A outra catedral de Évora.” É uma das frases que salta à vista numa das paredes repletas de objetos, recordações e fotos das pessoas que fizeram a história de 75 anos de um dos nomes mais reconhecíveis do Alentejo. Ou não fosse o Fialho visto como uma das principais sala de visitas da região. “O que vendemos? Cozinha alentejana, ponto”, atiram Helena e Rui Fialho. Atualmente a supervisionarem o funcionamento e o receituário da instituição, são a terceira geração da família cuja história se confunde com a da casa onde nos recebem, sempre na mesma esquina e no mesmo número. Tudo começou com a taberna aberta pelo avô Manuel Fialho em 1945, com o filho Amor Fialho a manter a linhagem enquanto passava cuidadosamente os princípios aos herdeiros. “Nem nós queremos nem os clientes nos deixam mudar os pratos”, contam entre risos.
Tudo assenta “num grande respeito pela matéria-prima e pelos produtos“, contam, sem esconder que sentem “o peso da responsabilidade” de manterem o papel de “guardiões“ da cozinha da região. Entre as empadas de galinha, a sopa de cação ou a perdiz à Convento da Cartuxa, a ementa guarda muitos tesouros e muitos visitantes conhecidos. “Fernando Henrique Cardoso [Presidente do Brasil entre 1995 e 2003] disse que foi a melhor refeição que comeu na vida”, revelam, ao passo que Tony Blair ficou “encantado” quando passou pelo restaurante com a família em visita não oficial. “De esquerda ou de direita, recebemos todos da mesma forma”, garantem. Por isso continuam a ser visitados por clientes de décadas que “trazem os netos” e vão mantendo viva a tradição. “Ficamos na dúvida se nós escolhemos isto ou se isto nos escolheu”, acrescentam. E “um Fialho no Chiado”, por exemplo, não faz sentido porque expandir só serviria para “descaracterizar”.
Apego pela tradição que também está bem patente no trabalho desenvolvido “há 47 anos”, sem parar, por Maria Inácia e Perpétua Fonseca. Mais conhecidas pelo nome artístico de irmãs Flores, a sua porta está sempre aberta em Estremoz para quem as quiser ver a trabalhar e a produzir os famosos bonecos que foram considerados Património Cultural Imaterial da Humanidade. Perpétua foi uma das pessoas que viajaram até ao Japão para lutar pela distinção e recorda “com muita emoção” o momento em que foi atribuída. “Nunca nos passou pela cabeça que alguma coisa assim fosse acontecer”, revelam.
Hipnotizado
Trabalharam sempre num raio de “200 metros” de onde agora se encontram e na mesa de trabalho, onde aparecem sempre às 9h30 da manhã, estão espalhados o fruto da criatividade que lhes foi transmitida por Sabina Santos. Uma das grandes mestres do género, estava à procura de “raparigas do campo” e acolheu-as quando as irmãs ainda eram crianças. Foi a “trabalhar mesmo que aprendemos”, dizem, “não foi a dizer para fazer isto ou aquilo”. Da mesma forma ensinaram o sobrinho Ricardo Fonseca, que hoje trabalha com as tias. “Ele vinha para aí nas férias quando era miúdo e começou a fazer.” As irmãs não escondem que chegaram a sentir “receio de que esta atividade fosse acabar” e “medo de ficarem sozinhas.” Até ver, tudo infundado e os bonecos de barro que habitualmente demoram dois dias a fazer, do início ao fim, continuam a acrescentar ao fabrico cultural da região.
“Olá, olá, bom almoço!”, deseja António Silvestre Ferreira a todos os trabalhadores por quem passa, enquanto mostra de carro as vinhas da Herdade da Rosa. O proprietário da herdade que dá nome à marca famosa pelas uvas sem grainha é rápido a recordar uma vida que o obrigou a sair de Portugal para voltar e destacar-se pela inovação e pelo alcance internacional. “O Marks & Spencer [retalhista britânico] é o nosso cliente mais antigo”, recorda, numa história que remonta a uma viagem do jovem António a Londres, munido apenas com uma caixa de uvas da propriedade que então pertencia ao pai. A revolução de abril resultou na ocupação das terras e na ida da família para o Brasil, onde acabaria por ficar até 2000. Médico veterinário de profissão, estabeleceu- -se em Maringá onde deu aulas, casou e teve quatro filhos. “Amo aquela terra, deu-me tudo”, atira. Foi por terras canarinhas que tomou contacto com as uvas sem grainha, quando leu um artigo numa revista científica. “Fiquei como que hipnotizado”, diz, e a partir daí não descansou enquanto não começou a produzi-las também.
A morte do pai trouxe-o de volta a Portugal, com a perceção rápida que a grainha já não fazia parte do palato internacional. Por isso trouxe a exploração do Brasil e introduziu-a no Alentejo. “Tudo o que aqui cresce tem valor e sabor”, garante. Com uma menção especial para “Alqueva, o nosso milagre”, mas que “tem de ser mais bem aproveitado”. Produz anualmente à volta de seis mil toneladas e, na última colheita, teve pessoas de “22 nacionalidades a trabalhar”.
