à sentença do Tribunal Constitucional alemão proferida esta terça-feira não acatando uma decisão anterior do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a legalidade do programa de compra de dívida pública pelo Banco Central Europeu (BCE).

Bruxelas considera que "independentemente da análise em detalhe da decisão de hoje do Tribunal Constitucional alemão, reafirmamos a primazia da lei da União Europeia e o facto de que as decisões do Tribunal de Justiça Europeu são vinculativas para todos os tribunais nacionais", afirmou o porta-voz da Comissão.

Por seu lado, o BCE "está a analisar a decisão e irá comentá-la oportunamente", segundo fonte do banco central em Frankfurt.

Recorde-se que o Constitucional alemão decidiu, esta terça-feira, considerar que o programa de compra de dívida iniciado por Mario Draghi em 2015 viola o princípio da proporcionalidade e deu ao BCE três meses para clarificar a questão, mandatando o governo de Angela Merkel e o Parlamento germânico para tomarem "medidas" nesse sentido.

Se, no final do ultimato, o BCE não clarificar a questão, o Tribunal ordena ao Bundesbank (banco central alemão) sair do programa de compra e a vender os títulos que tem em carteira adquiridos nesse âmbito, que somam 534 mil milhões de euros, quase 1/4 do montante total dos títulos comprados pelo programa desde 2015.

Os juízes do tribunal alemão - numa votação de 7 a favor e 1 contra - consideraram, esta terça.-feira, que "não era compreensível" a resolução do Tribunal de Justiça da União Europeia, tomada em dezembro de 2018, no que respeita ao cumprimento pelo BCE do princípio da proporcionalidade no programa de aquisição de dívida iniciado em 2015. E, deste modo, não acataram a decisão do tribunal europeu nesse ponto, avançando com um ultimato ao BCE e com decisões drásticas na atuação do Bundesbank, no caso de Christine Lagarde não clarificar o exigido.

No entanto, os juízes alemães não deram razão aos proponentes da queixa contra o BCE colocada em 2015, pois consideraram, esta terça-feira, que o programa de compra de dívida iniciado em 2015 não viola o artigo 123 do Tratado da União, pois não se trata de financiamento direto dos Estados. Esse aspecto positivo da sentença foi já salientado pelo ministro das Finanças alemão, o social-democrata Olaf Scholz.

À crise da pandemia soma-se, agora, na zona euro, um conflito político aberto entre Bruxelas e o BCE, de um lado, e o Tribunal constitucional de Karlsruhe, do outro.

Clemens Fuest, responsável pelo instituto económico Ifo alemão, considerou, em declarações ao jornal Financial Tines, a decisão do Constitucional alemão como uma "verdadeira declaração de guerra".

Ataque ao Tribunal Europeu e à independência do BCE

Para Eric Dor, especialista francês em política monetária, diretor de Estudos Económicos na Universidade Católica de Lille, a decisão dos juízes alemães tem duas implicações políticas maiores: ameaça a ordem jurídica da própria União e a independência do BCE.

"O tribunal de Karlsruhe nega ao Tribunal de Justiça da União Europeia o monopólio da interpretação do direito europeu, para definir o que está em conformidade com os Tratados. Critica o trabalho deste Tribunal e reserva-se o direito de ignorar as suas interpretações. Isso cria incerteza jurídica na UE e contribui para a sua desintegração", diz Dor.

Por outro lado, "a decisão ameaça a independência do BCE, diz que o parlamento e o governo alemães devem tomar medidas, devem pressionar a Comissão Europeia a que faça uma avaliação da proporcionalidade no PSPP." Em suma, "devem supervisionar, controlar a ação do BCE".

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate