Um cálculo "totalmente arbitrário". É assim que o Ministério das Finanças classifica as estimativas da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República, sobre o custo da reposição integral do tempo de serviço congelado nas carreiras da Administração Pública. E que apontam para valores, em termos líquidos (ou seja, considerando não apenas o aumento da despesa com salários, mas também o acréscimo da receita com IRS, contribuições sociais e contribuições para a ADSE) 30% abaixo dos valores brutos avançados pelo Governo (que apenas consideram o acéscimo de despesa).
"A UTAO utiliza exatamente os mesmos valores brutos para o impacto financeiro das alterações ao DL 36/2019 em votação na AR", constata o Ministério das Finanças numa nota enviada às redações. "Desta forma, o relatório da UTAO não acrescenta nenhuma informação nova acerca do custo dessas alterações face às que foram apresentadas pelo Governo".
Certo é que os números da UTAO indicam que a eventual contabilização integral do tempo de serviço congelado deprofessores, magistrados, oficiais de justiça, militares das Forças Armadas e militares da GNR, para efeitos de progressão na carreira, custaria anualmente aos cofres públicos 567 milhões de euros. Um valor que compara com os 804 milhões de euros anunciado pelo Governo.
A diferença prende-se, precisamente, com o facto de a análise da UTAO ser feita em termos líquidos, enquanto os números apresentados pelo Governo são brutos.
"O Ministério das Finanças apresenta sempre os valores brutos das medidas da despesa, no cumprimento da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) em vigor", justifica o Ministério das Finanças. E enfatiza que "o Governo é responsável pela orçamentação de todas as despesas, neste caso das despesas com pessoal. O seu valor será acrescido pela totalidade do impacto bruto que são responsabilidade do Estado enquanto empregador".
Mais ainda, as Finanças consideram que o valor estimado pela UTAO, líquido de IRS e contribuições para a segurança social, representa um cálculo "totalmente arbitrário".
"Refira-se, por exemplo, que as contribuições sociais têm como finalidade financiar a despesa com pensões e prestações da segurança social. O acréscimo de contribuições gera responsabilidades e despesa adicional quer no curto quer no longo prazo de montante igual ou superior, o que não é considerado pela UTAO", frisa o Ministério liderado por Mário Centeno. As Finanças argumentam que "descontar este valor ao custo da medida tem o mesmo efeito de querer gastar duas vezes o mesmo euro".
Por isso, consideram que a medida "seria de uma clara irresponsabilidade orçamental, apenas geraria a necessidade de emitir dívida num montante idêntico ou aumentar os impostos para o financiar".
As Finanças lembram que, segundo a UTAO, a recuperação integral do tempo de carreira congelado "agravaria a probabilidade de incumprimento das regras do saldo estrutural e do esforço de convergência para o objetivo de médio prazo". E rematam que "sem mais medidas de mitigação da despesa a 'regra da despesa' do Pacto de Estabilidade e Crescimento seria impossível de cumprir no contexto do Programa de Estabilidade 2019-2023 apresentado no final de abril na Assembleia da República".
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