Economia

Banca europeia prepara-se há um ano para Brexit sem acordo

Banca europeia prepara-se há um ano para Brexit sem acordo
Luís Barra

O cenário de saída do Reino Unido da União Europeia sem acordo obrigou os bancos europeus a repensar todo o seu negócio, diz o presidente executivo da Federação Europeia de Bancos. Sobre a banca portuguesa, defende que não deve temer a concorrência das startups de serviços financeiros

Os bancos europeus estão a preparar-se há mais de um ano para uma saída sem acordo do Reino Unido da União Europeia. Quem o diz é Wim Mijs, presidente executivo da Federação Europeia de Bancos (EBF na sigla em inglês). Em entrevista à agência Lusa, em Bruxelas, o responsável admite, contudo, que serão necessários reajustes legais.

"Na primavera do ano passado, houve um momento óbvio em que todas as administrações [dos bancos] assumiram que faltava apenas um ano para o 'Brexit', tendo como referência o [prazo inicial] 29 de março, e começaram a questionar o que precisavam de fazer. Nessa altura, o entendimento dos bancos foi que este era [um processo] incerto e, por isso, a maioria optou pelo caminho mais seguro, de se preparar.

Um cenário que obrigou os bancos a "repensarem literalmente todas as partes dos seus negócios", tantos os europeus, como os britânicos, destacou o responsável. E levou as instituições a adotar planos de contingência que incluem, por exemplo, a reformulação dos contratos e a obtenção de licenças para os bancos continuarem a operar.

"Se de repente tivermos uma saída sem acordo, todos os contratos têm de estar adaptados à legislação britânica e isso obriga à sua reformulação", apontou Wim Mijs, assinalando que "será necessário fazer muito trabalho legal".

Recorde-se que a data final agendada pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, para a saída do Reino Unido da UE, com ou sem acordo, é 31 de outubro.

A EBF agrega 32 associações bancárias nacionais na Europa - entre as quais a Associação Portuguesa de Bancos - que, ao todo, representam cerca de 3.500 bancos europeus, num total de quase dois milhões de funcionários.

Taxas de juro baixas? Um problema com dez anos

Na mesma entrevista, Wim Mijs lembrou que "este não é o primeiro ano em que estamos a viver com taxas de juro baixas, já existem há 10 anos. Por isso, muitos bancos já diversificaram os seus serviços".

O responsável comentou as recentes preocupações manifestadas pelos bancos portugueses sobre a manutenção de reduzidas taxas de juro, referindo que "se o modelo de negócio [dos bancos] só se baseia nisso, então sim, terão problemas porque não diversificaram os seus serviços".

Reconhecendo as razões para o estímulo por parte dos bancos centrais, o responsável alertou, contudo, que "o problema é que [o mercado] fica viciado em taxas de juro baixas". E salientou que a EBF acompanha "a preocupação dos bancos portugueses", por não ser apenas relacionada com as baixas taxas de juro, mas antes de um "nível macroeconómico", por problemas como a desaceleração da economia.

Sobre o novo executivo comunitário, que entra em funções em novembro, liderado por Ursula von der Leyen, Wim Mijs pediu a concretização da União dos Mercados de Capitais. "É simples: se dizemos aos bancos que têm de ter capital para [enfrentar] as mudanças, é frustrante que os maiores bancos europeus tenham de ir ao mercado de capitais norte-americano para conseguir as verbas de que necessitam. Por isso, por favor, criem uma União dos Mercados de Capitais", concluiu.

Sem medo da concorrência

Para Wim Mijs, as instituições bancárias portuguesas "não devem temer a concorrência" de companhias tecnológicas financeiras como a Revolut ou a Paypal, defendendo que a banca deve começar a prestar este tipo de serviços.

Em causa está a nova diretiva dos pagamentos da União Europeia (UE), que entra em vigor na sua totalidade no dia 14 de setembro, trazendo uma mudança significativa para os bancos, que passam a ser obrigados a partilhar os dados dos clientes com empresas como as 'fintech' (tecnológicas de serviços financeiros), com a devida autorização destes.

O responsável manidfestou, contudo, preocupações com a segurança.

"A integridade de um sistema de pagamentos é essencial, por isso é preciso garanti-la, [...] e isso é mais fácil se decidirmos quem pertence ao 'clube'. Se abrirmos [o mercado] a mais inovação e a mais concorrência, que é o que as autoridades europeias e a Comissão querem fazer, claro que isso pode funcionar, mas também pode levar a riscos", destacou.

Segundo Wim Mijs, "os bancos estão preocupados com a integridade do sistema", mas também estão "frustrados" por terem de assumir as responsabilidades com as questões de segurança, mesmo tratando-se de serviços prestados por terceiros como as 'fintech'.

Por isso, para a EBF, "a concorrência é bem-vinda", mas os novos operadores "deviam ter responsabilidades" nestas questões, apontou.

Ainda assim, Wim Mijs reconheceu "ideias incríveis" vindas destas tecnológicas financeiras.

"Para mim, daqui a cinco anos, teremos um setor bancário diferente, e a Revolut e a Paypal são exemplos de boas ideias de serviços que os bancos vão começar a prestar", frisa.

"Não são as 'fintech' que vão substituir as instituições bancárias. As pessoas vão querer um serviço e esperam que os seus bancos os forneçam. As pessoas não vão mudar para a Revolut se os seus bancos tiverem esse tipo de serviços", salientou.

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