18 junho 2019 18:26
nuno botelho
“Tudo é mentira”. Terminou assim a audição de cinco horas do antigo governador do Banco de Portugal, com um ataque a Joe Berardo. Vítor Constâncio criticou o empresário, mas também o jornal “Público” e Filipe Pinhal. A regra foi sempre: cumprir a lei e nada mais do que a lei
18 junho 2019 18:26
Cumprimento da lei: foi este o argumento de base de Vítor Constâncio na sua segunda audição na segunda comissão de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos. A lei não permitia opor-se ao reforço de José Berardo no Banco Comercial Português, mesmo que com um financiamento exclusivo de 350 milhões de euros da Caixa Geral de Depósitos. Mas a sessão de esclarecimento aos deputados não foi só isso. Houve direito a ataques: a Berardo, a Filipe Pinhal e ainda ao jornal "Público".
Para perceber a audição de Constâncio é necessário recuar a 2007, quando era o governador do Banco de Portugal e quando estava em curso uma contagem de espingardas no BCP, numa guerra de poder que opunha Jorge Jardim Gonçalves, fundador, e Paulo Teixeira Pinto, o sucessor por si escolhido mas com quem se incompatibilizou. Em cada um dos lados, havia acionistas.
Governador naquele período, o antigo secretário-geral do Partido Socialista defendeu perante os deputados que sempre se manteve à margem da guerra. E o que fez foi respeitar a lei. Na contagem de espingardas, quatro grupos privados (Teixeira Duarte, Investifino, Metalgest – de José Berardo – e Goes Ferreira) reforçaram, no espaço de mês e meio, as suas participações no BCP. Sem que o Banco de Portugal – que tinha de autorizar quaisquer investimentos que superassem barreiras (5%, 10%, 20%, 33% e 50%) – se opusesse. “Não tivemos nenhum conhecimento prévio dos pedidos e da intenção para dar crédito a acionistas do BCP. Tudo o que existiu foi a posteriori”, justificou o governador do Banco de Portugal naquela altura. Não se podia travar aqueles reforços.
“As operações eram legais. Eram comuns na época. Outros bancos portugueses, na altura, fizeram operações iguais. Eram legais e eram legítimas”, declarou, perante deputados que se foram exasperando com algumas das suas justificações. Sobretudo porque o argumento foi repetido. Até porque as perguntas também o foram, já que a inquirição se estendeu por cinco horas (houve uma pausa de 45 minutos a pedido do antigo vice-presidente do Banco Central Europeu - BCE).
"Não se podia fazer nada sobre a CGD
A exposição da Caixa a todos aqueles acionistas do BCP – que levaram o banco público a ter penhor sobre 8% da instituição privada – causava “alguma preocupação” ao Banco de Portugal. “Mas não se podia fazer nada”. Não se podia ir além da lei. E a lei não permitia ao supervisor travar operações de crédito concedido. Quanto muito, podia exigir-se a constituição de provisões ou reforço de capital; não cancelar os empréstimos.
Houve algum caso em que tenha havido uma não oposição do Banco de Portugal, quando, entre 2000 e 2010, foi por si liderado? “Perguntem ao Banco de Portugal. Poderá responder a essa questão”, respondeu. Aliás, a muitas perguntas, essa foi a reação: “Mais pormenores perguntem ao BdP”.
A lei era para cumprir – essa foi, aliás, a posição sempre assumida pelo supervisor, mesmo liderado por Carlos Costa, nomeadamente como justificação para não promover o afastamento de Ricardo Salgado do Banco Espírito Santo, em 2014.
A contenda com Berardo
E, defendeu Constâncio, nem todos os créditos da CGD correram tão mal como o de Berardo. O empresário madeirense é aquele a quem dirigiu mais ataques. Aliás, no arranque da audição, o ex-governador enunciou que as notícias que têm sido publicadas sobre si interessam a Berardo. “A quem interessa que se pense que o crédito não tinha quaisquer garantias? A quem interessa que se diga que as únicas garantias eram ações compradas pelo dinheiro emprestado?”.
Aliás, o antigo vice-presidente do BCE recusou que tenha estado reunido, a sós, em 2007, com Berardo – quando houve encontro, foi com outras pessoas e o empresário portou-se de forma “bizarra”. Constâncio acredita que esse comportamento se deveu ao facto de Berardo querer um encontro a sós e, afinal, haver outras personalidades presentes. Na altura, estava em curso a guerra de poder no BCP, em que Berardo era um dos intervenientes. “Tudo isso é mentira. Vou analisar essas declarações. Vou analisar essas mentiras. Tudo isso é mentira", disse Constâncio sobre a reunião que Berardo disse ter acontecido.
Quando a audição da comissão de inquérito acabou, o empresário declarou publicamente que aquela reunião a sós, entre quatro paredes, tinha acontecido. Criticou a memória de Constâncio. E anunciou que iria chamá-lo como testemunha, mesmo que “hostil”, para o processo de execução da CGD, BCP e Novo Banco em que lhe pedem 962 milhões de euros. Isto depois de Constâncio ter deixado um conselho a Berardo: “Terá de ponderar muito se interessa que eu seja sua testemunha”.
Teorias?
Mas Constâncio também acusou o Público de “calúnias”, devido às notícias que o jornal tem avançado - que levou os deputados a dizerem que não era ao jornal que estava a responder, mas sim à comissão de inquérito. Também atirou farpas a Filipe Pinhal. "Não me passaria pela cabeça falar de uma teia urdida contra mim”. Mas assume que pode “interessar a um vasto conjunto de pessoas”. Falou em “tentativas de vingança dos que foram condenados e afastados do sistema”. Aí, um exemplo foi Filipe Pinhal, ex-presidente do BCP e “condenado pelo BdP e CMVM”.
Apesar de ter sempre respondido, e embora tenha remetido para o Banco de Portugal muitos dos pedidos, houve aspetos de que Constâncio não se lembrava. “Nem eu nem a minha memória aos 75 anos podem estar aqui a ser julgados”. “Não tenho a base de dados do Banco de Portugal na minha cabeça".
Nenhum dos partidos ficou satisfeito com as respostas - como já tinha acontecido na primeira audição. Todos levantaram dúvidas e todos lançaram dúvidas sobre a sua atuação.
A comissão de inquérito à CGD ainda tem um mês de trabalhos pela frente.