Economia

A energia que ainda não deixa acelerar

A energia que ainda não deixa acelerar
João Girão

O preço da eletricidade e a falta de sinergias dominaram o arranque do novo ciclo dos Encontros Fora da Caixa

A energia que ainda não deixa acelerar

Tiago Oliveira

Jornalista

Miguel Coelho não tem dúvidas: “Um grande obstáculo são os elevados preços da energia em Portugal.” Obstáculo para o crescimento da indústria, entenda-se, e para o aumento da competitividade dos empresários portugueses perante os congéneres europeus, defende o diretor-geral da Almas Design. Trata-se de algo que os números sustentam, com os preços médios da eletricidade a serem os sextos mais caros da União Europeia, segundo o Eurostat, enquanto o país tem uma componente de taxas e impostos no preço final do consumo industrial (excluindo IVA) de 33%, uma das percentagens mais elevadas do espaço europeu.

É uma situação para a qual o Governo se mostra sensível, com o anúncio esta semana da descida da taxa do IVA na eletricidade e no gás natural de 23% para 6%, mas que na opinião dos empresários reunidos em São João da Madeira, para a primeira sessão do segundo ciclo dos Encontros Fora da Caixa, devia avançar mais rapidamente. “Pagamos eletricidade demasiado cara”, reforça Miguel Coelho. A sua empresa produz vasos a partir do concelho do distrito de Aveiro, com 98% da produção a ir para exportação. “Queremos que os nossos produtos se adequem a cada um dos nossos mercados”, garante, com a certeza de que só com o final de certos constrangimentos — como as regulações energéticas ou a falta de sinergias — é que as empresas poderão ganhar a escala internacional que garanta um futuro económico mais sustentável. Além “do problema de imagem” e falta de visibilidade que já conseguiram alterar numa primeira fase.

Se nada muda, “vamos ter dificuldades em ser ainda mais apelativos à exportação”, atira o administrador da Cartonagem Trindade, Pedro Ventura, que lembra que “temos de arquitetar as coisas para que tudo funcione.” Planeamento que pode fazer toda a diferença, sobretudo quando uma das grandes dificuldades do tecido económico “passa por estar afastado dos grandes centros de decisão do norte e centro da Europa.” Por isso os responsáveis devem reconhecer “a importância da digitalização” e colocar sempre a inovação em primeiro lugar.

Problemas que não se resolvem com uma varinha mágica e que, na opinião de Rodolfo Andrade, só são ultrapassados pelo “trabalho árduo, muita paciência e persistência” dos empresários para, mesmo assim, fazerem crescer a produção e as exportações. No caso da empresa da qual é diretor financeiro, a Multicouro, as vendas para o exterior representam 90% da faturação dos dois mil artigos diferentes de peles que fazem e o empresário acredita que uma das vias para melhorar a situação é criar um espírito mais coletivo “de troca de informação e experiências.”

Responsabilidade social

O que passa também pela ligação ao design e por uma relação mais próxima com o mundo das artes que pode ser benéfica para todos os envolvidos. “O trabalho em rede é fundamental e não há uma abertura tão grande como aquela que se poderia desejar”, aponta a diretora do Museu da Chapelaria e Museu do Calçado, Joana Galhano. Os espaços dão a conhecer a história de dois dos ex libris da indústria do concelho e integram também as rotas de visita da unidade de turismo industrial chefiada por Alexandra Alves, que recebe visitantes portugueses e estrangeiros com o intuito de dar a conhecer o tecido fabril. “Quando procuramos turismo industrial em Portugal o que surge é São João de Madeira”, revela, com a certeza de que o trabalho feito “é a prova de que é possível ligar a indústria à arte e a arte à cultura.”

Laço evidente no Centro de Arte Oliva (palco do evento), cuja criação permitiu a recuperação de um emblemático espaço industrial. “É importante pensarmos onde estamos”, sustenta Andreia Magalhães, com a diretora a mostrar vontade de colaborar mais com as empresas da região e a lançar um apelo para uma “maior responsabilidade social” da indústria para aproximar pessoas, cultura e economia.

Até porque “as profissões evoluíram muito”, segundo a curadora da Coleção Caixa Geral de Depósitos, Isabel Corte-Real, e isso pode ser um elemento decisivo para fazer frente à falta de recursos humanos que os presentes reconheceram. “O acesso à cultura em Portugal é ainda muito pouco democrático”, atira, sem esquecer que “deve haver responsabilidade empresarial” não só no mecenato e na promoção junto do público, como também na criação de melhores condições para uma ligação mais estreita entre criação artística e industrial. “Desmistificar estas ideias é muito importante”, considera.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: toliveira@impresa.pt

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