Arquiteto dos vinhos
“É uma história de 40 vindimas”, diz João Portugal Ramos, quando se senta no seu gabinete para contar como criou uma das marcas de vinho mais conhecidas do país. Na Adega Vila Santa, construída à imagem do antigo casario alentejano, o lisboeta de nascença recorda o crescimento no seio de uma família de arquitetos quando o enólogo e produtor não “conseguia juntar dois traços”. Hoje, “já há quem me chame o arquiteto dos vinhos”, aponta, a fazer jus às gerações que o precederam. Desde cedo foi criado sob a santíssima trindade de “muito campo, muita vinha e muita caça” e foi com naturalidade que enveredou pela agronomia. Os anos 80 trouxeram o convite para se deslocar para o Alentejo e trabalhar junto de diversas marcas de vinho. “Vim na altura certa, precisavam de um abanão”, revela. Quando se apercebeu de que “o seu nome era conhecido” e perante vários empurrões amigáveis, decidiu avançar em nome próprio. A empresa foi parte integrante (e ativa) da mudança vivida pelo sector vinícola português, que se modernizou e ganhou maior visibilidade internacional. Sobretudo o Alentejo, que hoje tem quase metade da quota de mercado nacional. “Estou consciente da responsabilidade”, garante, quando olha para a “enorme concorrência” que apareceu nos últimos anos. “Nascem como cogumelos”, mas “se os vinhos não forem bons, não se vendem”.
Áurea define o período que passou na universidade local como “os melhores anos da vida” e foi no antigo Convento do Carmo que travou conhecimento com o escritor da maior parte das suas músicas, Rui Ribeiro. Enquanto a cantora mostrava a sua voz nos pianos de cauda que existiam no local, compôs uma letra propositadamente para ela cantar, para sua surpresa. “Nem tive tempo para gravar tudo”, confessa. Acabou por ser a maquete que foi enviada para os produtores e que estaria na origem do primeiro contrato da artista que só entendia cantar como algo que fazia naturalmente desde criança, influenciada pelos familiares que faziam parte do grupo coral Os Afluentes do Sado. “Nunca pensei que pudesse ser um trabalho, cantar era como beber água.” Com origem no Alentejo.
Os Campeões
António Ceia da Silva
O presidente do Turismo do Alentejo e Ribatejo tem trabalhado para aumentar a visibilidade nacional e internacional da região
António Cuco
Após ter sido desafiado pelos amigos, criou o Gin Sharish, com o nome em homenagem à vila de Monsaraz
António Silvestre Ferreira
Pioneiro na produção de uvas sem grainha, o administrador da Vale da Rosa é o maior produtor de uvas de mesa do país
Áurea
Foi a partir de Évora, onde estudou, que a cantora nascida em Alvalade do Sado começou a dar a conhecer a voz que a levaria à fama
Helena e Rui Fialho
A terceira geração da família é responsável pelo restaurante Fialho, que é visto como um dos guardiões da culinária alentejana
João Portugal Ramos
O produtor e enólogo criou a empresa em nome próprio que produz alguns dos vinhos mais afamados da região
José Pedro Salema
Presidente da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, é responsável por gerir os recursos do maior lago artificial da Europa
Luís Gonçalves
O atleta do Sporting já ganhou uma medalha de prata e outra de bronze nos 400 metros T12 em dois Jogos Paralímpicos
Maria Inácia e Perpétua Fonseca
As irmãs Flores trabalham há mais de 40 anos para manter viva a tradição dos bonecos de Estremoz
Rui Horta
O coreógrafo é o diretor e fundador de O Espaço do Tempo — Centro de Artes Performativas, em Montemor-o-Novo, um dos principais espaços do género no país
O que os números dizem do Alentejo
PIB
9,3 milhões de euros é quanto vale a economia do Alentejo, mais precisamente 4,6% do total nacional; valores que colocam a região muito próximo da média portuguesa e com uma taxa de crescimento que é superior à nacional nos últimos 10 anos (1,8% vs. 0,8%)
Atividade comercial
5,9% foi quanto cresceu o volume de negócios das empresas do Alentejo, acima da média nacional, com as indústrias agroalimentar e química a serem os grandes motores
Idade ativa
9% foi quanto diminuiu a população da região em idade ativa (15-64 anos) entre 2011 e 2018; o peso da população com mais de 65 anos encontra-se também acima do registo nacional
Cultura traz cultura
A Summit do Alentejo do projeto Os Nossos Campeões culminou com o evento que juntou os pratagonistas da região em Évora para a gravação de um programa que pode ver na antena da SIC Notícias, mas antes houve espaço para mais um capítulo na tradição cultural. Como parte do projeto Novo Banco Cultura, a Atalaia — Galeria de Arte de Ourique recebeu seis obras do pintor alemão Günther Förg, parte de uma série de pinturas a óleo sobre tela ou guache sobre papel que o artista realizou entre finais da década de 90 e início de 2000. É a quinta localidade alentejana a receber uma doação, após Évora, Beja, Portalegre e Crato, com o projeto de promoção artística a ser já responsável por 58 obras em exposição permanente em 28 museus espalhados pelo país. De volta ao evento, a cultura também esteve em destaque na discussão, com o coreógrafo Rui Horta a considerar que “não existe arte sem cultura”. É outro dos fatores que os protagonistas acreditam poder trazer mais pessoas para a região, que está a dar os passos certos para entrar no futuro. “O Alentejo transformou-se progressivamente”, garante o CEO do Novo Banco, António Ramalho.
Textos originalmente publicados no Expresso de 15 de fevereiro de 2020