José Sócrates saiu em defesa de Vítor Constâncio nas respostas que dá à comissão de inquérito. O ex-governador do Banco de Portugal nada podia fazer para impedir que José Berardo reforçasse a sua participação no BCP com crédito da Caixa Geral de Depósitos. Fazê-lo seria “prevaricação”.
“O Banco de Portugal não aprovou a operação de crédito nem poderia de nenhuma forma alterar ou anular esse empréstimo. Não podia. Nem legalmente nem de qualquer outra forma, já que se o fizesse estaria a desrespeitar os direitos dos outros e a abusar da sua autoridade. Ir ‘além da lei’ significa violá-la e isso tem um nome no código penal – prevaricação”, declarou, por escrito, o antigo primeiro-ministro aos deputados do inquérito à Caixa Geral de Depósitos.
Vítor Constâncio foi ouvido no inquérito parlamentar por duas vezes, sendo que a sua audição seguiu-se à notícia do Público, que dava conta que o ex-governador tinha tido conhecimento, em 2007, de que o reforço da posição de Berardo no BCP seria feito com um empréstimo de até 350 milhões de euros concedido pela CGD.
“O Banco de Portugal não aprovou a operação de crédito nem poderia de nenhuma forma alterar ou anular esse empréstimo. Não podia. Nem legalmente nem de qualquer outra forma, já que se o fizesse estaria a desrespeitar os direitos dos outros e a abusar da sua autoridade”, continuou o antigo primeiro-ministro.
Nesse campo, Sócrates considera que os deputados se deixaram enveredar por uma história: “Ficou evidente - em desfavor da sua credibilidade – é que, desde inicio, a comissão definiu os seus alvos”. E Constâncio tornou-se também um alvo do PS, de que foi secretário-geral, defendeu o antigo governante.
Sendo assim, disse, “os únicos responsáveis pelo empréstimo ao senhor José Berardo são os administradores da Caixa Geral de Depósitos – os únicos”. Os deputados da comissão de inquérito têm defendido que as administrações do banco público são efetivamente as principais responsáveis, mas não estavam sozinhas, sublinhando que a supervisão e os governos também não fizeram o seu trabalho – o que Sócrates contesta. O relatório da comissão de inquérito é discutido dia 19 – a versão preliminar, a cargo de João Almeida, é entregue dois dias antes.
“Nunca discuti com o senhor governador do Banco de Portugal [Constâncio] qualquer assunto relacionado com a crise na administração do BCP ou com financiamentos da Caixa Geral de Depósitos, nem ele alguma vez mostrou qualquer intenção de discutir tais matérias comigo ou com o governo. A independência do Banco de Portugal prevista na lei foi sempre seguida de forma escrupulosa”, assegurou José Sócrates nas respostas aos deputados.
Não sabia que CGD estava a financiar acionistas do BCP
Aí, referiu também a guerra no BCP. “Nunca – repito, nunca- orientei, sugeri ou discuti com qualquer acionista do banco comercial português as escolhas a fazer para a sua administração. Nunca me reuni com acionistas ou grupos de acionistas para falar sobre a administração do BCP e também isso nunca me foi solicitado por qualquer dos envolvidos na disputa”, defendeu-se, novamente, Sócrates, uma ideia que tem igualmente sobre outros temas, como a Portugal Telecom, em que recusou qualquer pressão.
“Nunca foi do meu conhecimento que a Caixa tinha decidido conceder crédito a acionistas do BCP nem tal assunto foi alguma vez discutido dentro do governo ou entre mim e o Ministro das Finanças”, acrescentou também.
Em 2007, houve vários grupos, como Berardo, a construtora Teixeira Duarte ou Moniz da Maia, que foram reforçando as suas posições no BCP para se posicionarem na guerra entre Jorge Jardim Gonçalves, o fundador, e Paulo Teixeira Pinto, o seu sucessor.
Filipe Pinhal, da fação do primeiro que acabou por ser CEO do banco após aquela guerra, mas que saiu no fim daquele turbulento ano, acusa Sócrates, Teixeira dos Santos e Vítor Constâncio de se terem unido para colocarem uma gestão favorável (a de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara, que entrou em funções em 2008) - uma "teia urdida".
“A história de um conluio entre mim, o Ministro das Finanças e o governador do Banco de Portugal não passa de uma tese mal intencionada e desesperada que visa por um lado desviar as atenções dos problemas causados ao BCP por parte de quem a invoca e que, por outro lado, tem o propósito de atacar covardemente o meu governo com base numa narrativa para a qual, ao fim de todos estes anos e com tanta gente envolvida, não apontam nenhum facto que a sustente”, continuou Sócrates.
Recusa qualquer ligação com Berardo
Sendo assim, nem o próprio Berardo foi por si influenciado a adquirir ações do BCP, como sugerido por Pinhal. “Nunca discuti, conversei ou orientei o senhor José Berardo em qualquer investimento”, continuou. Também não sugeriu a “ninguém que requeresse empréstimos na Caixa para tomar ou reforçar posições no Banco Comercial Português”. E acrescenta: "Nunca reuni com o senhor José Berardo em 2007".
“No entanto, a miséria moral chegou a tal ponto que nesta comissão o Dr. Filipe Pinhal referiu uma pretensa conversa com o senhor Joe Berardo em que este lhe terá dito que 'ainda estou para saber como é que aquele homem me enfeitiçou, como é que aquele homem me deu a volta...' Para, então, a partir daqui, concluir que 'aquele homem' só poderia o Dr. Teixeira Pinto ou eu próprio. E, acrescenta, só poderia ter sido eu já que a palavra daquele não teria peso suficiente para influenciar o senhor José Berardo. Este comportamento não tem outro objetivo que não seja senão procurar envolver o meu nome na história seja de que forma for, nem que seja preciso recorrer à forma mais abjeta de intriga, de insinuação e de mentira", continuou.