Economia

Seguros entre o fato à medida e as catástrofes

Jorge Magalhães Correia (Fidelidade), Nelson Machado (Ageas), Nuno Frias Costa (Santander) e Pedro Carvalho (Seguradoras Unidas), na conferência organizada pela PwC em parceria com o Expresso
Jorge Magalhães Correia (Fidelidade), Nelson Machado (Ageas), Nuno Frias Costa (Santander) e Pedro Carvalho (Seguradoras Unidas), na conferência organizada pela PwC em parceria com o Expresso
Ana Brigida

Projetos Expresso. Um produto desenhado para o consumidor é uma hipótese do futuro. Mas o mundo enfrenta desafios globais. Respostas ainda por dar

Seguros entre  o fato à medida e as catástrofes

Diogo Cavaleiro

Jornalista

Vêm aí os seguros feitos à medida. É uma das consequências da utilização da tecnologia e da imensidão de dados. Mas, ao mesmo tempo, há riscos globais que precisam de resposta, de que os efeitos das alterações climáticas, como grandes incêndios ou furações, são os principais exemplos. É nesta dualidade que o sector segurador se encontra, olhando também para as consequências do desafio demográfico, seja nas formas de poupança seja na extensão do braço à saúde.

A Fidelidade registou 9 mil sinistros só no dia em que o furação “Leslie” atingiu a zona centro litoral do país. Os algoritmos da maior seguradora do país indicam que se o impacto tivesse sido em Lisboa, para onde apontavam as previsões iniciais, haveria 40 mil sinistros. “É quase o número de sinistros que temos naquela área num ano”, declarou Jorge Magalhães Correia, na conferência realizada esta semana sobre o futuro dos seguros, organizada pela PwC, em parceria com o Expresso. É, na sua opinião, a prova de que é preciso “aproveitar o momento” em que as alterações climáticas ganharam peso mediático e espaço político para criar um mecanismo de proteção para estas ocorrências.

Não há grandes diferenças de opinião entre as grandes companhias — aliás, o tema tem sido tratado pela Associação Portuguesa de Seguradores (APS) e o presidente, José Galamba de Oliveira, tem-no repetido de forma sistémica. Segundo afirmou na conferência, está a ser desenvolvido um modelo para Portugal, assente sobretudo na proteção do risco sísmico, com propostas à espera para avançar no Ministério das Infraestruturas. “Mas há outros pilares que queremos analisar e trabalhar”, disse, apontando para as grandes cheias e os incêndios florestais.

Uma dúvida é como se vai tarifar o prémio (o que pagam os clientes) destes seguros, lembra Miguel Fernandes, partner da PwC, sobre um tema em que há um acompanhamento da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). A sua nova líder, Margarida Corrêa de Aguiar, sublinha que é necessária uma “adequação da oferta seguradora” no campo da cobertura de riscos ambientais. Só que o contributo do setor para a promoção do crescimento sustentável também tem de passar pelos ativos que tem em carteira: é necessária uma “reorganização progressiva das carteiras de investimentos para green investments”, ou seja, produtos amigos do ambiente.

Juros penalizam
Mas os desafios não se ficam por aqui. O crescimento económico, as incertezas políticas e a regulação juntam-se à baixa prolongada de taxas de juro, ao desafio demográfico e ainda às novas tecnologias, como sintetizou Galamba de Oliveira.

Não são muito diferentes dos que foram relembrados por Pedro Carvalho, vice-presidente da Seguradoras Unidas, quando se referiu a uma apresentação com 20 anos. Aí, falava-se no aumento da regulação, nas alterações das necessidades do consumidor ou na tecnologia de então. “Não vejo o fim do sector, vai mudar a forma e o conteúdo”, aventa. E os juros baixos, ditados por uma política flexível do Banco Central Europeu, nem são, para si, o mais grave.

Pedro Carvalho refere que o Japão viveu anos com juros negativos, mas com poupança em níveis elevados, ao contrário de Portugal, em que as taxas estão em mínimos convivem com poupança limitada. “Depende muito dos incentivos da economia”, disse, frisando que é preciso apoio do Governo.

A opinião não é assim tão unânime. “As taxas de juro são problema para as instituições financeiras, quer para os bancos, quer para as seguradoras, quer até para as instituições de solidariedade social”, declarou Nuno Frias Costa, presidente do Santander Totta Seguros.

