Economia

Nem um passo à frente: patrões querem o mesmo acordo para todos os motoristas

Nem um passo à frente: patrões querem o mesmo acordo para todos os motoristas
Rui Duarte Silva

O sindicato dos motoristas de matérias perigosas reúne esta terça-feira com o Governo, depois de o Executivo falar com a Antram. Eis o que cada uma das partes leva a jogo

Nem um passo à frente: patrões querem o mesmo acordo para todos os motoristas

Miguel Prado

Editor de Economia

“Nem um passo atrás” foi, na última semana, o lema dos motoristas em greve, exigindo das empresas de transporte de mercadorias aumentos salariais e melhores condições de trabalho. Esta terça-feira o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), que aceitou parar a greve iniciada dia 12, volta à mesa das negociações, mas receberá da Antram uma premissa de base: a associação patronal não quer conceder ao SNMMP condições diferentes daquelas que venha a acordar com outras organizações sindicais, como a Fectrans.

Embora legalmente pudessem ser firmados diferentes acordos e compromissos com as várias organizações sindicais, a Antram, associação das empresas de transporte de mercadorias, deverá bater-se pela assinatura de um acordo com o SNMMP que garanta aos trabalhadores associados a este sindicato os mesmos direitos que venham a ser contratualizados com outros sindicatos, de forma a evitar uma discriminação entre trabalhadores, apurou o Expresso.

A mesa das negociações terá o Governo como pivô, mas numa fase inicial a Antram e o SNMMP não deverão falar diretamente entre si. Para as 12h está marcada uma reunião entre os mediadores do Governo e a Antram e para as 16h ficou agendado um encontro entre o Executivo e o SNMMP. Nestas reuniões cada parte dará a conhecer aos mediadores governamentais as suas condições de base. Dificilmente haverá “fumo branco” já esta terça-feira.

O que separa, afinal, o SNMMP e a Antram? Ao longo das últimas semanas as duas partes travaram na praça pública uma guerra de argumentos e trocaram acusações, num conflito que se arrasta há meses. Após a paralisação de abril, sindicato e patrões conseguiram chegar a um princípio de entendimento em maio, que foi isso mesmo: um princípio de acordo. A 17 de maio as duas partes firmaram um protocolo, mas o SNMMP acabou por lançar um pré-aviso de greve reivindicando aumentos salariais que estavam previstos no entendimento inicial, mas que tinham caído no protocolo de 17 de maio.

A greve confirmou-se, levando o Governo a adotar um plano exigente de serviços mínimos, que acabou por evitar o caos que se adivinhava, depois do impacto de quatro dias de paralisação dos motoristas de matérias perigosas em abril. Mas dois dias após o início da greve a Antram assinou um memorando de entendimento com a federação sindical Fectrans (afeta à CGTP), que se deu por satisfeita com as propostas das empresas de transportes, ao contrário do SNMMP.

Este domingo, ao desconvocar a greve, o SNMMP emitiu um comunicado no qual reconhece que há agora margem para negociar. “O ponto de partida da mediação já se encontra acima daquele em que estávamos antes deste processo de luta”, declara o sindicato. Mas, ressalva a mesma entidade: “As bases que estão lançadas para essa negociação ainda estão longe do que precisamos para que os motoristas de matérias perigosas possam viver com dignidade”.

O SNMMP não antecipou em concreto o que exigirá agora da Antram, mas lançou no seu comunicado os pontos-chave do seu caderno reivindicativo. O sindicato pretende que a base salarial aumente para refletir o risco do transporte de matérias perigosas e que “as horas extraordinárias devem ser pagas em função do seu volume real e não por estimativa”. O SNMMP também defende que uma parcela maior dos rendimentos dos trabalhadores seja tributada e conte para efeitos de baixas e para “as contas da reforma”.

