Economia

As dores da descarbonização e das energias limpas

A fotografia de praxe dos vencedores 
do Prémio REN 2018. Um momento 
que se repetirá já esta segunda-feira na entrega da edição de 2019 deste prémio
A fotografia de praxe dos vencedores 
do Prémio REN 2018. Um momento 
que se repetirá já esta segunda-feira na entrega da edição de 2019 deste prémio
Nuno Fox

Projetos Expresso. A meta de reduzir o consumo de petróleo e de carbono e aumentar o das energias renováveis está em marcha há anos, mas ainda não se veem as melhorias desejadas. As próximas inovações serão cruciais

As dores da descarbonização e das energias limpas

Ana Baptista

Jornalista

Greta Thunberg tem 16 anos e é uma das maiores ativistas ambientais da atualidade. Não anda de avião porque é um meio de transporte que contribui para o aumento das emissões de carbono e, por isso, tem-se deslocado de barco à vela. Foi assim que chegou a Lisboa esta terça-feira, onde passou uns dias antes de rumar a Madrid, para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2019, a COP 25. Já a semana passada, diversas greves contra as alterações climáticas encheram as ruas de várias cidades da Europa. Isto cerca de dois meses depois daquela que foi considerada uma da maiores manifestações pelo clima, com focos em mais de 180 países do mundo.

As alterações climáticas e o aquecimento global do planeta voltaram a estar na ordem do dia, mas não são uma preocupação de agora. Há, pelo menos, mais de 30 anos que a descarbonização — o processo de redução do uso de fontes de energia emissoras de carbono, como o petróleo ou o carvão e a sua substituição por energias limpas, como as renováveis — é um desafio mundial. E muito tem sido feito desde então, como a aposta nas renováveis, a eletrificação da economia e da sociedade, a produção de energia em casa, o encerramento de centrais poluentes e a utilização de carros elétricos e outras formas de mobilidade mais amigas do ambiente. Ou seja, iniciou-se uma verdadeira revolução e transição energética, que rompe com paradigmas do passado.

Contudo, as análises e os números mais recentes não mostram ainda as melhorias esperadas, pelo contrário. Por exemplo, o Acordo de Paris, assinado em 2015 por grande parte dos países do mundo, incluindo os mais poluentes como a China, instituiu que a temperatura do planeta não podia subir mais de 1,5 a 2 graus centígrados por ano. Mas um relatório da Organização Mundial de Meteorologia divulgado na COP 25 indica que o aquecimento global está a ficar mais elevado e que os dados preliminares sobre a temperatura entre 2015 e 2019 e 2010 e 2019 “são respetivamente, e com quase toda a certeza, o período e a década mais quentes”.

O mesmo acordo exigia que se apostasse ainda mais nas energias renováveis para alimentar os edifícios e os meios de transporte, mas de acordo com o relatório anual da petrolífera BP, em 2018, o petróleo foi a energia mais usada, representando mais de 35% do mix total, e verificou-se um aumento de 2% nas emissões de CO2.

Até em Portugal, onde 50% da energia consumida vem já de fontes renováveis e o objetivo é chegar aos 80% em 2030 e aos 100% em 2050, parece haver contradições. Segundo noticiou o Expresso esta semana, dados da Direção-Geral de Energia e Geologia mostram que em 2018 o peso da eletricidade no consumo final de energia foi o mais baixo dos últimos cinco anos e que a incorporação de renováveis fechou no nível mais baixo dos últimos quatro anos.

A transição energética
O aumento do consumo de energia a nível mundial é apontado como uma das explicações para estes dados menos positivos. “Os países mais pobres, que precisam desesperadamente de energia, não têm dinheiro para enfrentar uma transição energética baseada nas energias renováveis e na eletrificação, e continuam a comprar petróleo e carvão. Além disso, não têm de pagar as taxas de emissão de CO2 como na Europa”, explica ao Expresso o engenheiro e professor João Peças Lopes.