E a verdade é que, como refere Nelson Machado, presidente executivo do ramo vida e pensões da Ageas Portugal, há um “problema de legado” que vai pesar nas contas das seguradoras nos próximos anos: as provisões técnicas em produtos do passado têm taxas elevadas, que têm de ser garantidas pelas companhias até ao final dos contratos. Assim, é preciso pensar em formas de remunerar os clientes de “formas interessantes” — e isto quando o envelhecimento demográfico, com o aumento da esperança média de vida, obriga a pensar em novos produtos. Além disso, as seguradoras também olham para o ramo da saúde, e para as áreas onde ainda não há proteção por seguro. “Os capitais médios dos seguros de saúde são insuficientes para fazer face aos tratamentos do risco oncológico. Precisamos de ter produtos de poupança e saúde num bom combinado”, disse Magalhães Correia. E uma nota: para haver mais proteção, os preços vão ficar mais caros.

Dados à medida
Só que os produtos seguradores também podem ser desenhados à medida. “A transformação digital está a mudar a forma como as empresas de seguros e os consumidores se relacionam, seja na contratação dos seguros seja na gestão dos sinistros ou na aplicação da poupança. A seguradora do futuro terá a capacidade de mensurar riscos, gerar cotações e emitir apólices tailormade num período de poucos minutos. A atividade seguradora terá a capacidade de oferecer soluções mais diferenciadas, adaptadas a cada consumidor.” A mensagem foi deixada por Margarida Corrêa de Aguiar, presidente da ASF, mas não está sozinha.

É uma oportunidade não só tecnológica, mas também de mudança de negócio, diz Rogério Campos Henriques, vice-presidente da Fidelidade. Há um potencial para conhecer melhor o cliente, numa aposta que poderá levar as seguradoras, por exemplo, a serem empresas que conseguem minimizar a sinistralidade automóvel ou a melhorar a qualidade de vida.

Certo é que há uma questão não só legal como ética: até onde podem ser utilizados os dados dos clientes?

Esta não é a única questão que fica da eventualidade de uma tarifa personalizada de cada seguro. Um dos aspetos que ficou por responder é a vertente mutualista dos seguros: paga-se e protege-se também os outros com o pagamento do prémio, mesmo que nunca venha ser utilizado em benefício próprio. O que acontece quando os seguros se tornam tão individualizados que essa partilha de riscos deixa de fazer sentido?

O cartel e a condução a 180 km/h

Interesses distintos entre solvabilidade e concorrência levaram ao cartel dos seguros, sublinham os gestores

O sector português dos seguros foi abalado, este ano, com uma condenação da Autoridade da Concorrência. Aplicou coimas de €54 milhões, num processo que envolveu a Fidelidade, Multicare, Seguradoras Unidas, Lusitania e Zurich, alinhadas num cartel para definir preços dos produtos de acidentes de trabalho, mas também de saúde e frota automóvel. Os gestores dos seguros pouco quiseram falar sobre o caso, mas, do que disseram, apontaram para um estrangulamento que exigiu atuação.

“É um cartel que durante anos se reúne para um produto de compra obrigatória e todo o sector perde dinheiro e, se todo o sector perde dinheiro, é um cartel muito pouco eficiente”, ironizou Nelson Machado, da Ageas, que chegou a ser investigada no cartel (por conta da adquirida Axa), mas terminou sem qualquer condenação. O responsável do ramo vida da seguradora acredita que pode haver impactos em termos de confiança, bem como Nelson Frias Costa, de outra companhia que não estava neste cartel, o Santander Seguros.

“Se foi bom para a confiança, certamente que não”, assume também Pedro Carvalho. O vice-presidente da Seguradoras Unidas (que foi quem fez a denúncia da existência deste cartel) considera que há “práticas concorrenciais e do sector que, por vezes, colidem”. Aliás, como o Expresso já escreveu, a relação entre a AdC e a ASF não foi propriamente fácil, até porque houve orientações do regulador dos seguros para que as empresas atuassem e pusessem um travão nas perdas no ramo dos acidentes de trabalho. Pedro Carvalho acredita que, hoje em dia, já ajustaram as suas práticas para evitarem mais sanções.

Já o líder da Fidelidade frisa que o segmento de acidentes de trabalho passou por uma pressão, em que houve guerra de preços, e houve depois a atuação combinada entre as empresas. Mas Magalhães Correia falou, igualmente, na dificuldade de combinar os interesses da “solvabilidade e da competitividade”. Os reguladores aí teriam de falar. “Imagine que vou a conduzir a 180 km/h. Estou a fazer algo perigoso e o regulador da estrada acha isso. Mas, imagine que levo um ferido?”

A Lusitania e a Zurich foram para tribunal contestar as coimas de €42 milhões. A Fidelidade e Multicare pagaram €12 milhões para fecharem o caso, e a Seguradoras Unidas beneficiou de dispensa da coima por ter sido a primeira a denunciar o cartel.

Textos publicados no Expresso de 26 de outubro de 2019

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