Economia

O fado que liga a economia às artes

Grupo de atores recria, 
no 2.º Encontro Fora da Caixa, o famoso quadro 
“O Fado”, de José Malhoa
Grupo de atores recria, 
no 2.º Encontro Fora da Caixa, o famoso quadro 
“O Fado”, de José Malhoa
José Fernandes

Sectores juntam-se cada vez mais para apoiar a expressão artística e gerar “criação de empresas e emprego”

O fado que liga a economia às artes

Tiago Oliveira

Jornalista

Os dados são do estudo da Comissão Europeia, “Os Europeus e o Património Cultural”, e ajudam a traçar um retrato de um sector cujo impacto económico, puro e duro, além do social, ainda é reduzido em Portugal. Pelo menos em comparação com os países da UE. Com apenas 17% da população a afirmar que visita museus ou vai regularmente a outros eventos culturais, ocupamos o último lugar entre os Estados-membros neste indicador e somos o quinto país que menos emprega atividades relacionadas com a cultura, com apenas 2,3%. Números que não contam a história toda de um sector em que se procura dar mais acesso às artes e outra expressão económica por intermédio de sinergias com outras áreas.

“Valorizamos cada vez mais a cultura”, defende Helena Santos no Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha no 2º Encontro Fora da Caixa: Economia & Cultura — projeto que conta com o apoio do Expresso. A socióloga e professora na Faculdade de Economia da Universidade do Porto é especialista em economia cultural e fala de toda uma nova atenção económica que recai sobre o sector e que se reflete na “criação de empresas e emprego”. Com uma primeira ressalva: falamos de uma área em que muitas vezes se misturam videojogos com artes performativas, por exemplo. Elementos diferentes — em que uns geram retorno financeiro e outros não podem oferecer essa expectativa — que estão a conhecer novas vidas e se relacionam cada vez mais para gerar benefícios mútuos. Por outro lado, “a diminuição do financiamento das políticas culturais” é compensada pelo aumento do número de “incubadoras e indústrias criativas”, aponta Helena Santos.
Ligação entre arte e produção industrial que esteve na génese da cerâmica produzida sob a égide de Raphael Bordallo Pinheiro desde 1884 nas Caldas da Rainha. A fábrica que hoje leva o seu nome é responsável pelas andorinhas e pratos em forma de couve que são parte integrante do espólio de muitas casas portuguesas e, desde cedo, houve a preocupação em aliar os produtos saídos da linha de montagem à valia artística. “É uma carga histórica que só aumenta a responsabilidade”, confessa Paulo Pires, e “uma aposta na inovação” que o CEO do Grupo Vista Alegre vê como essencial para o sucesso futuro e onde há “sempre muito trabalho a fazer em termos de criatividade.” Recentemente ampliado, o histórico espaço fabril conta hoje com uma área de 12 mil metros quadrados, tem 270 funcionários e um volume de negócios de €6,4 milhões. O responsável acredita em pegar neste legado artístico em permanente construção para juntar “a vertente turística à vertente industrial.”

E o município, onde o presidente da Câmara Municipal garante que a relevância da “produção cultural é muito significativa”, procura ser um exemplo desta renovada reunião entre as vertentes artística e económica. “Com a cerâmica veio a estética”, lembra Fernando Tinta Ferreira, com a certeza que “todo o concelho está envolvido nesse processo criativo” que vai desde as manifestações “mais tradicionais às mais ativas e dinâmicas.”

É o caso do Festival Impulso, que teve em maio a sua segunda edição e que resulta de uma organização colaborativa entre alunos e professores da Escola Superior de Artes e Design com a coprodução da Licenciatura em Som e Imagem e a Associação da Juventude da cidade e que procura recolher frutos desta ligação. Nuno Monteiro, um dos organizadores do certame musical, diz mesmo que “a tendência por uma cultura alternativa e o gosto pela diferença sempre foi uma das imagens de marca das Caldas da Rainha” e que este tipo de iniciativas pode “promover o turismo“ e ajudar a “aumentar a mais-valia económica da região.”