O tema do pagamento das horas extraordinárias é uma preocupação não apenas do SNMMP mas também da Fectrans, que há dias se congratulou com a disponibilidade da Antram para alterar a cláusula 61 do contrato coletivo, passando o trabalho noturno a ter um pagamento autónomo, e assumindo que nenhum trabalhador terá de prestar trabalho extraordinário de forma regular, nem trabalhar em situações excecionais mais do que 48 horas semanais.

Recorde-se que na base da greve da última semana esteve a reivindicação de aumentos salariais para 2021 e 2022 (o protocolo de 17 de maio já assumia um aumento do salário-base de 630 para 700 euros em 2020), algo com que a Antram não se quis comprometer, admitindo somente a sua atualização em função da evolução do salário mínimo.

No memorando firmado na semana passada com a Fectrans, a Antram reiterou o aumento de 70 euros no salário base em 2020, assegurando que todos os trabalhadores afetos a essa federação sindical irão, na prática, ter uma atualização de pelo menos 120 euros (os restantes 50 euros virão da subida de outras rubricas de remuneração que estão indexadas ao salário-base).

O memorando firmado com a Fectrans será ainda afinado. A Fectrans reunirá com o Governo no final deste mês e voltará a sentar-se com a Antram na primeira semana de setembro, para redigir um novo contrato coletivo, que entrará em vigor em janeiro de 2020. Há matérias já fechadas (como o direito dos trabalhadores a exames médicos anuais pagos pelos patrões) e outras por fechar (como o alargamento do seguro dos trabalhadores e inclusão de capítulos autónomos relativos aos motoristas de matérias perigosas).

Nos termos do memorando que a Fectrans assinou, os motoristas de matérias perigosas receberão um subsídio de 125 euros mensais. As ajudas de custo diárias terão um aumento de 4%.

Será um processo similar que a Antram tentará agora encetar com o SNMMP. O sindicato já avisou que se a associação se mantiver intransigente avançará com uma nova greve, mas em moldes diferentes: já não será uma greve total e por tempo indeterminado, mas antes uma recusa de trabalho em horas extraordinárias e aos domingos.

O trabalho aos domingos está, aliás, em vias de ser resolvido, já que ainda este mês o Governo deverá publicar legislação que impedirá o transporte de mercadorias perigosas ao domingo.

Mas o trabalho negocial entre a Antram e o SNMMP não se avizinha fácil. As duas partes trocaram acusações ao longo de meses: a associação patronal acusou o sindicato de violar o protocolo de maio ao convocar uma greve, quebrando a promessa de promover a paz social; e o sindicato acusou a Antram de violar o acordo inicial ao recusar aumentos salariais para 2021 e 2022.

Porém, o impacto limitado da greve de agosto (que esteve longe de parar a distribuição nos hipermercados, ao contrário da paralisação de abril, e que provocou muito menos filas para abastecer combustível) deverá levar o SNMMP a assumir agora maior abertura ao diálogo, procurando igualar ou melhorar as condições já asseguradas pela Fectrans junto da Antram.

Gasolineiras cautelosas

Para já, as gasolineiras estão cautelosas na análise dos efeitos da greve. O Expresso pediu a algumas das maiores empresas do setor elementos sobre a venda de combustível no período de 1 a 18 de agosto, mas nem a Galp, nem BP nem Repsol facultaram dados.

Fonte do sector indicou que a quebra de consumo no período da greve foi neutralizada pelo acréscimo registado antes de 12 de agosto, notando, contudo, que a paralisação gerou "desequilíbrios logísticos com enormes custos".

A Galp Energia não fez nenhum comentário sobre o impacto da greve. Já a Repsol nota que "este período de greve foi antecipado em termos de alteração de comportamento dos consumidores e a situação ainda não se encontra normalizada, pelo que será necessário analisar um período mais alargado e que ainda não terminou".

A BP, por seu turno, nota que "o principal impacto foi a disrupção que provocou nos postos de abastecimento de todo o país e junto do dia-a-dia dos nossos clientes".

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mprado@expresso.impresa.pt

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