KPMG: uma auditora na mira dos reguladores por causa do BES
Já este ano o Banco de Portugal tinha condenado a KPMG por violação de regras no trabalho feito no BES. Agora a auditora foi alvo de uma acusação por parte da CMVM.
Já este ano o Banco de Portugal tinha condenado a KPMG por violação de regras no trabalho feito no BES. Agora a auditora foi alvo de uma acusação por parte da CMVM.
Jornalista
O Banco Espírito Santo caiu há quase cinco anos. Mas o rasto da queda do império ainda se faz sentir. A KPMG Portugal, que era a sua auditora, foi alvo da mira dos supervisores. Depois da condenação pelo Banco de Portugal, o caso já motivou uma acusação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). No passado, também já o Banco Comercial Português tinha causado problemas junto do supervisor dos mercados de capitais.
O Jornal de Negócios noticiou esta quarta-feira, 24 de julho, que a CMVM decidiu que, depois do processo de investigação aberto em 2016 à KPMG, vai mesmo avançar para uma acusação. Inicia-se agora o período para a defesa da auditora liderada por Sikander Sattar, sendo que só depois haverá uma decisão final, de condenação ou de arquivamento.
A acusação à KPMG chega com atraso. Antecipava-se que podia ter acontecido em 2018, mas acabou por só agora, no verão de 2019, ser concluída a acusação. E, como referido, ainda falta para que um ponto final. De qualquer forma, só em 2016 é que a CMVM passou a ter poderes de supervisão sobre as sociedades revisoras oficiais de contas - antes, era o Conselho Nacional de Supervisão de Auditoria, que tinha iniciado um processo, mas que nunca chegou a uma decisão de acusação.
A autoridade presidida por Gabriela Figueiredo Dias tem a função de olhar para a qualidade do trabalho de auditoria feito pelas sociedades revisoras oficiais de contas. Neste campo, as contraordenações ocorrem, nos casos muito-graves, quando há violação dos deveres de emitir reservas e/ou escusas de opinião, e quando as opiniões proferidas não são fundamentadas.
Em relação ao BES, a CMVM apreciou a qualidade do trabalho da KPMG Portugal feito sobre o banco e, aí, sobre o conhecimento do risco causado pela exposição do banco à unidade que tinha em Angola, o BESA, onde foram praticadas irregularidades na concessão de créditos. A KPMG Portugal era - e é - liderada por Sikander Sattar, o mesmo responsável pela KPMG Angola, que era a auditora do BES Angola.
Só que a KPMG certificava as contas do BES em todas as matérias e não apenas em relação ao BESA.
Além de sanções pecuniárias (em dinheiro), a CMVM também pode determinar sanções acessórias, como a interdição temporária da atividade ou mesmo revogar a autorização.
Contudo, esta fase de acusação em que está o supervisor do mercado de capitais é ainda anterior à condenação. É aí que está o Banco de Portugal.
O Banco de Portugal já proferiu uma decisão final em relação à KPMG no BES. E optou pela condenação. A auditora foi alvo de uma coima de 3 milhões de euros, havendo também funcionários condenados, incluindo o presidente Sikander Sattar (450 mil euros).
Em relação ao supervisor da banca, a contraordenação não visa a qualidade do trabalho de auditoria. São duas as matérias em que o Banco de Portugal pode atuar: quando são prestadas informações falsas ou incompletas ou quando os auditores deveriam ter colocado reservas e comunicar o facto ao supervisor. E, aí, o supervisor liderado por Carlos Costa considerou que a KPMG falhou nos dois casos.
O processo do Banco de Portugal foi alvo de contestação pelos visados. Neste momento, aguarda-se o início do julgamento no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém. Ou seja, saiu da esfera de autoridades administrativas para a judicial.
A avaliação da restante parcela do trabalho de auditoria cabe à CMVM desde 2016 - o que está em causa nesta acusação.
Nem o regulador nem a auditora quiseram fazer comentários sobre o caso. Certo é que a oposição entre a KPMG e o Banco de Portugal passa agora para um plano diferente, em que a CMVM assume também ter dúvidas sobre o trabalho feito pela auditoria.
O BES não é, contudo, o único caso de uma investigação polémica em torno da KPMG. Em 2013, a CMVM terminou o processo que tinha aberto devido ao Banco Comercial Português (BCP) com uma condenação, em que a coima pode ter ascendido a 150 mil euros, ainda que suspensa por dois anos, como noticiou o Jornal de Negócios.
A autoridade de supervisão abriu esse processo em 2007 – quando a CMVM tinha poderes sobre as auditoras de empresas cotadas. Em causa estava o possível conhecimento da utilização irregular de paraísos fiscais por parte do BCP quando ainda era liderado pelo fundador Jorge Jardim Gonçalves. Também nesse caso, a condenação demorou seis anos a sair.
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