Economia

Berardo considera que obras de arte valem mais do que a dívida aos bancos. Que números são estes?

Berardo considera que obras de arte valem mais do que a dívida aos bancos. Que números são estes?
ANTÓNIO COTRIM

Há uma nova estimativa para a coleção Berardo, mas que não tem qualquer avaliação artística por trás. É a associação que detém as obras que defende o valor. São €1,3 mil milhões. Como?

Berardo considera que obras de arte valem mais do que a dívida aos bancos. Que números são estes?

Diogo Cavaleiro

Jornalista

José Berardo considera que a coleção de arte da associação com o seu apelido, que inclui as obras de arte que se encontram sob um acordo com o Estado mas também outras peças, vale 1,3 mil milhões de euros. A Associação Coleção Berardo usa o número para defender o levantamento do arresto judicial sobre todas as obras decretado a pedido dos bancos: a coleção é tão valiosa, que ninguém em Portugal iria conseguir comprar a coleção. Mas que número é este? E que outros números há em torno deste universo?

O ponto de partida é um: 316,3 milhões de euros. Foi esta a avaliação, feita em 2006, da autoria da leiloeira Christie’s, às 862 obras que fazem desde aí parte do acordo de comodato que une a Associação Coleção Berardo e o Estado. Estas são as obras que, com base no acordo, estão sob a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo, criada no âmbito do acordo de comodato. E foi este o preço que sempre esteve associado àquele universo de pinturas.

O Estado poderia ter acionado a compra das 862 obras à Associação Coleção Berardo àquele preço, no final do acordo, em 2016. Mas houve uma renovação do acordo até 2022, e a opção não foi exercida, pelo que aquele preço pré-acordado e aceite pelas duas partes deixou de existir, o que é relembrado no recurso de oposição entregue pela associação para acabar com o arresto sobre as obras de arte de José Berardo, assinado pelo advogado Carlos Costa Caldeira.

As obras à venda

Dentro do conjunto de obras de arte sob o acordo com o Estado encontra-se um conjunto de 16 peças que José Berardo quis vender, ao qual o Ministério da Cultura se opôs, como noticiou o Expresso em abril. “Essas 16 obras estavam avaliadas, em 2006, pela prestigiada Christie’s em apenas €61,300,000,00”, indica a referida oposição, a que o Expresso teve acesso – e noticiada inicialmente pelo Jornal Económico. Ou seja, cerca de 2% da coleção correspondia a 19% do seu valor.

Só que, diz a associação Berardo, a Christie’s estava disposta a pagar mais pelas obras dez anos mais tarde: “A ACB apenas pretendeu alienar 16, e em venda em leilão competitivo e muito publicitado, a realizar em Londres por um valor estimado global de € 221,448,600,00”. Ou seja, havia uma valorização de 261% daquele conjunto de obras. A venda foi travada pelo Governo.

Este é um dos passos usados pela defesa para argumentar que as obras valem mais do que o que é público. Mas há mais.

E todas as outras obras

A coleção Berardo integra mais de duas mil peças, não apenas aquelas 862. Todas elas estão arrestadas à ordem do procedimento cautelar colocado à margem do processo de execução interposto pelas instituições financeiras, onde a Caixa Geral de Depósitos, o Banco Comercial Português e o Novo Banco pedem o ressarcimento de dívidas de 962 milhões de euros ao empresário e a entidades a si ligadas.

A totalidade da Coleção Berardo, diz o documento judicial, “foi avaliada em 2009 pela Garry Nader, uma das mais prestigiadas galerias de arte moderna dos Estados Unidos da América, no montante de 571.113.500,00 euros”.

Só que a associação faz um cálculo para a atualização no período de dez anos que entretanto se passou: o mercado de arte moderna valorizou-se 7,6% ao ano desde 2000 e esse número é utilizado pela associação: “Assim, tendo presente a valorização inicial pela Gary Nader, em 2009, teríamos um valor atual da Coleção Berardo de, pelo menos, €1.084.143.934,00 (aplicando uma taxa de atualização de 6%), uma valorização de €1.202.109.365,00 (aplicando uma taxa de atualização de 7%), ou de €1.278.372.474,00, (aplicando uma taxa de atualização de 7,6%)”.

O valor é utilizado pela associação para mostrar que não existe risco de as obras serem vendidas em Portugal e que, portanto, não é necessário nenhum arresto judicial: “é um absurdo, pois seria impossível obter o justo valor por elas num mercado tão ilíquido, a que acresceria o risco político para o comprador imaginário de que o Estado classificasse as obras, não as deixando sair”. “Quem, perante o aparato mediático que envolve tudo o que tenha o nome Berardo, iria agora comprar tais obras?”, deixa ainda a oposição judicial ao arresto.

Contudo, este número é apenas uma estimativa, não havendo nenhuma nova avaliação oficial da coleção que engloba as mais de 2 mil obras. Aliás, a associação chama um professor da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Bernardo Pinto de Almeida, como testemunha, já que este disse ao Correio da Manhã que aquela coleção valeria “mais do dobro” dos 571 milhões da avaliação de 2009.

Os bancos olham para a coleção de arte como a parcela mais valiosa que lhes permitirá serem ressarcidos pelas dívidas do empresário e do seu universo empresarial, mas sabem que é difícil todo o processo para que tal aconteça.

O arresto judicial foi decretado preventivamente, mas ainda não há uma decisão judicial final – daí a oposição apresentada pela associação. A guerra judicial entre o empresário madeirense e os bancos está para durar. E há um pano de fundo: o acordo que assegura que a parcela de 862 obras sob comodato com o Estado ficam em Portugal termina em 2022.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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