Resposta industrial
Isabel Corte-Real, conservadora da coleção CGD, Culturgest, defende que “mais agentes económicos deviam ter o papel de apostar na arte e na cultura” sobretudo porque a “obra de arte não existe enquanto não tiver ninguém a olhar para ela.” Entre 2013-2017, Portugal já aplicou praticamente metade do dinheiro que recebeu dos fundos europeus para a preservação do património cultural. A responsável acredita que não chega e que “conseguir dar a resposta industrial é fundamental para os artistas e a para a produção visual.”

Nas palavras de Augusto Mateus, “a cultura não é tanto uma rubrica de despesas mas um instrumento para afirmar um consenso” pelo que é “muito difícil não ter um pensamento de sólida ligação entre economia e artes.” Mesmo em Lisboa, o consultor e economista refere que “ainda não fomos capazes de capitalizar a envolvente cultural” e vê este vetor da economia cultural como essencial para cativar profissionais qualificados mais novos e parte integrante da diversidade de funções que o território consegue alcançar para fixar pessoas.

Mais de 45% dos trabalhadores na área da cultura têm entre 15 e 39 anos e Helena Santos acredita que “existem caminhos de grande potencial” a serem percorridos por uma nova geração “com contributo muito importante das universidades” que, em campos como o audiovisual, oscilam entre “uma relação forte com Portugal” e a integração de “equipas internacionais.” Atualmente temos “uma realidade muito mais aberta”, resultado de um campo artístico que “cresceu e se diversificou nos últimos anos” e que já merece “mais economistas a olhar para ele.”

“Nenhum território que não crie riqueza tem futuro”

Augusto Mateus, Isabel Corte-Real e Paulo Pires foram alguns dos oradores que marcaram presença nas Caldas da Rainha
José Fernandes

Do palco do Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha, o consultor Augusto Mateus olhou de frente a plateia cheia e tratou de fazer um diagnóstico das dinâmicas empresariais que afetam a cidade e Portugal. Assim como os participantes nos painéis do mais recente Encontro Fora da Caixa que se pautaram por um misto de otimismo e de cautela relativamente à situação que sentem no terreno.

“O negócio é muito diferente do que aquilo que era quando começámos”, adiantou o CEO do Grupo Gespro, Joel Rodrigues, a partir do exemplo da SM3D, empresa que se tornou especialista na produção de peças em grafite destinadas a indústrias como a automóvel, a hospitalar ou a aeroespacial. “Fomos inovadores no campo do design na Marinha Grande, pegando na tradição do vidro para o aplicar na construção de moldes”, conta. Hoje a empresa é pioneira a nível europeu e uma das mais procuradas quando se fala em tecnologia de ponta para o sector. Ou não houvesse na linha de produção “robôs autónomos” capazes de ler um QR code numa dada peça para a moldar da forma necessária. Foi um dos passos que fizeram a diferença no futuro do negócio e que para o empresário é exemplificativo da necessidade de, tendo capacidade para isso, “investir nas alturas difíceis e ver onde estão as oportunidades.” Digitalização que também já é uma realidade numa área como a vinicultura. “Estamos em permanente automatização para trabalharmos com mais eficiência”, garante o administrador do grupo Parras, Luís Vieira, sobretudo quando a falta de mão de obra é uma evidência clara. Para o responsável, encontrar novos métodos de produção apoiadas na mecanização “é a única forma de colmatar, em todas as áreas” os efeitos provocados pela quebra demográfica. E continuar a promover a exportação que é tão essencial para o futuro do negócio.

Nas palavras de Augusto Mateus, “eu sou competitivo se consigo interpretar mais depressa do que os outros aquilo que eles verdadeiramente querem.” O consultor tem a certeza de que “nenhum território que não crie riqueza tem futuro” e isso só é possível através de uma estratégia assente na atração de pessoas. Sem esquecer a importância da sustentabilidade e a definição de “uma relação estratégia entre a energia e a mobilidade.”

Textos originalmente publicados no Expresso de 8 de junho de 2019

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