De facto, para os especialistas do sector esse é um dos grandes desafios: como reduzir as emissões num contexto de aumento do consumo. Porque, por exemplo, podem haver muitas eólicas instaladas mas sem vento elas não funcionam e se não funcionam então tem de se recorrer ao petróleo e ao carvão para alimentar essas crescentes necessidades de energia.

Ou seja, é preciso fazer mais e o sector sabe disso. Tanto sabe que, nos próximos anos são esperadas muitas mais inovações, havendo já quem fale em revolução energética em vez de transição energética. É o caso da descentralização da produção, ou seja, a produção de energia em casa, principalmente através de painéis solares. Da armazenagem de energia, que permitirá guardar energia para usar mais tarde, permitindo uma melhor gestão dos consumos. Ou ainda da massificação das baterias de lítio, que possibilitará essa mesma armazenagem de energia e também um aumento do número de carros elétricos.

“Esta transformação irá progredir rapidamente”, diz ao Expresso Rodrigo Costa, o presidente executivo da REN, empresa que, juntamente com o Expresso, organizam na segunda-feira uma conferência onde estes temas serão discutidos (ver caixa). E com ela traz um desafio para as redes de distribuição. De acordo com Rodrigo Costa, haverá uma “maior digitalização da rede, recurso a sensores cada vez mais sofisticados, melhor utilização dos dados registados, software mais evoluído e a crescente introdução de componentes que tirem partido de ferramentas com base em inteligência artificial”.

De facto, a internet e a digitalização são os grandes aliados neste processo de transição energética. Não só na evolução das redes mas também na armazenagem, no desenvolvimento de melhores equipamentos e tecnologias que permitam tirar mais partido dos recursos naturais e, dessa forma, reduzir efetivamente o consumo dos combustíveis mais poluentes. Ou ainda na “injeção de gases renováveis (nomeadamente biometano e hidrogénio) nas infraestruturas de gás natural, garantindo assim sinergias evidentes entre os dois sistemas energéticos”, adianta ainda Rodrigo Costa.

O bom, o mau e os desejos da transição energética

Consumo de petróleo
O objetivo é reduzir o seu uso para produzir energia, mas em 2018 houve um aumento, representando agora mais de 35% do mix energético.

4%
As renováveis têm sido uma aposta contínua, mas ainda só representam 4% do consumo global de energia.

Emissões de CO2
Também aumentaram 2% em 2018, quando o objetivo é precisamente o oposto. O crescimento do consumo é apontado como uma das causas.

2040
Ano em que se estima que se consuma mais eletricidade que petróleo, não só nos transportes mas também nas casas, edifícios e fábricas. A este processo chama-se eletrificação.

Descentralização
É a produção de energia em casa, principalmente através de energia solar, e terá um papel crucial para se atingir a meta referida em cima.

3000
É o número máximo de horas de sol que se estima que haja em Portugal, o que significa que a aposta futura deverá ser na energia solar.

Digitalização
É o que está a permitir reduzir os custos de muitas novas tecnologias que ajudam à transição energética, como a armazenagem de energia ou as baterias de lítio.

80%
É quanto se estima que tenha caído o custo das baterias de lítio entre 2010 e 2017.

Os melhores trabalhos académicos

O Expresso e a REN associam-se mais uma vez para a entrega do Prémio REN, que todos os anos distingue os melhores trabalhos académicos na área da energia, privilegiando os mais disruptivos ou os que tenham aplicações práticas. O ano passado, por exemplo, o primeiro prémio foi atribuído ao trabalho “Desenvolvimento e Projeto Mecânico de Uma Fundação para Uma Turbina Eólica Offshore”, da autoria de Gabriel da Silva Garanito Maciel, aluno do Instituto Superior Técnico.

Este ano a cerimónia de entrega dos galardões acontece na segunda-feira, 9 de dezembro, no hotel Ritz, em Lisboa, e, como de costume, antes haverá espaço para debater o tema do momento no sector: a transição energética. Do programa constam o secretário de Estado da Energia, João Galamba, e o COO da REN, João Conceição, sendo que o orador convidado é o analista da Bloomberg Tom Rowlands-Rees.

Artigos originalmente publicados no Expresso de 7 de dezembro de 2019

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