Dívidas de Ongoing e Moniz da Maia ao Novo Banco vendidas a fundo americano
Ana Baião
Novo Banco fecha a venda da maior carteira de malparado em Portugal. São créditos avaliados em 3,3 mil milhões de euros, mas de difícil recuperação. Operação deverá causar perdas adicionais ao Novo Banco e pesar no pedido de auxílio ao Fundo de Resolução do próximo ano
As dívidas da Ongoing, de Nuno Vasconcellos, da Sogema, de Bernardo Moniz da Maia, e de outros 59 devedores do Novo Banco foram vendidas a um fundo americano, de seu nome Davidson Kempner. Ao todo, os créditos têm um valor contabilístico de 3,3 mil milhões de euros, mas o preço da transação terá sido bastante inferior.
Segundo noticia a agência Bloomberg, o comprador é a Davidson Kempner. Na corrida estavam dois fundos americanos, já que estava aí também a Bain Capital. Segundo noticiou a revista Sábado, o preço proposto pelos candidatos rondava um intervalo entre 200 e 300 milhões de euros. Um desconto em torno de 90% face ao valor contabilístico. Não foi revelado publicamente o montante acordado - não foi aliás possível obter ainda uma confirmação oficial do desfecho da operação.
O que está na carteira
Em causa está o designado projeto Nata 2, a maior carteira de crédito malparado alguma vez vendida em Portugal. São 61 devedores os que constam do portefólio, mas os empréstimos em causa são em muito maior número. Por exemplo, a Sogema tem oito créditos, no valor global de quase 540 milhões de euros, e os 29 empréstimos concedidos à Ongoing têm um valor contabilístico de 356 milhões (acrescido de cerca de 245 milhões em papel comercial).
No caso desta carteira do Novo Banco, estão em causa 61 devedores. Não só a Sogema e a Ongoing, como também a antiga Escom, agora Legacy, com um crédito de 234 milhões, como o Expresso noticiou. A Prebuild, de João Gama Leão, a IMG, Grupo Matos Gil, e a Controlinveste também estão neste portefólio.
Muitos destes créditos deverão constar do leque de grandes devedores do Novo Banco, uma lista anónima que foi atualizada ontem pelo Banco de Portugal: há 36 créditos a que o Novo Banco está exposto em mais de 43,3 milhões de euros e que têm perdas associadas.
Estes ativos problemáticos são adquiridos pelos fundos aos bancos normalmente com um desconto face ao valor contabilístico. Os fundos trabalham em conjunto com um servicer, a entidade que será responsável pela gestão destes créditos. Avaliam a capacidade de recuperação das garantias. Nestas entidades, há uma especialização em lidar com créditos e outros ativos em dificuldades, como imóveis. O objetivo é gerirem aqueles créditos de forma a conseguirem gerar uma mais-valia face ao valor de aquisição.
António Ramalho e Vítor Fernandes, presidente executivo e administrador executivo do Novo Banco, respetivamente
Nuno Botelho
Mais perdas?
O valor contabilístico e de avaliação dos créditos já não será é que está registado no balanço dos bancos. Há perdas já registadas através, sobretudo, da constituição de imparidades, que existem para fazer uma aproximação face ao valor real de recuperação – e que têm sido feitas em força desde 2017, ano da venda à Lone Star, como o Expresso já escreveu.
Contudo, o valor das imparidades é um dado que não é conhecido publicamente. Certo é que a venda de grandes blocos de créditos tem sido feita a preços inferiores aos valores líquidos (já após imparidades), o que obriga ao reconhecimento de perdas adicionais no momento da venda.
Foi aliás isso que aconteceu com o Novo Banco nas duas vendas de ativos problemáticos feitas este ano: as duas operações (Sertorius e Albatroz), que já têm compradores e aguardam apenas finalização, geraram perdas de 229 milhões de euros para o banco, um terço do valor contabilístico dos ativos. O preço foi revelado por pressão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
A carteira Nata 2 engloba créditos problemáticos ainda de quando a entidade era Banco Espírito Santo. Por isso, estão sob o escudo do mecanismo de capitalização contingente, o sistema criado para que a Lone Star não se responsabilizasse unicamente pelas perdas nestes empréstimos problemáticos. É por isso que o Fundo de Resolução, veículo financiado pela banca mas que tem sobrevivido com injeções estatais, é chamado a cobrir perdas.
O mecanismo funciona quando as perdas dos ativos afetam rácios de capital do banco e o levam abaixo de uma percentagem já predeterminada. Até aqui, o Fundo de Resolução foi chamado a colocar cerca de 2 mil milhões de euros, podendo ainda ser chamado a colocar outros 1,89 mil milhões, já que o tecto máximo acordado é 3,89 mil milhões de euros até 2025.
Porque são os créditos vendidos em carteiras?
Apesar de poderem trazer perdas significativas, quando as imparidades não estão reconhecidas devidamente, a verdade é que os bancos têm optado por fazer vendas de grandes carteiras de malparado para se livrarem do peso de ativos não produtivos.
O Novo Banco tinha, em junho, um rácio de crédito malparado de 20,7%, abaixo dos 28,1% do fecho de 2017, mas bastante acima dos rácios do sector bancário nacional e europeu. São cerca de 6 mil milhões de malparado. Com esta operação, de 3,3 mil milhões, o rácio poderá baixar para metade.
Os supervisores, com o Banco Central Europeu à cabeça, têm feito pressão para que o malparado seja cortado em força, para que o capital dos bancos possa ser dedicado a outros créditos produtivos (e rentáveis), em vez de estar a ser consumido com perdas em créditos de difícil recuperação. E muitas vezes os objetivos têm prazos apertados para serem atingidos.
Daí que os fundos compradores até consigam negociar a compra com descontos mais elevados.
A atividade destas entidades chamadas de “hedge funds” ou de “private equity” não é regulada nem supervisionada, pelo que pode deixar os devedores mais apreensivos em relação ao destino que possa ser dado aos seus empréstimos. No caso do Nata 2, muitos dos créditos já estavam a ser alvo de contendas judiciais, por exemplo em processos de insolvência.